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Quem ganha com a reforma da Previdência? Não será você...

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Bnews - Divulgação

Publicado em 19/06/2019, às 11h18   Thiago Bartolomeu


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A reforma da Previdência está sendo vendida como a solução para os problemas econômicos brasileiros simultaneamente com um cenário de mudança do comportamento de gestão do sistema financeiro nacional, mas o que isso tem a ver? É o que vamos descobrir neste artigo. O baixo crescimento econômico, a deterioração das contas públicas e a não confiança dos investidores servem de propaganda para os que estão apoiando essa reforma e há quem diga que quem se opor é inimigo da nação. Espelhada na reforma do Chile nos anos 80, durante a ditadura de Pinochet, em que o regime de capitalização veio à tona frente ao de repartição, essa reforma proposta pelo governo Bolsonaro tem como base a ideia de que cada indivíduo deve ser responsável por fazer sua própria poupança para garantir sua aposentadoria. O mais interessado nessa reforma é o sistema financeiro, pois irá gerar mais negócios para o setor, as pessoas vão depositar o dinheiro em um fundo de pensão, a rede de captações do sistema financeiro vai se diversificar.

A fábula da retomada da confiança vide aprovação da reforma da Previdência é um ponto que deve ser colocado em questão, pois, de acordo com os defensores dessa reforma, o enxugamento do Estado atrelado com a desvinculação de despesas do orçamento, além da desburocratização de processos, são exemplos de medidas a serem tomadas para impulsionar a agenda produtiva do país. Assim, o governo irá reduzir os tributos, aumentando o investimento do setor privado, trazendo impactos positivos até para a arrecadação tributária. Os mesmos argumentos, contudo, foram usados com a reforma Trabalhista aprovada em julho de 2017, na época, o governo Michel Temer alegava que a flexibilização dos processos trabalhistas iria gerar mais confiança a investimento, portanto, geração de empregos. Na prática, o que se viu foi o aumento do desemprego e da precariedade. Mas, se porventura, a reforma Previdência for aprovada e entregar resultados satisfatórios para o crescimento econômico na lógica dos seus defensores, o seu efeito é de longo prazo. Portanto, os defensores da reforma da Previdência evitam enunciar o mecanismo para a reforma aquecer a economia no curto prazo. Geralmente, se limitam nas repetidas fábulas da maior confiança. 

Apesar da grande mídia apontar o regime de capitalização como sistema alternativo, se vier a ser implementada, substituirá a médio prazo, o regime de repartição, colocando em risco, assim, as aposentadorias/pensões atualmente vigentes devido à ausência de recursos para honrar os pagamentos.  Outro ponto a ser considerado desse regime de capitalização é o fato de que o aumento do fluxo de recursos que os bancos vão ter após a reforma, proveniente da previdência privada, não se pode automaticamente pensar que vai ser transmitido a investimentos no país. Ao observar o comportamento do sistema financeiro brasileiro, percebe-se que está, cada vez mais, voltado ao mercado financeiro através de transações em derivativos financeiros, participações de capital e em fundos de investimentos. A política de gestão patrimonial também evidencia que as carteiras de crédito, localizada no ativo patrimonial das instituições, têm cada vez menos peso quando comparadas as participações nos mercados especulativos financeiros. Portanto, não há como afirmar que com maior entrada de recursos, os bancos aumentarão sua oferta de crédito a negócios estratégicos no desenvolvimento do país. Pelo contrário, a gestão bancária está tomando rumos não convencionais, ligados à especulação financeira, para garantir lucros exorbitantes mesmo em tempo de baixo crescimento e recessão. Dessa forma, não há como garantir que o novo fluxo de dinheiro que entrará nos bancos após a reforma irá retornar a sociedade como crédito ao investimento e ao desenvolvimento nacional.

Há também um problema de instabilidade desse circo privado de previdência, pois, como foi visto, em 2008, no Chile, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), as Administradoras de Fundos de Pensão perderam 60% de todas as prestações acumuladas entre 1982 e 2008. Mais da metade do dinheiro economizado pelos trabalhadores chilenos foram perdidos. Outro grave problema é o fato de que muitos trabalhadores, vítimas de instabilidade laboral, não conseguiram poupar parte dos seus recursos e tornaram-se idosos sem renda para manter suas vidas. Assim, a reforma da Previdência chilena, considerada como “o caso de sucesso” para o Ministro da Economia, Paulo Guedes, teve tantos impactos sociais negativos que precisou de uma reformulação. Até os dias atuais, há vários protestos civis e a tendência é que volte ao modelo tradicional previdenciário. 

Portanto, o que se ver é uma possível festa do sistema bancário brasileiro frente à eminente reforma do sistema previdenciário. Atualmente, o sistema previdenciário privado chileno arrecada cerca de 75% do seu PIB anual, resultando cerca de US$ 212 bilhões, esse número deverá ser mais exorbitante no Brasil devido a sua estrutura econômica. Assim, podemos concluir que esta reforma beneficia um setor em transformação e com cada vez mais poder na economia brasileira, os bancos, em detrimento do interesse da maioria da população brasileira, ora através da acrescida insegurança financeira durante a velhice, ora no provável desvio de recursos para atividades não produtivas.

*Thiago Bartolomeu é pesquisador do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Graduando em Economia pela Faculdade de Economia da Ufba.  

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