Economia & Mercado

A continuidade da crise do capitalismo contemporâneo

Imagem A continuidade da crise do capitalismo contemporâneo
O receituário neoliberal implementado na zona do euro após a crise de 2007-2008 não vem demonstrando bons resultados  |   Bnews - Divulgação

Publicado em 16/04/2019, às 21h47   Cairo Andrade*


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As projeções da economia mundial para os próximos dois anos realizados pelo Banco Mundial e FMI são de desaceleração da economia global, esta análise contrapõe a visão otimista de que a economia capitalista tenha retomado o crescimento sustentado e que o mercado capitalista superou a crise do sistema imobiliário de 2007/2008. 

O receituário neoliberal implementado na zona do euro após a crise de 2007-2008 não vem demonstrando bons resultados, ou seja, os rigorosos planos de ajuste fiscal, redução de gastos sociais (serviços públicos de saúde, educação, benefícios sociais etc), redução de investimentos públicos, execução de uma anti-reforma trabalhista, tributário, comercial e previdenciário - não surtiram os efeitos esperados entre as principais economias da zona (Reino Unido, Alemanha e França). O bloco cresceu 1,9% em 2018 e as perspectivas para os próximos anos, segundo o Banco Mundial, é de desaceleração do PIB, estimando crescimento de 1,6% para o ano de 2019. 

Em vez de recuperação, a crise simplesmente rolou em torno da economia global. Foi mais intenso no núcleo - os EUA e o Reino Unido - mas posteriormente mudou-se para a Europa e, em particular, para a Zona Euro.

Uma década após o colapso, um dos elementos que apontam para o risco de uma nova recessão desencadeada pelo sistema financeiro americano é o processo  de sobrevalorização dos ativos financeiros S&P 500 nos últimos anos, situação esta que deixa em evidência que os policy makers não aprenderam nada com a crise de 2007/2008, já que o capital especulativo continuou a predominar no sistema financeiro internacional. 

O processo de sobrevalorização dos ativos financeiros funcionada da seguinte forma: a avaliação das ações de uma empresa é determinada por muitas variáveis, no entanto, existem vários indicadores que esclarecem alguns dos fatores determinantes e podem ajudar a identificar se um ativo é valorizado ou não. Entre esses indicadores, um dos mais comumente referenciados é o CAPE - cyclically adjusted price-earnings ratio (razão de preço-lucro ajustado ciclicamente) -, proposto pelo Prêmio Nobel de Economia Robert J. Shiller. 

O índice CAPE envolve a divisão da capitalização total de um índice do mercado de ações, ou de uma empresa, pela média de todos os lucros reportados pelas empresas constituintes, ou pela empresa em questão nos últimos 10 anos. Assim, uma empresa com um índice CAPE maior do que outros indica que o preço pago por suas ações reflete outros fatores além dos lucros passados da empresa, como a expectativa de um aumento futuro nos lucros ou uma sobrevalorização das ações.

Acontece que o índice CAPE para o S&P 500 subiu de forma constante na segunda década deste milênio, à medida que a recuperação econômica nos EUA ganhou força, com os preços das ações atingindo níveis recordes. 

Para se ter uma ideia do elevado nível de valorização dos ativos, em junho de 2018 o índice CAPE estava em 33,78, muito acima quando comparado com a média de longo prazo que foi de 16,80. Essa situação chama a atenção porque só em dois momentos da história recente do capitalismo que o índice CAPE ultrapassou a casa dos 30, quais sejam: na maior crise do capitalismo em 1929 e na segunda maior crise do capitalismo no período recente nos anos 2000. Essa dinâmica de sobrevalorização dos ativos financeiros descolado de uma recuperação robusta da economia real desencadeou um debate sobre se o valor elevado da razão pode ser um sinal de uma nova crise no sistema financeiro. 

Em paralelo a alta dos ativos financeiro dos Estados Unidos, no mês de março de 2019 o Federal Reserve se comprometeu a flexibilizar as leis que regulamentam o mercado financeiro americano, isto é, apontando para um maior estímulo à dinâmica do capital especulativo, agravando mais a instabilidade da economia mundial. 

O banco central comunicou que modificaria a estrutura de seus “testes de estresse” anuais, que mensuram a habilidade de os bancos lideres suportarem a uma intempérie econômica e financeira em potencial.  Desde o colapso financeiro de 2007-2008, o FED fez com que os credores do país passassem por rigorosos testes anuais para saber se teriam capital suficiente para resistir a uma grande desaceleração econômica.

Esse cenário deixa em evidência que a economia mundial está à beira de outro colapso financeiro, principalmente em decorrência do fracasso dos governos e reguladores para implementar todas as reformas necessárias que tinham como objetivo proteger o sistema financeiro do comportamento imprudente dos especuladores, advertiu o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Tendo feito pouco para reestruturar ou re-regulamentar o setor financeiro global, os bancos centrais preferiram usar uma gama de ferramentas monetárias à sua disposição para ajudar os banqueiros a limpar seus balanços.

Portanto, a regulamentação financeira a favor dos grandes bancos pode abrir espaço para mais uma crise no sistema financeiro americano. Vale ressaltar que uma das promessas de campanha do atual presidente americano – Donald Trump - foi a de retirar as barreiras regulatórias implantada no governo Obama após a crise no setor imobiliário, medida esta que tende a agravar o cenário de instabilidade. 

A crise de 2007/2008 deixou nítido os resultados de uma economia capitalista marcado pela dominação do sistema bancário sobre a esfera da produção, causando maior instabilidade econômica e crises profundas, tendo impactos substanciais na esfera produtiva e na crise do emprego. Além do mais, esse cenário também mostra a perda da soberania do Estado na adoção de políticas monetária e fiscal que favoreçam o povo em detrimento de anteder aos interesses do grande capital internacional. 

Essa conjuntura de aprofundamento da crise da economia capitalista mundial se torna mais arriscado ainda para países periféricos, como é o caso da economia brasileira. Quando analisamos os 100 primeiros dias do Governo Bolsonaro e temos clareza da incompetência de toda sua equipe de governo em adotar medidas de recuperação do mercado interno, afim de proteger o país desse cenário internacional completamente desfavorável, o que nos resta é a certeza de que a recuperação econômica do país não está nos horizontes de curto prazo.

*Cairo Andrade é pesquisador do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mestrando em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (FE/UFBA). Graduado em Ciências Econômicas.

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