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Cortes ou Contingenciamentos, Eis a Questão

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Bnews - Divulgação

Publicado em 26/06/2019, às 18h48   Pedro Medrado*


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O Governo Bolsonaro, mais especificamente o ministro da educação Abraham Weintraub, anunciou no final do mês de abril para a imprensa que iria cortar verbas de universidades que não estivessem apresentando desempenho acadêmico esperado e também que, ao mesmo tempo, andassem promovendo “balburdia” em seus respectivos câmpus. Segundo o ministro já existiam três universidades que se enquadravam nesse critério: a Universidade Federal da Bahia (UFBA), a Universidade de Brasília (UNB) e a Universidade Federal Fluminense (UFF). A decisão de congelar os recursos de apenas três instituições, sendo justamente essas universidades importantes polos de resistência contra o atual governo de Jair Bolsonaro, deixava em evidência que era uma decisão estritamente política e ia diretamente contra a constituição brasileira, que assegura a liberdade de construção e propagação do pensamento nas instituições de ensino do país. Após sofrer críticas, tanto do congresso quanto da sociedade civil, o governo emitiu uma nota onde divulgou que toda a pasta do Ministério da Educação sofreria com o contingenciamento dos recursos.

Nesse cenário, começou a surgir um debate em torno dos conceitos de contingenciamento e de cortes. Nesse sentido, é importante termos clareza desses dois conceitos e medidas. O contingenciamento é um mecanismo utilizado pelo poder executivo para congelar os recursos destinados a um determinado setor do orçamento, sendo que, esses recursos podem voltar a ficar disponíveis para a sua utilização pelos órgãos afetados segundo algum critério utilizado pelo governo. Segundo o Governo Bolsonaro, os recursos congelados voltarão a ser disponíveis caso exista um aumento de arrecadação de impostos durante esse ano. O problema é que de acordo com os indicadores, a diminuição do consumo juntamente com as diminuições das projeções do PIB para 2019 indicam que o estado não terá aumento da arrecadação de impostos, isto é, os recursos congelados do MEC não ficarão disponíveis para serem utilizados, ou seja, os recursos congelados virarão de fato um corte.

O congelamento dos recursos não incide sobre a totalidade dos gastos do Ministério da Educação, isso porque, por lei, não se pode congelar ou cortar gastos das despesas obrigatórias - que se constituem dos salários dos professores e servidores públicos. Portanto, o congelamento incide totalmente em cima dos gastos discricionários que são oriundos das despesas de custeio das instituições – pagamento de contas de água e energia, serviços de limpeza e de vigilância, terceirizados e investimentos na infraestrutura das universidades, por exemplo.

Segundo a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior no Brasil (ANDIFES), o total dos recursos que foram congelados correspondem a R$ 5,7 bilhões do orçamento dedicado ao Ministério da Educação. Deste valor, 39,68% do contingenciamento foi destinado para a educação básica, 34,54% para os institutos federais, 25,38% para as universidades, 20,9% para o CAPES e 12,8% para os hospitais universitários.

Essa informação é muito relevante porque, apesar do discurso oficial do Governo Bolsonaro de priorização da educação básica em relação a educação superior, a pasta do Ministério da Educação que mais sofreu com o congelamento dos recursos foi justamente a educação básica, ou seja, o governo Bolsonaro mentiu sobre os cortes de gastos na educação -  prática comum na equipe do governo atual. O papel do custeio das escolas básicas do país não é do Governo Federal, mas sim dos estados e municípios.  Segundo a Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o Governo Federal tem o papel de colaborar e coordenar as bases de ensino e também realizar alguns investimentos estruturais nessas instituições. O poder executivo federal passou a ter maior participação nos investimentos das instituições básicas a partir de 2008, onde o investimento quase dobrou de R$ 3,67 bilhões em 2007 para R$ 6,61 bilhões em 2008, e seguiu tendo aumentos reais até o ano de 2012, mas a partir de 2012 começou a haver diminuição real dos investimentos até o ano presente.

 Já as universidades federais tiveram crescimento anual dos seus valores do orçamento destinados às despesas discricionárias em R$ 1,13 bilhão em 2004 para R$ 13,83 bilhões no ano de 2015. Entretanto, a partir de 2015, os constantes cortes corroboraram para uma diminuição anual que segue até o ano de 2019. Como funcionamento das universidades e escolas técnicas públicas dependem totalmente dos recursos oriundos do Governo Federal, o corte e o congelamento dos gastos prejudicam diretamente o funcionamento destas instituições. A Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), por exemplo, que sofreu um contingenciamento de 54%, revelou recentemente em nota pública que dada a continuidade dos congelamentos será difícil manter a continuidade das obras em seus campos. Isso é preocupante porque caso as obras sejam paralisadas, gerarão mais despesas para a universidade em decorrência das multas para com as empresas de construção, além de prejudicar o planejamento pedagógico da instituição. O Instituto Federal da Bahia (IFBA) também teve boa parte de seus gastos de custeio congelados, 38%, e anunciou que dado a continuidade do congelamento terá seu campus em Camaçari fechado a partir do mês de julho de 2019.

A partir dos dados apresentados neste artigo é importante se perguntar, qual o papel do governo na manutenção do ensino público do país? De acordo com a constituição, ele tem obrigação de assegurar que as instituições de ensino estejam recebendo recursos suficientes para sua manutenção e seu bom funcionamento. É, portanto, imprescindível, apesar de improvável, que o atual governo dê as condições necessárias para o bom funcionamento destas instituições. Caso isso não aconteça, as principais instituições do país responsáveis pela pesquisa correm sérios riscos de ficaram paradas, comprometendo o processo de desenvolvimento do Brasil. 

Pedro Medrado - é pesquisador do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Graduando em Economia pela Faculdade de Economia da UFBA

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