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A taxa de crescimento do PIB encolheu, mas não é só isso

Imagem A taxa de crescimento do PIB encolheu, mas não é só isso
Bnews - Divulgação

Publicado em 03/07/2019, às 07h13   Ludmila Giuli Pedroso*


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No dia 30 de maio de 2019, foi divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) o resultado da taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro referente ao primeiro trimestre de 2019. Em comparação ao último trimestre de 2018, o PIB teve uma queda de 0,2%, somando todos os bens e serviços produzidos a cifra foi de R$ 1,714 trilhão de reais. Fato que foi suficiente para frustrar muitas projeções e que acabaram sendo revistas para crescimento ao longo do ano.

O PIB pode ser analisado por duas óticas, uma se refere a demanda e outra sobre a oferta. Pela ótica da demanda, constitui consumo das famílias, do governo, investimento e o saldo de exportações menos importações de bens e serviços. O consumo das famílias é de cerca de 65,0% do PIB e teve um desempenho positivo de 0,3% em relação ao trimestre anterior ou apenas 1,3% em relação ao mesmo período do ano anterior. O que significa uma redução de 13,3% em relação ao mesmo período de 2018 e queda de 40% com relação ao último trimestre de 2018. Resultado preocupante, tendo em vista o crescente número de desempregados no país - 13 milhões de pessoas até o 1º trimestre de 2019 - e que também ressalta outro fator de queda no resultado PIB, que são os investimentos.

Os investimentos, aqui referido, se trata a capacidade de empresários investirem em fatores para produzir, e obviamente, gerar emprego. No entanto, o resultado do PIB aponta em mais uma retração de 1,7% em relação ao trimestre anterior e sua participação na composição do produto nacional tem cada vez mais encolhido desde 2014. Revelando que durante a segunda metade do Governo Dilma (2015-2016), a instabilidade governamental foi marcada por contestação dos resultados das eleições, protestos da classe média, instrumentalização da Operação Lava Jato, inflados pela mídia, adesão desesperada à austeridade fiscal – coordenada pela convocação de Joaquim Levy para comandar a política econômica – após as políticas anticíclicas não surtirem os efeitos esperados, pautas bombas no Congresso acabaram por comprometer a capacidade de investimento. Além de que, o saldo entre exportações e importações pouco tem animado a economia, após apresentar as exportações de bens e serviços que tiveram forte recuo (-1,9%), refletindo a desaceleração mundial e regional. Somado ao fato que queda dos embarques de minério de ferro e também pela queda de exportações de grãos, que não conseguiu repetir os recordes de safras de 2018.

Com relação às práticas de austeridade fiscal nos gastos governamentais, se observa que o intuito é de estimular a confiança do mercado na sua capacidade de arcar com os pagamentos decorrentes da dívida pública. Quando observado impacto dessa política contracionista sobre a demanda agregada, pode-se verificar como ela dificulta a redução dos níveis de desemprego e capacidade ociosa – já que desestimulam o investimento e o consumo privado.

Pela ótica da oferta, que é composta pelos setores de agropecuária, indústria e serviços, o resultado mensurado do PIB trimestral demonstra o quanto é agravada pelos recuos na indústria (-0,7%) e na agropecuária (-0,5%). O que mais afetou o setor industrial foi a tragédia de Brumadinho (MG), responsável pela retração de 6,3% na indústria extrativa e que deixou em alerta outras áreas de mineração do setor. E, como consequência do fraco desempenho do setor industrial – como de transformação (-0,5%) e de construção (-2,0%) – também contribuiu para uma taxa de crescimento tímida de 0,2% no setor de serviços. Portanto, mesmo com fatores localizados que afetam o desempenho, há um cenário que reflete o resultado do acúmulo da falta de demanda agregada com os problemas estruturais que há muito tempo são obstáculos para a competitividade do produto nacional.

Logo, essa queda de 0,2% no PIB do primeiro trimestre evidenciou que se corre o risco de fechar a década com o crescimento médio anual de 0,9%. Além de direcionar qual é a essência da política econômica do governo Bolsonaro, que consiste em aguardar que o mercado estimule o crescimento do país enquanto restringe cada vez mais o já fragilizado teto dos gastos do Orçamento e pressiona para a aprovação da reforma da previdência. Fica claro o objetivo de elevar cada vez mais os ganhos do mercado financeiro e não a distribuição de renda com a população.

Nesse aspecto, alguns economistas apontam que a economia brasileira está em uma fronteira tênue a um cenário de recessão econômica. O motivo fundamental para a retração do PIB é a contração dos itens de demanda. O consumo das famílias continua desacelerando de trimestre a trimestre, sob o peso do elevado desemprego, a desaceleração do crédito e a elevação dos spreads bancários (a despeito da queda da taxa de inadimplência). Mesmo com uma tentativa de aquecer o consumo com a liberação de cotas de FGTS e crédito para consumo, não tem surtido o efeito esperado. A demanda interna foi prejudicada pelo reforço da austeridade fiscal em conforme divulgado pelo atual governo. Embora a promessa de novos cortes estimule a confiança empresarial, seu impacto sobre a demanda agregada dificulta a redução dos altos níveis de capacidade ociosa e desemprego que limitam o investimento e o consumo privado.

Com a eleição do presidente Jair Bolsonaro - mesmo sem uma estratégia clara sobre segmentos essenciais para destravar a economia –, a confiança empresarial foi bem mais otimista às propostas de radicalizar os cortes nos gastos públicos e benefícios previdenciários. Mas como apresentado no último PIB, com uma demanda cada vez mais enfraquecida e com uma série de fatores que contribuem para uma incerteza política com várias trocas de ministros e escândalos políticos, o investimento só pode retrair e piorar o cenário de desemprego.

Com a promessa de austeridade fiscal, decretos de liberalização do porte de armas e reforma previdenciária, apenas reforça que até então o foco das políticas públicas nada tem a ver com a grande massa da população. Claro, que o impacto de reformas estruturais pode trazer um impulso favorável, porém é a curto prazo. Isso porque o impacto de reformas sobre a confiança privada tende a ser limitado, principalmente no curto prazo. E em um ambiente que o ceticismo ganha espaço, os agentes econômicos aguardam para ver se realmente as reformas anunciadas serão implementadas e sustentadas ao longo do tempo.

Contudo, não basta para um efeito sobre a demanda. Deve compensar os efeitos recessivos que estão associados às reformas. Considerando que reformas fiscais estruturais tem um componente contracionista – por incluírem cortes nos gastos públicos -, com o aumento da confiança privada pode haver uma indução de entrada de capitais, apreciação cambial que pode afetar as exportações líquidas e, consequentemente, sobre a demanda agregada.

Logo, os empresários investem se percebem que há demanda para seus produtos e serviços, não o fazem baseado na percepção de que as contas do governo estão “em ordem”. E os dados divulgados pelo IBGE mostram que a situação no mercado de trabalho é grave e o crescimento de ocupações sem contribuição à previdência não é uma boa notícia. Neste cenário, esta reforma indica que vai afastar ainda mais os trabalhadores com salários mais baixos e mais afetados pela informalidade da previdência pública por não conseguirem cumprir os aumentos de exigência de tempo de contribuição. Por outro lado, a elevada informalidade reduz a receita da previdência. Talvez por isso, a “cartada” de reforma previdenciária – a mesma utilizada com a reforma trabalhista – já esteja perdendo seu efeito de estimular o crescimento econômico do país.

O que pode levar a questionar é que, se o efeito das reformas é duvidoso ou pequeno, como se pode estimular o crescimento? Ao invés de focar na reforma da previdência, como a solução para todos os problemas da sociedade brasileira, por que não voltar a falar em propostas para gerar empregos de qualidade no país e, por essa via ampliar, as contribuições ao sistema? Ao que parece, do ponto de vista de trabalhadores, estimular a recuperação econômica em uma reforma que dificulta o acesso à benefícios dos mais pobres e reduz o valor de aposentadorias não indica ser uma solução lógica para retomada do crescimento. Uma vez que a renda dos aposentados garante uma contribuição substancial na composição da renda das famílias, especialmente em períodos de crise econômica e elevado desemprego.

O mercado de trabalho poderá ser pressionado por um número cada vez maior de pessoas tentando garantir subsistência em ocupações precárias e aprofundar a crise. O alerta sobre uma possível recessão econômica no Brasil já foi sinalizado com o resultado do PIB do primeiro trimestre deste ano. Resta saber se os policy makers encaram que a retração do PIB não é apenas decorrente de choques adversos na economia nos últimos anos, mas a real necessidade que a direção que estão trilhando não é o ponto necessário no momento para a retomada do crescimento.

*Ludmila Giuli Pedroso – pesquisadora do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Ufba. Doutoranda em Economia pela Universidade Federal da Bahia. Mestre em Economia aplicada pela Universidade Federal de Alagoas 

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