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A reforma da Previdência, os professores e a educação no Brasil

Imagem A reforma da Previdência, os professores e a educação no Brasil
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Publicado em 28/02/2019, às 07h21   Penildon Silva Filho*


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A proposta de reforma da Previdência foi apresentada semana passada pelo presidente da República ao Congresso Nacional, contando com o apoio integral dos presidentes da Câmara e do Senado, de vários partidos de centro-direita e direita, da unanimidade dos meios de comunicação dominantes do país e de todas as entidades patronais. Vem sendo louvada como a salvação da Economia brasileira, apontada como único caminho para a volta do crescimento econômico e dos postos de trabalho e para a entrada do Brasil no rol dos países desenvolvidos e de Economia aberta e de mercado. Todos os problemas de recessão, dificuldades de retomada do crescimento, decadência das políticas públicas, dificuldades financeiras de estados e municípios, que enfrentam situações de incapacidade até para pagar os salários dos servidores públicos, tudo isso será superado caso a reforma de inspiração neoliberal e copiada do modelo chileno de capitalização individual seja aprovada. Os comentaristas dos grandes jornais amedrontam o povo, afirmando que se a reforma não for aprovada o Brasil estará à beira do precipício, num tom de ameaça conjugada com chantagem. 

Até as últimas denúncias sobre o governo têm sido eclipsadas para garantir uma tramitação tranquila da reforma, supostamente benfazeja ao país. Desde laranjas de parlamentares do PSL e desvio de recursos do fundo eleitoral para fundos pessoais até a ligação da família Bolsonaro com as milícias diretamente ligadas ao assassinato de Marielle Franco, são todas denúncias e investigações muito bem documentados por contas bancárias, cheques, operadores de esquemas milionários nomeados em gabinetes de parlamentares ligados ao atual governo e registros na justiça eleitoral. Trata-se de um conjunto de incidentes que deveriam servir à investigação e apuração, mas deixadas de lado pelos órgãos que deveriam atuar nesses casos, tudo em nome da estabilidade política para viabilizar a aprovação da reforma da previdência.

O primeiro ponto a ser lembrado é que em 2017 foi aprovada uma reforma trabalhista com esse mesmo discurso salvacionista e exagerado. Precisávamos urgentemente diminuir ou extinguir os direitos trabalhistas e a Justiça do Trabalho, tornar as relações entre trabalhadores e empresários mais desreguladas pelo Estado, pois assim os postos de emprego surgiriam. Na época o então ministro da Fazenda do governo Michel Temer, o Henrique Meireles, chegou a fazer cálculos de criação de 6 milhões de empregos ou até mais (ver matéria). 

Não houve criação de empregos e os postos de trabalho involuíram em sua qualidade, e após a reforma trabalhista o número de empregos sem carteira assinada no Brasil ultrapassou o número de empregos com carteira assinada num processo de precarização que não tirou o Brasil da recessão e da desigualdade social (ver matéria).

Há uma repetição dessa fórmula midiática e política para constranger o parlamento e a população a aceitar a nova reforma, mas os efeitos da reforma trabalhista deveriam alertar que esse discurso ultra neoliberal de que a diminuição do Estado, o corte de direitos dos trabalhadores e a diminuição ou extinção das políticas públicas sociais gerariam empregos é uma falácia.

Os países do mundo que insistiram nesse receituário neoliberal de retirada de direitos não tiveram suas economias retomadas, apenas experimentaram o aumento do poder do capital financeiro, do poder dos bancos na Economia e da especulação financeira, um brutal empobrecimento da população, o aumento da concentração de renda e a explosão da desigualdade, com o exemplo dos Estados Unidos, Inglaterra, Itália e a zona do Euro de forma geral; enquanto que outros países que investiram em intervenção do Estado na Economia, planejamento econômico, investimento em políticas sociais e aumento dos salários da base da pirâmide social estão crescendo bem mais rapidamente e diminuindo os índices de pobreza e miséria, a exemplo da China, Portugal e Grécia. 

O Brasil serve para exemplificar os dois modelos: antes do golpe parlamentar de 2016, quando o país gozava de crescimento econômico com redistribuição de renda, geração de empregos e diminuição da desigualdade, fenômenos levados à frente por uma política estatal forte e de viés social; e o Brasil depois do golpe de 2016, que implantou além da reforma trabalhista o congelamento de gastos sociais por 20 anos, a privatização de parcelas da Petrobrás, a desativação da indústria naval e a substituição do “regime de partilha do Pré-Sal”. A Petrobras que tinha a gestão das reservas petrolíferas foi retirada em favor das empresas estrangeiras. O Brasil depois do golpe de 2016 foi o da recessão e da estagnação, e a reforma da previdência não mudará esse processo.

A Reforma da Previdência é pura e simplesmente a sua retirada do texto constitucional. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6/2019 é o maior ataque à Previdência já proposto por qualquer governo, e consubstancia o fim do pacto social da Constituição de 1988. Bolsonaro propõe simplesmente a retirada da Previdência Social da Constituição, sendo que Temer já havia retirado a Saúde, a Educação e a Assistência Social com a Emenda Constitucional 95, que acabou com o percentual mínimo constitucional de investimento nessas políticas sociais. 

A PEC lançada semana passada estabelece que os trabalhadores que entrarem no mercado de trabalho a partir de agora terão que contribuir com entidades privadas em regime de capitalização a ser definido por lei complementar, ou seja, todas as mudanças daqui por diante não precisarão mais passar por votações de 3/5 da Câmara e do Senado, bastando uma maioria simples, e da mesma maneira poderão ser modificados no futuro, inclusive com contribuições extras caso o poder executivo entenda que há necessidade de cobrir “déficits”. Esse regime de capitalização já existe no mundo em alguns lugares, e seria importante os cidadãos brasileiros observarem com muita atenção o modelo chileno, que é justamente o modelo apontado como ideal pelo atual ministro da Economia. No Chile, as pessoas contribuem com 10% de seu salário para fundos privados que aplicam no “mercado” de fundos de investimento, para tentar aumentar seu rendimento. São fundos privados geralmente estrangeiros, que por não serem públicos estão sujeitos a falir e deixar os trabalhadores sem qualquer assistência, e no Chile os homens ao se aposentarem passam a receber em média 1/3 do que ganhavam no período da ativa e as mulheres recebem 1/4 . É importante salientar que o intento do governo é para os novos trabalhadores que entrarem a partir da aprovação dessa reforma e não haverá contribuição patronal ou do governo no caso dos servidores públicos. Trata-se apenas da legalização da previdência privada e a extinção da previdência pública.

Esse regime é bom para os bancos e empresas que lidam com a especulação financeira, pois terão à sua disposição um montante de recursos extremamente vultoso da contribuição de quem está trabalhando no país, mas é extremamente nocivo para quem não se encontra nos 1% mais rico da população. Perderão os trabalhadores mais pobres, a classe média, os servidores públicos, os trabalhadores informais, os trabalhadores do campo e também os professores e professoras. Na verdade quem mais perderá serão os profissionais da Educação Infantil (EI), do Ensino Fundamental(EF) e do Ensino Médio(EM), especialmente as mulheres professoras, que terão que trabalhar agora no mínimo mais 10 anos para se aposentar, e as novas trabalhadoras da educação terão que ficar 40 anos em sala de aula para ter as aposentarias integrais. 

Há um texto técnico de fácil compreensão elaborado pelo PROIFES-FEDERAÇÃO, que reúne sindicatos de professores de universidades federais, intitulado “O IMPACTO DA REFORMA DE PREVIDÊNCIA DE BOLSONARO PARA OS PROFESSORES E PROFESSORAS FEDERAIS” que também aborda a situação dos professores de todos os níveis, modalidades e de estados e municípios. O texto explica muito bem que “A PEC cria dois redutores da média das remunerações. A primeira é a inclusão, no cálculo, de todas as remunerações, fazendo com que a média apurada agora seja necessariamente menor que hoje, posto que agora se descarta as piores remunerações correspondentes a 20% do tempo, que normalmente são as do início da Carreira. O segundo redutor vem do Tempo de Contribuição (TC), que só permite alcançar 100% da média se o(a) professor(a) contribuir por 40 anos, para ambos os sexos, o que prejudica mais as mulheres, e sobretudo as do EI, EF e EM (Ensino Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio). Observe-se que esta regra valerá também para os (as) professores (as) da 2ª Geração, se não atingirem a idade mínima exigida para a aposentadoria integral.” 

O texto da federação de sindicatos ainda explica que “Mulher do EI, EF ou EM, com 50 anos de idade e TC= 25 poderia ter se aposentado se tivesse completado os tempos 1 dia antes da data da promulgação, mas os completou 1 dia depois. Com Idade Mínima (IM) de 51 e TC + IM = 81 a professora só poderá se aposentar apenas com 30 anos de TC, pois o pedágio é mais rigoroso para os) as) professores (as) do EI, EF e EM. Em 2024, terá 55 anos e TC= 30, o que dará TC + IM= 85, que não é suficiente, pois em 2024 o TC + IM exigido será de 86, assim, só poderá se aposentar em 2025 (6 anos após o esperado), com 56 amos de idade e TC= 31. Porém, se aposentará sem integralidade, pois não terá os 60 anos exigidos para tal e receberá 82% da média de todas as remunerações. Para se aposentar com integralidade deverá esperar até 2029, 10 anos após o esperado, quando então finalmente terá 60 anos de idade e TC= 35, somando TC + IM= 95, superior aos 91 que serão exigidos.”

Trata-se um novo golpe na Educação nacional. Esse golpe se articula a outros, que tomaram a Educação como alvo e os educadores como inimigos. A aprovação da emenda 95 congelou os gastos da Educação por 20 anos e evidentemente que os recursos para os salários de professores, para manutenção das escolas, formação de professores, material de uso pedagógico ficarão sem incremento algum. Some-se a isso a proposta da reforma do ensino médio já aprovada pelo governo Temer e mantida pelo atual governo que destrói as diretrizes curriculares do Ensino Médio aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação e estabelece uma estrutura de escola pública precarizada, com exclusão de uma série de conteúdos importantes para a formação do aluno através da possibilidade de adoção de poucos ou apenas de um percurso formativo, e ainda a permissão para que o poder público contrate pessoas sem formação em licenciatura para ministrar aulas, desvalorizando ainda mais a carreira docente e rebaixando a formação dos alunos.

Temos uma Reforma do Ensino Médio voltada para a terceirização das escolas por empresas e organizações sociais, ou para a  terceirização de partes da formação com a compra de pacotes “pedagógicos” de empresas ávidas por esse mercado. Para conhecer mais sobre a Reforma do Ensino Médio, acesse aqui.
Além do congelamento de recursos e da precarização e terceirização do ensino público, vivemos hoje a ofensiva de setores conservadores que preconizam a perseguição de professores em sala de aula com critérios ideológicos pelos próprios alunos, destruindo o ambiente escolar no que ele mais precisa e tem de mais valioso, que é o estabelecimento de laços de confiança e solidariedade.

Completando esse cerco aos profissionais da Educação e à própria Educação, a Reforma da Previdência tornará precárias as condições de vida dos professores que entrarem na carreira a partir da promulgação da emenda constitucional, assim como terá efeitos nefastos sobre todos os trabalhadores, do setor público e privado. Para aqueles que já estão na carreira, estes terão que trabalhar muitos anos a mais e sem garantia de aposentaria integral, em condições precárias, com escolas degradadas pela política do Estado Mínimo e perseguidos e vilipendiados por campanhas de ataques à sua honra e dignidade com a “Escola Sem Partido”. 

Na Educação, a busca pela carreira docente sofrerá um revés, e a situação que hoje nos encontramos de falta de docentes de diferentes áreas do conhecimento em todas as regiões brasileiras deve se agravar. Depois de um período em que a carreira docente na Educação Básica e Superior começou a ser mais atrativa, durante os governos Lula e Dilma, com a instituição do piso salarial nacional, do Fundo de Manutenção da Educação Básica (FUNDEB), do Plano Nacional de Formação de Professores (PARFOR) da Educação Básica, e com a valorização da carreira dos docentes das universidades federais e dos institutos federais, vivenciamos desde 2016 uma fase de profunda regressão, da qual as mudanças na Previdência serão parte importante.

Cumpre registrar uma informação importante. A CPI da Previdência, concluída em 2017, comprovou que a Previdência, compreendida como parte da Seguridade Social, não é deficitária; na verdade ela é superavitária pelos impostos estabelecidos na Constituição para essa finalidade, e que o montante de dívidas que grandes sonegadores da Previdência têm chega a 450 bilhões de reais, recursos importantíssimos para garantir mais qualidade nesse direito humano básico, especialmente para os trabalhadores em fase de aposentadoria. Vela pena ler o relatório, e a notícia sobre o mesmo está disponível aqui

A Reforma da Previdência então é desnecessária, a Seguridade Social (que envolve a Previdência) é sustentável, sendo que a PEC do governo Bolsonaro atende basicamente aos interesses privatistas de quem quer gerenciar os recursos dos trabalhadores em fundos privados de previdência, sem garantia dos valores a serem percebidos pelos futuros aposentados, como pode ser verificado na experiência do Chile, onde o suicídio de idosos é alto por conta dessa pauperização dos aposentados. E os maiores prejudicados nesse processo são os professores, especialmente da Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio, e nesse conjunto as mulheres serão as maiores prejudicadas e exploradas. Em vez do Brasil penalizar as professoras que formam nossas crianças e jovens nas escolas públicas, deveríamos estar cobrando as dívidas dos empresários sonegadores, que sempre são esquecidos no momento de se cobrar o que eles devem, de acordo com a lei.

*Penildon Silva Filho é professor da Ufba e doutor em Educação e escreve para o BNews às quintas-feiras

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