Economia & Mercado

As implicações da financeirização no mundo do trabalho

Imagem As implicações da financeirização no mundo do trabalho
O texto aborda as tendências do aumento do poder econômico e a precarização do trabalho no capitalismo contemporâneo  |   Bnews - Divulgação

Publicado em 05/02/2019, às 22h44   Vinícius Lins*


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A financeirização é um tema que ganha progressiva importância desde a última década. Como todo legítimo debate nas Ciências Humanas, apresenta múltiplas facetas e ausência de consenso. As transformações que vêm acontecendo no mundo do trabalho, consubstanciadas nas chamadas Reformas Trabalhistas ou em alterações esparsas e pontuais, não estão, evidentemente, dissociadas do que acontece nas praças financeiras. O crescente endividamento das famílias, sobretudo em razão do acesso às necessidades mais básicas como saúde, educação e previdência, bem como a precarização dos postos de trabalho coexiste com uma pujança inaudita da finança, que se patenteia indisfarçavelmente nas comparações do tipo “riqueza financeira x riqueza real”. 

Financeirização refere-se a “uma teia de processos inter-relacionados - econômicos, políticos, sociais, tecnológicos, culturais etc. - pelos quais as finanças estenderam sua influência para além do mercado e para outros domínios da vida social” . Uma visão completa desse processo perpassa pelo menos por três abordagens distintas. Uma primeira entende a financeirização como um regime de acumulação conduzido pela finança (finance-led) que se coloca como sucessor do regime de acumulação fordista. A segunda abordagem identifica a financeirização com a emergência da maximização do valor para o acionista como o princípio orientador da governança corporativa moderna. Por fim, uma terceira abordagem associa a financeirização com a maneira pela qual a finança vem ocupando um crescente espaço nas práticas da vida cotidiana, notadamente como canal de provisão monetária para necessidades básicas.

A financeirização foi possível pela conjugação de pelo menos dois fatores. Primeiro pelos avanços na tecnologia que ensejaram a possibilidade de deslocamento intercontinental de grandes somas de ativos em um átimo. Segundo pelo estabelecimento, de forma progressiva, de uma regulamentação específica que visava à remoção ou flexibilização de requisitos, limites e obstáculos à ação das instituições financeiras. 

De um ponto de vista espacial, a liberdade de movimentos do capital ensejou uma ruptura (embora não completa) de sua dependência em relação ao trabalho na medida em que “a reprodução e o crescimento do capital, dos lucros e dos dividendos e a satisfação dos acionistas tornaram-se independentes da duração de qualquer comprometimento local com o trabalho” . A “modernidade sólida” ou “capitalismo pesado” (equivalente à era do fordismo) tinha como característica o engajamento e dependência mútua entre capital e trabalho em um mesmo habitat comum, isto é, um endereço fixo, que era a fábrica. Na “modernidade líquida” ou “capitalismo leve”, isto é, com o advento da financeirização, a flexibilidade reivindica trabalhos via contratos de curto prazo ou mesmo ausência de contratos. O capital fluido apresenta um poder de barganha sem precedentes face às instituições locais. Estabelece, “paradoxalmente”, sua liberdade de saída sem embaraços como condição de sua permanência, o que deságua na flexibilização do mercado de trabalho e abolição de restrições legais ao seu livre movimento.

De um ponto de vista microeconômico, a “maximização do valor para o acionista” como padrão de princípio de governança corporativa , uma das características da financeirização, promove impactos na gestão da força de trabalho. Na prática, os gerentes de alto escalão passam a executar uma redução na quantidade de trabalhadores e na própria estrutura física da empresa na tentativa de aumentar o retorno sobre o patrimônio líquido. 

Os trabalhadores assalariados são o grupo social sobre o qual recaem majoritariamente os impactos imediatos: “é contra eles que se exerce o novo poder administrativo. Foram eles que sofreram e vão continuar a sofrer os efeitos das normas de rentabilidade impostas pelos financistas” . O movimento de altas taxas de rendimento conjugadas a um crescimento nos lucros só foi possível em virtude do “rigor salarial e a flexibilização do emprego, assim como o recurso sistemático ao trabalho barato e pouco protegido por meio da deslocalização e subcontratação internacional” . Os “administradores financeiros” também se concentraram na distribuição de receitas corporativas na forma de dividendos e recompra de ações - que se consolida de forma sistemática como um destino cada vez mais importante na alocação das receitas - a fim de sustentar o preço das ações de suas empresas no mercado. 

Em que pese a dificuldade de se comprovar, acima de qualquer dúvida razoável, as relações de causalidade entre os fenômenos econômicos, é difícil considerar como mera coincidência as tendências do aumento do poder da finança e a precarização do trabalho no capitalismo contemporâneo.

*Vinícius Lins - Colaborador do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), doutorando em Economia pela UFBA e assessor do Sindicato dos Bancários da Bahia.

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