Educação

A destruição da Universidade: Precisamos falar sobre ditaduras 2

Imagem A destruição da Universidade: Precisamos falar sobre ditaduras 2
Bnews - Divulgação

Publicado em 05/05/2019, às 16h07   *Penildon Silva Filho


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Na última semana os ataques às Universidades e Institutos Federais se intensificaram em diversas frentes demonstrando que o processo de desmonte ou mesmo destruição do Ensino Superior público não será paulatino ou lento. A estratégia é promover rapidamente a extinção dessas instituições dentro da sistemática implementada no Brasil desde 2015 e 2016. Essa estratégia que permitiu a destruição de uma série de direitos e garantias resguardados pela Constituição Federal de 1988 e por políticas públicas posteriores, implementadas pelos governos civis no pós-ditadura militar, nasceu a partir da destituição da presidente Dilma e da criação de uma crise econômica, social, política e institucional.

O atual ministro da Educação deu uma entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, publicada na terça, dia 30 de abril, indicando que cortaria o orçamento de três universidades federais, a UNB, a UFF e a UFBA, com a justificativa de que essas instituições tinham em seu interior “balbúrdia” e que fugiam a critérios acadêmicos e “não cumpriam o dever de casa, apenas se dedicando a atividades ideológicas”. A declaração provocou uma reação não apenas das universidades e seus reitores, mas da sociedade brasileira como um todo, das entidades representantes da Educação, da OAB, da Defensoria Pública da União, do Ministério Público Federal, parlamentares e políticos de um amplo leque político e ideológico. O prefeito de Salvador, de partido que apoia o governo federal, se posicionou contrariamente às declarações histriônicas ministeriais. Em entrevista, o prefeito do DEM afirmou: “Já dialoguei com o reitor, professor João Carlos Salles, com minha preocupação, que deve ser de todos os baianos. A Universidade Federal (da Bahia) é patrimônio da Bahia não pode haver nenhum tipo de ação que possa trazer caráter ideológico ou persecutório à universidade. Nós não concordamos com isso e todos nós devemos lutar para que o orçamento seja preservado", avaliou o prefeito. Ele alerta que o corte de 30% tem capacidade de inviabilizar o trabalho da universidade. "Esperamos que possa haver revisão por parte do Ministério da Educação em relação a essas decisões que foram tomadas", afirmou Neto, que também declarou que desconhece o argumento que levou o MEC a tomar a medida.” (Ver em matéria do site: https://www.metro1.com.br/noticias/politica/72870,nao-pode-haver-acao-com-carater-persecutorio-diz-neto-apos-corte-na-ufba.html ).

O senador Jaques Wagner (PT) fez duras críticas ao comportamento ditatorial e de falta de compromisso com as Universidades por parte do governo federal, e entrou com um pedido para que o Senado Federal convoque o ministro para que ele dê explicações. O senador Otto Alencar divulgou declaração em que afirma que se o governo tiver uma atitude persecutória e discriminadora, o PSD, seu partido, fará obstrução na votação das pautas de interesse do governo (Ver no link: https://twitter.com/ottoalencar/status/1123258649810542593 ).

Até os meios de comunicação, tão acostumados a uma postura condescendente ou até laudatória com o atual governo, teve que repercutir o absurdo da chantagem feita contra as instituições. O ministro ainda indicou que o corte poderia ser estendido para outras universdiades, caso elas não se adequassem ao que ele definiu como qualidade acadêmica ou se enquadrassem no que ele definiu como “balbúrdia”.

As declarações, além de serem um atentado contra a Democracia no Brasil e contra a Autonomia Universitária estabelecida na Constituição, se resumem em versões falsas da realidade. As Três instituições ameaçadas apresentaram, ao contrário do que disse o ministro, significativos indicadores de melhoria de desempenho, inclusive acima da média nacional. As Universidades a serem sacrificadas estão entre as instituições brasileiras que mais aumentaram sua produção científica na última década, conforme dados da Web of Science, base internacional usada no Ranking de Universidades da Folha de São Paulo (RUF).

Em comunicado da Reitoria da UFBA observamos o quanto essa medida não tem qualquer critério sério, o que desnuda que a postura do governo federal é que se caracteriza por uma balbúrdia, pois ataca sem provas, ameaça com perseguição política e ideológica, declara guerra ao patrimônio nacional que são as instituições federais, Universidades e Institutos Federais: “A UFBA tem 105 cursos de graduação, com 37.985 matriculados. Na última avaliação divulgada pelo MEC, constatou-se um salto de 40% para 96% do percentual de cursos avaliados com nota 4 ou 5, entre 2014 e 2016. No Enade, a média geral dos cursos de graduação da Universidade vem em evolução desde 2006 e, recentemente, saltou de 3,89, no triênio 2012-13-14, para 4,05, no triênio 2015-16-17. Na pós-graduação, a UFBA oferece 136 cursos (54 doutorados e 82 mestrados), e tem 7.045 estudantes matriculados. Entre as federais, trata-se da sexta maior oferta de cursos, sendo a 3ª instituição com mais cursos de pós com notas 4 e 5, e a 11ª com mais notas 6 e 7, na avaliação da Capes. Entre as 20 universidades líderes em produção de conhecimento avaliadas pela Capes, a UFBA é a 12ª com mais pesquisas publicadas nos melhores periódicos, sendo a 9ª com mais artigos lidos na plataforma Scopus. É também a 9ª em colaboração internacional, e a 11ª em colaboração com empresas. Somos a 1ª universidade do Nordeste, a 10ª brasileira e a 30ª da América Latina no ranking Times Higher Education (THE), da revista inglesa Times, que avalia 1.250 universidades de 36 países. Apenas 15 brasileiras estão entre as 1.000 melhores do mundo, e 36 entre as 1.100. No Ranking Universitário da Folha, que avalia cinco itens – qualidade do ensino, percepção do mercado de trabalho, inovação, pesquisa acadêmica e internacionalização – a UFBA subiu uma posição em relação a 2017, e foi considerada a 14ª melhor entre 196 universidades brasileiras em 2018” ( Ver no link: https://ufba.br/ufba_em_pauta/cortes-orcamentarios-nota-de-esclarecimento-da-universidade-federal-da-bahia )

Na noite de terça feira, mesmo dia da declaração de ataque do ministro, o governo anunciou que faria corte de 30% do orçamento em todas as universidades e institutos, o que inviabiliza o seu funcionamento. Na quarta, primeiro de maio, o mesmo ministro gravou um vídeo, em que afirma categoricamente que a prioridade do governo será apenas a Educação Básica, usando um discurso de que o custo do aluno universitário inviabiliza o investimento nas creches. Esse discurso sempre foi usado desde a década de 1980 para tentar criar uma fratura na Sociedade, e jogar a maior parte da população contra as instituições públicas, alimentando um sentimento de frustração e de revolta contra os supostos “privilegiados que estariam ocupando as vagas universitárias e retirando direitos dos mais pobres”. Temos aqui uma estratégia muito alinhada com o nazi-fascismo da Alemanha e da Itália nas primeiras décadas de século 20. O discurso do fascismo era populista, procurava se identificar com os pobres e os esquecidos contra uma elite meio difusa e indeterminada, incluindo aí uma elite intelectual e social, com um discurso contra os privilégios de uma suposta classe privilegiada que mobilizava o sentimento de “recalque” dos que não estivessem nos ambientes da elite.

Esse discurso também é falso, pois o atual governo não tem medidas que favoreçam os mais pobres, é apenas um discurso virulento sem base real que procura falsear a realidade e mobilizar emocionalmente e sem racionalidade. O governo Bolsonaro acabou com a política de valorização do salário mínimo, que nos últimos 14 anos tinha garantido ganhos reais aos mais pobres; desativou novos empreendimentos do Minha Casa Minha Vida; defende uma reforma trabalhista mais profunda que a do governo Temer, com a proposta de uma carteira de trabalho “verde e amarela” que não garantirá nenhum direito trabalhista; e quer aprovar uma reforma da previdência que retirará mais de um trilhão de reais dos mais pobres, rebaixando os valores das aposentadorias e fazendo as pessoas trabalharem mais 10 ou 15 anos antes de se aposentar. Tudo isso para transferir esse recurso para os grandes bancos que administrarão o regime de capitalização na “Nova Previdência”. As ações de liberação da destruição da Floresta Amazônica e repressão aos índios com o uso da Força Nacional indicam o quanto o governo é anti-popular e descompromissado com os direitos humanos e o meio ambiente, o que em última análise mostra que está ao lado das elites econômicas predadoras que diz combater.

Mas esse discurso hoje não tem mais base social para se sustentar, simplesmente porque as Universidades e Institutos Federais não são mais o lugar das elites. As nossas instituições hoje têm maioria de alunos vindos das escolas públicas, maioria de negros e pardos, e no ponto da renda 66% dos estudantes das universidades federais são de famílias com um rendimento de até dois salários mínimos percapta, no Nordeste esse percentual sobre para 72%, segundo a pesquisa mais recente sobre o perfil sócio econômico dos estudantes universitários realizada pela Andifes (Associação dos Reitores das Instituições Federais de Ensino Superior).

Esse é o motivo pelo qual esse discurso falacioso não terá repercussão na Sociedade. Hoje a maioria dos estudantes não é da elite, reconhece que a Universidade e os Institutos Federais mudaram e esses novos alunos não admitem retrocessos. Justamente no momento em que os pobres, os negros, os índios, os quilombolas, as pessoas trans entram nas universidades, se quer destruir essas instituições?

O que fazer?

A reação majoritária da Sociedade e da classe política contra a destruição das universidades indica o caminho a ser seguido: estreitar os laços com esses atores sociais, realizando atos nos bairros populares para mostrar o que as universidades têm; promovendo dias de mobilização nacionais com presença da comunidade universitária e de fora da Universidade nas principais rodovias do país; realizar sessões especiais em Assembleias Legislativas, em Câmara de Vereadores e no Congresso Nacional contra a destruição das universidades e para debater Educação; realizar movimentos de toda a Educação, a Básica e a Superior, inclusive dos alunos das instituições privadas que serão massivamente expulsos de suas faculdades pelas novas regras do FIES. Precisamos fazer concertos de música em rodovias pelo Brasil, fazer atendimento médico em comunidades populares, nos ligar aos movimentos sociais e culturais da periferia.

A estratégia de destruição desse patrimônio público é uma blitzkrieg, bem no estilo alemão da Segunda Guerra Mundial, um ataque rápido, com uso de vários meios de comunicação e discursos de ódio contra o que de melhor a nossa Sociedade criou, as nossas instituições de ensino. Não cabem mais antigas formas de mobilização que paralisem e esvaziem os campi, que segmente e divida professores, estudantes e técnicos, ou divida a Educação Básica da Superior. A intensidade e rapidez do ataque é tal que uma ação coordenada para criar uma grande coalisão em defesa das universidades e institutos federais deve ser rápida e capaz de criar fatos midiáticos.

*Penildon Silva Filho é professor da UFBA e Doutor em Educação

Classificação Indicativa: Livre

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