Política

Mais do que só ler, escrever e contar

Imagem Mais do que só ler, escrever e contar
Não adianta investirmos em um processo de alfabetização sem um senso crítico focado na interpretação  |   Bnews - Divulgação

Publicado em 29/04/2019, às 14h58   Victor Pinto*


FacebookTwitterWhatsApp

Pensar é algo que nos deve ser provocado desde sempre. O senso crítico é estabelecido numa relação de apreensão de conhecimento, por meio de uma técnica, e sua interpretação. A decisão do presidente Jair Bolsonaro (PSL) e do ministro da Educação, Abraham Weintraub, sobre a redução do investimento público nas faculdades de Ciências Humanas, com foco na Filosofia e na Sociologia, embutido num método de sombreamento do foco mecanicista da educação, soa um sinal de alerta.

"A função do governo é respeitar o dinheiro do contribuinte, ensinando para os jovens a leitura, escrita e a fazer conta e depois um ofício que gere renda para a pessoa e bem-estar para a família, que melhore a sociedade em sua volta", escreveu Bolsonaro.

Há quem defenda a nova decisão bolsonarista como inconstitucional por ferir a autonomia, também conferida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação, das universidades brasileiras.

A Folha de S. Paulo nos mostrou neste fim de semana um levantamento que aponta um impacto de apenas 1%, pois esse é o total de alunos matriculados nos cursos de graduação, pós, mestrados e doutorados nas universidades federais.

Achar que as ciências sociais não tem importância no processo da ciência é retroagir anos, algo até exemplificado na lógica do Paradigma Dominante nos apresentado por Boaventura de Souza Santos em “Um discurso sobre as ciências”.

As aspas do presidente e um eventual início da cruzada contra as ciências humanas, automaticamente, me fizeram lembrar duas obras literárias, já adaptadas ao cinema. A primeira é de Ziraldo: Uma Professora Muito Maluquinha. Essa faz uma crítica ao método arcaico de pedagogia do ensino e preza por uma leveza na educação nesse foco do ler, escrever e contar, mas com fundo de ensinar a interpretar.

O verbo é esse: interpretar. Não adianta investirmos em um processo de alfabetização sem um senso crítico focado na interpretação. Quem consegue assimilar aquilo que leu e escreveu consegue deslanchar nas mais diversas áreas.

A filosofia e a sociologia, por mais que eu tenha tido professores ligados aos dois campos da ideologia política brasileira, desde o ensino médio, me fizeram descobrir e analisar contextos antes que nunca visitei e me ajudaram na maturação de interpretar.

Não fui doutrinado, como apontam de maneira generalista a todos aqueles que se debruçam no estudo de humanas, contudo sei de educadores transformadores da cátedra em um palanque eleitoral tanto da esquerda quanto da direita. Repudiável.

Nessa cruzada das ciências humanas, a outra obra assimilada é o romance Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, com adaptações cinematográficas de François Truffaut, de 1966, e outra, mais recente, no ano passado. Nele há um enredo, numa sociedade fictícia, cujas pessoas não poderiam ler. E para isso todos os livros foram incendiados, pois havia o entendimento de leitura atrelada a processo de aprendizagem e formatação de pensamento crítico contrariador do regime totalitário vigente.

A mecanização fria do ler, escrever e contar por si só não é o bastante para evoluirmos enquanto sociedade no processo educacional. Precisamos mais do que isso: pensar, assimilar e interpretar, em contextos e vivências, para aprimorar esse repertório de vida. Conduzida de uma maneira não doutrinadora pelo caráter eleitoral, filosofia e sociologia ajudam nisso.

* Victor Pinto é jornalista formado pela Ufba, especialista em gestão de empresas em radiodifusão e estudante de Direito da Ucsal. Atua na cobertura política em sites e rádios de Salvador. Twitter: @victordojornal

** Esse artigo é publicado simultaneamente no jornal Tribuna da Bahia.

Classificação Indicativa: Livre

FacebookTwitterWhatsApp