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De Mariana a Brumadinho, um país de impunidade

Imagem De Mariana a Brumadinho, um país de impunidade
Bnews - Divulgação

Publicado em 26/01/2019, às 13h52   Diego Pereira*


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Era agosto de 2015, quando então eu ingressava no Mestrado interdisciplinar em direitos humanos da UnB. Em novembro daquele mesmo ano, ocorreria o maior desastre ambiental da história do país e um dos maiores do mundo. Cursando os primeiros créditos do Mestrado, resolvi que meu objeto de pesquisa seria a vida das vítimas daquele desastre. Aqui, utilizo a palavra desastre em contraponto à palavra acidente, este como fenômeno alheio à vontade humana, não deve ser confundido com uma ação antrópica.

O rompimento da Barragem de Fundão, em novembro de 2015, causou a morte de 19 pessoas e mais de 1200 desabrigados, mas não foi o suficiente para o Brasil aprender como lidar com rompimento de barragens.

Infelizmente, não aprendemos a punir grandes empresas, não aprendemos a responsabilizar o poder público, não aprendemos a reivindicar direitos, não aprendemos a endurecer as regras para grandes empreendimentos. Não. O Brasil não aprende, nem  mesmo com grandes tragédias na proporção que foi a de Mariana.

Pois bem, como estava cursando um mestrado interdisciplinar, orientado por uma geógrafa, conversando com colegas das mais variadas áreas de conhecimentos, resolvi fazer uma pesquisa diferente. Eu que possuo formação jurídica, resolvi pegar minha mochila e ir para a pesquisa de campo. Fui três vezes para Mariana, especificamente, fui ouvir os moradores do Distrito de Bento Rodrigues, totalmente destruído pela lama da Samarco. A minha inquietação se transformava em ouvidos abertos à fala das vítimas sobreviventes.

A bielorrussa Svetlana Alexievich, prêmio Nobel de Literatura no ano de 2015, diz que “me interessam não apenas as tragédias vividas, mas a música, as danças, as roupas, os penteados, os alimentos. Os detalhes diversos de uma maneira desaparecida de viver. Esta é a única maneira de perseguir a catástrofe”.

Então, eu quis perseguir a catástrofe de Mariana, quis ouvir as vítimas. Ouvi. Emocionei-me e consegui transcrever suas falas. Falas estas que não eram de ódio, não eram de descontentamento. Não era de vingança. Era, contudo, a fala com cheiro de saudade, com choro da impunidade e, também, com a esperança de que aquilo não mais ocorresse em suas vidas nem tampouco na vida de mais ninguém.

Nada mudou. O desastre de Mariana continua impune. A Samarco juntamente com a Vale e BHP Billiton utilizam de todas as estratégias jurídicas para descumprir o acordo feito com o governo brasileiro. As famílias continuam mal alojadas no centro de Mariana. Os familiares das vítimas fatais continuam sem receber quaisquer indenizações. Memórias culturais e histórias de vidas interrompidas pelo mar de lama permanecem impunes.

Essa narrativa que aqui trago não ocorre em um dia qualquer. Ocorre no dia que brasileiros veem nos noticiários do país, com indignação de saltar aos olhos, ocorrer mais um desastre envolvendo mineradora no estado de Minas Gerais. Os noticiários de todo o país e do mundo, estampam o rompimento da Barragem de Brumadinho, de propriedade da Vale do Rio Doce. Até o momento, fala-se em cerca de 200 desaparecidos, sem se especificar o número de mortes.

O soar de uma sirene têm diversos significados, mas a maioria deles está associado à ideia de risco, sinal de alerta; de que algo de errado aconteceu ou está prestes a acontecer. Quando se trata de segurança de barragem, o tocar de uma sirene é a metáfora de um dia sombrio.

Após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, a notícia datada de 24 de fevereiro de 2018 é de que o Brasil registrava um novo vazamento em barragem localizada no estado do Pará, na cidade de Barcarena. Estudos técnicos revelaram que não havia sequer um plano de alarme em caso de desastre ou acidente para a referida Barragem.  

Cerca de quatrocentas famílias do município paraense de Barcarena foram atingidas pelo vazamento de rejeitos de bauxita da mineradora norueguesa Hidro Alunorte, que teve rejeitos da refinaria transbordados com chuvas intensas.

Novamente, o mundo se depara com a notícia de mais um rompimento de barragem, três anos após a maior tragédia ambiental do país ocorrer no estado mineiro.

Segundo Mansur, Milanez e Santos, trata-se de um verdadeiro comportamento semelhante conduzido por diversas mineradoras implantadas no Brasil, evidenciando a possibilidade de novos rompimentos durante um período de fim de determinados ciclos econômicos envolvendo a mineração no mundo. “A confrontação entre o endividamento e a receita operacional da companhia aponta para uma pressão crescente pela elevação da produtividade como forma de manutenção dos níveis de remuneração aos acionistas.”

Os jornais destacam que esta mineradora de Brumadinho corresponde a 7% da produção da Vale. Destaca-se ainda o quanto as ações da empresa despencaram no mercado internacional. Esqueceram de destacar o quanto o brasileiro se sente indignado com este triste episódio. Definitivamente, o Brasil não pune empresas responsáveis por desastres ambientais. E, para tanto, nem mesmo grandes tragédias serviram como meio de se atingir uma nova era pautada na seriedade e na responsabiliza ambiental. Fico com as palavras de Tom Jobim que, sempre ressaltando as belezas do Brasil, alerta que o país não era para principiantes. É necessário estar calejado, acostumado, adestrado para tanta impunidade.

*Diego Pereira é Procurador Federal com mestrando na UnB e autor do livro Vidas interrompidas pelo mar de lama (lumen júris 2018)

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