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A Nova Revolução Industrial e a destruição das universidades no Brasil

Imagem A Nova Revolução Industrial e a destruição das universidades no Brasil
Bnews - Divulgação

Publicado em 06/07/2019, às 18h02   Penildon Silva Filho*


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A realidade do mundo do trabalho nos dias atuais é muito distinta de momentos anteriores e cada vez as mudanças na estrutura de classes e nos processos produtivos se aceleram, numa realidade pluriclassista, diversa socialmente, com desindustrialização, aumento do setor de serviços e centralidade no desenvolvimento científico e tecnológico para o desenvolvimento econômico e social. Essas mudanças no mundo do trabalho exigem novas formas de organização social e mobilização dos setores sociais afetados por essas mudanças, para que o avanço tecnológico possa servir à população como um todo e não alavancar a exclusão social e as crises econômicas. E as Universidade e a natureza de sua formação são cada vez mais imprescindíveis.

Há mudanças advindas da automação industrial, e do profundo processo de segmentação da produção, terceirização e precarização do trabalho característicos da fase Toyotista do Capitalismo, uma fase dispersa na produção e integrada nas comunicações e na circulação de riqueza, mudanças que impedem a identidade da classe trabalhadora por local de trabalho e impõe novas formas de mobilização para garantir direitos. 

A fase seguinte do Capitalismo, a “Revolução Industrial 4.0”, com a inserção da Inteligência Artificial, aprofundará essa realidade do “Toyotismo”, que já é fragmentada e dispersa, sem os laços de solidariedade por local de trabalho da época do fordismo-taylorismo, em que havia operários em profusão em locais concentrados de produção e relações de trabalho mais estáveis e formais, ao mesmo tempo em que há uma dispensa dos trabalhadores de seus postos de trabalho.

O Toyotismo e a Revolução 4.0 significam a precarização exponenciada das relações de trabalho, a diminuição dos direitos sociais a quase nada, dentro de uma ideologia neoliberal que leva os trabalhadores a acreditar que o seu sucesso se deve ao seu mérito, à sua tenacidade, ao seu “empreendedorismo” e criatividade, quando na verdade sua condição de vida é determinada por forças muito maiores no campo da Economia e da Política. 

Essa realidade exige uma nova forma de fazer movimento social, não mais corporativa. Deve-se envolver os trabalhadores terceirizados, os desempregados, os do setor de serviço, as organizações por local de moradia junto com os movimentos sindicais, com a mobilizações dos trabalhadores autônomos, dos caminhoneiros, os empregados domésticos, os movimentos indígenas, quilombolas e os movimentos de jovens que são os principais desempregados nesse “admirável mundo novo”, a partir de pautas mais gerais de cidadania e direitos sociais a serem conquistados do Estado e das empresas.

A disputa não será somente nem principalmente por aumento salarial, mas por direitos sociais garantidos pelo Estado numa sociedade em que o desemprego, o subemprego e a precarização são a regra. Isso abre a discussão sobre a renda mínima universal, a Sociedade do Conhecimento, a transição ecológica, a Economia Criativa e a centralidade da luta social hoje em torno dos direitos sociais e pelos recursos do(s) Estado(s) para as maiorias sociais, além da luta clássica pela ampliação de salários e diminuição da mais-valia.

O capitalismo mundial hoje concentra cada vez mais a renda em escala global. Depois de um período que começa com o fim da Segunda Guerra Mundial e vai até a queda do Muro de Berlin, quando a concentração se manteve e até diminuiu, segundo dados do Banco Mundial, a emergência do neoliberalismo ao lado do desaparecimento do União Soviética na década de 1990 liberaram as forças produtivas do Capitalismo para intensificar a exploração da mais-valia, a fazer uso intensivo de tecnologia para dispensar a mão-de–obra e a destruir os pilares do Estado do Bem Estar Social onde ele conseguiu ser implantado, especialmente na Europa Ocidental. No caso do Brasil e da América Latina, o início do século XXI assistiu ao lançamento das bases para um Estado do Bem Estar Social, infelizmente interrompido pelos golpes e avanços de forças ultradireitistas. 

A fase do Capitalismo do Toyotismo e agora da Revolução 4.0 nessa fase pós-queda do Muro de Berlin criaram a desnecessidade do ser humano no processo produtivo, aprofundando uma tendência do Capitalismo que Marx já identificava no século XIX. Essa tendência gerará exclusão, desemprego, miséria, e a situação em que a maior parte das pessoas não terá inserção nesse mundo produtivo, tentando sobreviver no setor de serviços, de forma precarizada, quando conseguir. 

Uma alternativa para reverter essa situação é pela renda mínima universal, que no Brasil sempre foi bem defendida pelo senador Eduardo Suplicy, mas está presente em várias experiências do mundo, com defensores dentre os empresários donos das maiores empresas de tecnologia (veja aqui). Recentemente, os empresários da tecnologia da revolução 4.0 começaram a defender essa ideia justamente por perceber que as inovações tecnológicas excluirão a maioria da população dos empregos atuais. Para exemplificar, se hoje temos a precarização de trabalhadores (inclusive de nível superior) trabalhando no UBER, que não tem carteira assinada, previdência ou qualquer segurança (exemplo do Toyotismo na Sociedade), em breve os carros dessa empresa de tecnologia não precisarão mais de motoristas, pois esses veículos serão automatizados com inteligência artificial (revolução 4.0). Da mesma forma, várias cidades já não têm mais guardadores de carros, pois esse serviço está automatizado, excluindo pessoas que antes estavam numa relação precarizada e sem qualquer segurança trabalhista.

A renda mínima universal é um recurso que deve ser pago a todo e qualquer cidadão independentemente de estar trabalhando, de ter renda ou segurança social, com o argumento de que todos precisam de um mínimo para sobreviver. Caso alguém ganhe uma renda maior, ele pagará imposto sobre essa renda e assim compensará a renda básica recebida. O conceito é importante para os empresários da tecnologia pois eles entendem que as pessoas devem ter o mínimo para sobreviver e consumir, caso contrário, o sistema econômico entrará em colapso. 

Por outro lado, a renda mínima básica deve permitir que os indivíduos possam buscar uma recolocação, e os dados oficiais da Bolsa Família no Brasil (um tipo de renda mínima com condicionalidades) indicam que 75% deles tinham trabalho regular, o que desmonta o discurso preconceituoso de que um programa de renda mínima desestimula as pessoas a buscar um crescimento pessoal e profissional. 

Essa “recolocação” abre espaço para a realização de uma utopia, de permitir que as pessoas possam se dedicar a trabalhos mais humanizados, que não as embruteçam (até porque as máquinas fazem o trabalho mais pesado hoje em dia), trabalhos mais intelectualizados, abrindo caminho para a Educação por toda a vida e para a Educação Superior para todos. Essa situação permite se pensar a intensificação do que hoje se considera a Economia Criativa. Não podemos deixar de identificar que os setores que mais crescem hoje em dia estão ligados à Educação, à Cultura e à Indústria Cultural, à Saúde, ao Turismo, à conservação ambiental, à pesquisa científica, consideradas exemplos da Economia Criativa.

Podemos estar diante de uma divisão de caminhos que o avanço tecnológico nos propicia. De um lado podemos ter o caminho da exclusão e da infelicidade provocada pela vertente capitalista de maximizar o lucro e diminuir a intervenção do Estado e das Políticas Públicas com o uso das novas tecnologias para os interesses privados. De outro lado e de maneira alternativa, podemos ter a criação de uma nova Economia baseada no Conhecimento, na Cultura, na criatividade, na conservação ambiental, energias renováveis, agricultura sustentável e ecológica e em vários outros setores emergentes, incluindo as pessoas com a renda mínima e a Educação por toda a vida.

Nessa segunda opção a Sociedade deve ser forte o suficiente para controlar o Estado e garantir que o mesmo tenha condições de implementar uma mudança societária nesse sentido. Os instrumentos já existem: reforma tributária progressiva sobre os mais ricos e sobre atividades ligadas ao rentismo, taxa Tobin (tributação internacional sobre movimentações financeiras), controle de fluxos financeiros mundiais, investimento no mercado de consumo de massas nos diversos países, respeitando a sustentabilidade ambiental.

Nessa perspectiva, a Educação por toda a vida e a Educação Superior para todos se tornam essenciais, com a Ciência e Tecnologia na centralidade do processo produtivo. Os trabalhos técnicos mais básicos, os trabalhos braçais e repetitivos tornam-se automatizados e o espaço do mundo do trabalho se desloca cada vez mais para o trabalho crítico, criativo, intelectualizado, com o trabalhador cada vez mais escolarizado e capaz de interpretar, criar e aprender permanentemente. Assim, as Universidades são cada vez mais essenciais para a sobrevivência econômica e a inclusão social e cultural na Sociedade, e não mais a formação técnica voltada para trabalhos que exigem baixa escolaridade, pois estes estão em fase de extinção ou redução acentuada. As Universidades já eram e tornam-se cada vez mais patrimônio das sociedades que querem construir uma sociabilidade fora da barbárie da fome, da exclusão, do atraso econômico e do obscurantismo cultural.

Infelizmente assistimos hoje a um ataque às universidades no Brasil, com cortes sistemáticos de recursos e tentativas de restrição e diminuição das Humanidades e do trabalho de pesquisadores. Estes são cada vez mais desprestigiados e acusados de incompetência por meio de “fakenews”, numa inversão do que deveria ser a prioridade de uma Sociedade que almejaria desenvolvimento, social, econômico, cultural, moral. Precisamos defender esse patrimônio universitário, cultivá-lo e ampliá-lo, e não atacá-lo e persegui-lo.

*Penildon Silva Filho é professor da UFBA e doutor em Educação

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