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PED PT: “Não se deve fazer política para ‘garrafinhas’, critica Ernesto Marques

Imagem PED PT: “Não se deve fazer política para ‘garrafinhas’, critica Ernesto Marques
Dando continuidade a série de entrevistas aos candidatos à presidência do PT Bahia, no Processo de Eleição Direta (PED) no dia 10 de novembro, o jornalista, radialista e vice-presidente da Associação Baiana de Imprensa, Ernesto Marques, conta porque a ideia do “chapão”, proposta por grande parte dos agrupamentos do partido, naufragou. Para o petista, a unanimidade dilui conteúdo e  |   Bnews - Divulgação

Publicado em 28/09/2013, às 00h00   Juliana Nobre (Twitter: @julianafrnobre)



Dando continuidade a série de entrevistas aos candidatos à presidência do PT Bahia, no Processo de Eleição Direta (PED) no dia 10 de novembro, o jornalista, radialista e vice-presidente da Associação Baiana de Imprensa, Ernesto Marques, conta porque a ideia do “chapão”, proposta por grande parte dos agrupamentos do partido, naufragou. Para o petista, a unanimidade dilui conteúdo e desqualifica o debate democrático. Ele garante que o fato de não receber apoio da maioria não o incomoda, mas fortalece a relação com os movimentos sociais, deixados de lado nas últimas gestões. Marques faz uma análise das candidaturas ao PED em Salvador e garante que não esta não é apenas uma briga dos interesses ou das pretensões pessoais dos candidatos, mas que o que está em disputa é uma visão da política a ser implantada no partido. Ainda revela que muitas surpresas podem surgir até a definição do candidato petista ao governo do estado, dentre elas um novo nome poder se fortalecer.

Dando continuidade a série de entrevistas aos candidatos à presidência do PT Bahia, no Processo de Eleição Direta (PED) no dia 10 de novembro, o jornalista, radialista e vice-presidente da Associação Baiana de Imprensa, Ernesto Marques, conta porque a ideia do “chapão”, proposta por grande parte dos agrupamentos do partido, naufragou. Para o petista, a unanimidade dilui conteúdo e desqualifica o debate democrático. 

Ele garante que o fato de não receber apoio da maioria não o incomoda, mas fortalece a relação com os movimentos sociais, deixados de lado nas últimas gestões. 

Marques faz uma análise das candidaturas ao PED em Salvador e garante que não esta não é apenas uma briga dos interesses ou das pretensões pessoais dos candidatos, mas que o que está em disputa é uma visão da política a ser implantada no partido. Ainda revela que muitas surpresas podem surgir até a definição do candidato petista ao governo do estado, dentre elas um novo nome poder se fortalecer.

Confira essas e outras críticas do jornalista ao atual processo de gestão do partido.


Bocão News – Por que você resolveu na última hora se candidatar?
Ernesto Marques – A definição do candidato talvez tenha sido de última hora, mas essa candidatura já vinha sendo discutida dentro da nossa tendência, que é o Movimento PT, e do campo PT Mais Forte. Conformamos no começo do ano, juntamente com outras tendências do partido e de grupos independentes para tratar do PED e da sucessão de 2014. No decorrer do processo, algumas dessas forças deixaram o campo e as que permaneceram decidiram formar uma chapa própria, tendo uma candidatura própria e entre alguns nomes apresentados o meu foi lançado por não estar exercendo nenhum mandato e assim tendo condição de me dedicar integralmente. Uma vez eleito me dedicar integralmente à direção do partido.

BNews – Por que você acha que a ideia de “chapão” naufragou?
EM – Eu concordo com a opinião do atual presidente nacional do PT, Rui Falcão, que teve exposto a uma possibilidade semelhante. No lançamento da campanha da nossa chapa, Partido para Todos na Luta, em Brasília, o Rui Falcão disse algo que eu achei bastante lúcido. O “chapão” é uma coisa que dilui conteúdo e desqualifica o debate e ele não entende isso como um caminho. Ele acreditava mais na aposta que a gente fez que é a diversidade, no debate interno como uma coisa necessária que mantém o partido vivo e pulsante. Ele também não gosta de ser tido como o candidato de Lula porque acha que é uma condição deselegante com os outros candidatos que são tão importantes quanto para o partido. Essa idéia eu concordo. No caso específico daqui, não há da nossa parte nenhuma rejeição em ter uma candidatura e uma chapa única, desde que isso fosse resultado de um processo amplo de discussão interna com o conjunto da militância e até convencê-los que deveria ter nesse momento uma candidatura apenas. Nós não nos convencemos disso e a militância também não. O método não era da agregação política e mais de imposição de uma força muito grande que se organizou para submeter os agrupamentos com menor tamanho. Como nós acreditamos muito mais na organização de base, nós fizemos essa aposta.

BNews – Everaldo declara que é apoiado pelos quatro pré-candidatos ao governo do estado, 13 dos 14 deputados estaduais. Não receber apoio de nenhum deles gera algum incomodo para você? Como você vem trabalhando essa questão?
EM – De jeito nenhum. Pelo contrário, termina até ajudando o nosso argumento, o nosso discurso. A primeira coisa que eu acho interessante é que o candidato esquece de elencar o apoio muito importante que ele tem do presidente do partido [Jonas Paulo]. Ele lista os deputados que o apoia, mas esquece do presidente. Eu fico me perguntando por que alguém esqueceria disso, até como forma de agradecimento de registrar que tem o apoio do atual presidente. Ele é um candidato da situação e não há como fugir. Se tivesse qualquer constrangimento de representar o partido tomaria outra escolha política. Eu gosto muito da ideia de ser apoiado por Maria do Movimento dos Sem Terra de Salvador, por seu Adalberto que é uma liderança de pescadores de Nova Viçosa, por Rubão, por Pedro Guevara, pela turma de Adustina. Enfim, por um conjunto de militantes, de lideranças de base do partido que estão sentindo na pele os efeitos mais prejudiciais dessa forma de dirigir o PT e que querem mudança. Infelizmente a organização do partido deixou de ser prioridade para a maioria dos nossos parlamentares. Para a maioria deles a renovação do mandato é a coisa mais importante. Não estou fazendo nenhuma avaliação negativa do desempenho parlamentar. Mas o vínculo com o partido e o compromisso com a construção dele ficou para trás. O fato de ter esta ostentação do número de deputados que o apoia traduz com muito mais contundência do que a minha fala a opção dele pela burocracia, pela institucionalização e a super valorização dos mandatos em detrimento do partido e da construção partidária. Nós fazemos a opção diversa. Tenho muito orgulho de ter o apoio do deputado estadual Marcelino Galo e agora do deputado federal Nelson Pelegrino. A gente entende que soma muito mais pelo que Pelegrino traz, com sua historia pessoal e a sua liderança sobre a Esquerda Democrática e Popular (EDP) que tem também essa característica de relação muito forte com os movimentos sociais. E se alguém estava duvidando que a nossa candidatura tivesse viabilidade eleitoral, agora é cada vez mais visível e palpável. Mas nós só vamos ver isso no dia da eleição. Essa coisa de ficar cantando de galo e dando números antes é um grave equívoco. Até porque não tem como fazer pesquisa de opinião e tratar militante do PT como “garrafinha”. É uma atitude desrespeitosa com a militância que conseguiu o seu lugar na história do Brasil, por ter saído de um partido pequeno, com operários, intelectuais e virar o maior partido de esquerda do ocidente e um dos maiores do mundo e que levou ao Brasil a maior transformação da realidade social desse país em um período tão curto.

BNews – Falando em Pelegrino. A gente percebe uma tensão em torno das candidaturas ao PT de Salvador. Como você avalia as articulações do deputado federal Nelson Pelegrino, do senador Walter Pinheiro, de Rui Costa?
EM – Tudo o que está acontecendo é um processo natural e que guarda coerência com o ritmo traçado pelo regulamento do PED. Primeiro temos as inscrições das chapas estaduais e depois das municipais. Na primeira arrumação das chapas estaduais já desenhou um pouco a situação que nós estamos vivendo hoje. Estamos chegando nos últimos dias que o regimento permite fazer ajustes na composição das chapas, e é natural que haja nos bastidores esse tipo de tensão, estica-e-puxa para ver a partir dessa consolidação do quadro como é que cada agrupamento se apresenta para o conjunto da militância. Eu não vejo nada de anormal e acho que é um erro reduzir o processo a um duelo de titãs, como se fosse apenas os nossos militantes de maior projeção pública, os nossos parlamentares, ou que já foram candidatos a cargos majoritários ou pretensão em se candidatar em 2014 e 2016. Não é uma briga apenas dos interesses ou das pretensões pessoais desses companheiros que são absolutamente legitimas. Mas o que está em disputa é muito mais uma visão de qual é a política que nós queremos implementar no PT a partir de agora. Qual é o partido que o Brasil está reclamando e que nós devemos ser? Qual projeto nós temos para o PT e a partir daí o que nós queremos oferecer de opção para a sociedade baiana e brasileira? É isso que está em disputa. Reduzir essa disputa de método, de visão política a um mero confronto de interesses individuais é não querer que as pessoas enxerguem a floresta inteira, que é mais complexa e ampla do que a simples definição de candidaturas. A definição é muito importante para organizar e mobilizar a nossa militância. Excluir a militância desse processo de escolha de quem nos representa em uma eleição importante como vai ser a do ano que vem é um desserviço ao partido.

BNews – Dentre os desafios no próximo mandato, que vai até 2016, estão a organização do partido em territórios, formação política e reaproximar a militância. Como você pretende fazer isso?
EM – Não precisa inventar roda. Na verdade é uma receita que o partido conhece muito bem. Eu defendo a territorialização, mas não depende de você criar uma estrutura para organizar o partido em territórios, depende muito mais de decisão política e disposição para tirar a “bunda” da cadeira e botar o pé na estrada. É isso que o companheiro Lula está recomendando para a nova direção partidária a partir de novembro. É possível você ter uma organização mais eficiente com a estrutura que se tem hoje. O que precisa é a direção ser menos modorrenta e menos acomodada nos gabinetes, no conforto dos gabinetes e ir mais para a rua. Quando falam em reinventar o PT é uma grande bobagem. O partido é uma construção muito sólida feita por milhões de mãos. Tem muito sentimento e entrega de vidas nessa história. Chegamos ao governo pelo caminho da organização de base. De baixo para cima. Não é querer fazer primeiro o telhado para depois construir o alicerce. A gente tem uma base social, que uma boa dose refluiu, mas começa a se levantar. Ou empurrada pelo fenômeno das ruas na jornada de junho ou pelo processo agora. Eu tenho muita alegria em saber que gente que não ia participar do PED está participando, fazendo campanha, pedindo voto. As pessoas estão enxergando nessa candidatura uma esperança de resgatar um PT mais militante. Não tem saudosismo, nem ingenuidade, nem puritanismo. Tem muita consciência do que nós somos, do que a sociedade brasileira nos cobra neste momento e muita clareza nas respostas que precisamos dar. Tanto para a nossa militância quanto para a grande parcela do povo brasileiro que confia no PT e quer continuar acreditando e confiando. A receita é muito simples. Mantém os diretórios funcionando, iniba este processo de conversão de diretório municipal em comissão provisória porque isso é vergonhoso e não tem nada a ver com o PT. Precisamos compreender que as pessoas que constroem o partido na ponta precisam ter uma militância valorizada. Essa militância não pode ser entendida como “garrafinha”, ela precisa ser respeitada. E quando a esquerda esteve ameaçada em 2005, quando a direita pensou em propor o impeachment do presidente Lula, o que barrou o processo foi a potência da nossa militância. Eu sou a prova disso. Nós estamos aqui mostrando que o PT é um partido radicalmente democrático e pode se expressar e organizar uma opinião política.

BNews – Quais os maiores problemas dentro do PT hoje? E como você irá administrar isso?
EM – O problema central está na acomodação e burocratização. O partido tem que ter um pé no institucional, porque nós somos um partido político que se apresenta para disputar e vencer eleições, mas não apenas para isso. Burocratizar o partido foi um equívoco grave porque causou vários outros problemas que enfrentamos hoje. O distanciamento dos movimentos sociais deriva da supervalorização dos mandatos. A diminuição da importância política das tendências. Elas deixam de ter aquela vitalidade no aspecto ideológico, vão ficando flácidas e terminam se convertendo em “condomínios de mandatos” para na hora das convenções partidárias disputar quem pode e quem não pode ser candidato. Eu fui alijado da disputa por uma vaga na Câmara de Salvador no ano passado e outros cerca de 20 candidatos, militantes do PT que tem história de construção do partido.

BNews – E por que isso acontece?
EM – Por conta das escolhas políticas. Não foi pessoal, contra mim ou qualquer outra pessoa. Foi uma escolha política que entendemos como equivocada. Por conta desse processo de exagerada institucionalização do partido de congelamento das instâncias partidárias. Os diretórios se reúnem muito pouco. O candidato falou que essa gestão foi a que mais fez reuniões, só se foi a campeã de reuniões em hotéis 5 estrelas. Porque reunião regular, com pauta claramente definida antes, com todo o clímax que se criou com os setoriais do partido, dos núcleos de base, não. Se você tem uma regional funcionando como a do Recôncavo, pode até estimular que os diretórios municipais aproveitem o critério da territorialidade para se organizar e somar esforços. Eu até acho engraçado querer criar uma estrutura de territórios, porque é mudar o estatuto do PT e mudar o estatuto nacional tem que convencer a companheirada do país inteiro. Não precisa disso se você tem os núcleos de base funcionando, as regionais e o diretório estadual se reunindo. Agora se você coloca tudo dentro de um freezer e fica tudo petrificado e os diretórios se reúnem de “caju em caju”, em vésperas de convenções eleitorais, aí o partido vira um “cartório”. Deixa de ser um partido que organiza a população e a pauta dos trabalhadores para virar um cartório eleitoral e uma legenda como qualquer outra. Isso não tem nada a ver com a nossa cultura política.

BNews – De 2005 para cá o crescimento no número de militantes não foi tão significativo. Por que isso aconteceu?
EM – Eu acho que o crescimento foi expressivo. Agora cabe-se debater a qualidade desse aumento. Você pode trazer até uma pessoa que venha de um partido de direita. Esse não é em si o problema. Zilton Rocha, que veio do Arena, é um bom exemplo que a gente pode receber pessoas que não tenham vindo de nenhuma organização anterior, mas que precisa ter formação porque senão pode acontecer o que muito militantes do interior reclamam. A entrada de pessoas novas no partido sem qualquer compromisso com qualquer ideário e práticas do partido. Hoje nós temos 93 prefeitos filiados ao PT, mas eu só vejo um ou outro falando, por exemplo, de orçamento participativo, que é uma escolha de método de gestão. Ele funciona, organiza e politiza a população. Não tem nada a ver com partidarizar a população. O povo de Vitória da Conquista, que está no quinto mandato consecutivo de um petista, e mesmo que sejamos derrotados, eu duvido que a população aceite que outra administração acabe com o orçamento participativo lá, porque vê que funciona. Transparência na gestão, diálogo social, criando e mantendo espaços dignos de participação popular que não sejam um faz de conta. São marcas de uma administração petista que tem que ser valorizada e cobradas dos gestores petistas porque é a marca da nossa administração. Não é porque conseguimos êxitos fantásticos nesses 10 anos de governo petista que vamos achar que a população brasileira nos dará um cheque em branco a cada eleição. Tivemos muitos êxitos e ninguém pode tirar de nós. Temos que corrigir os erros e ter consciência do que fizemos. É fantástico ver as pessoas com TV nova, geladeira nova, mas precisamos ter escolas funcionando com qualidade, por exemplo. Se a gente deixa de olhar para isso confiando apenas no que fizemos nestes 10 anos vamos cometer um erro grave. Precisamos organizar a pauta cobrada, de saúde, de educação, de mobilidade, habitação. Cabe ao partido organizar essa pauta e apresentar para os governos. O governo petista não pode ter medo da organização popular porque essa é a nossa matriz. Deve desejar o diálogo. Sentar e negociar, como o governador Jaques Wagner sabe fazer. Ele é um negociador extremamente habilidoso e por esse caminho conseguiremos encontrar saídas. Não podemos ter uma disputa diferente quando estamos governando.


BNews – Mas porque o PT estando no poder nesses últimos 10 anos não conseguiu agregar mais pessoas, fazer essa interlocução com os movimentos sociais? 
EM – Acho que foi exatamente por conta das escolhas feitas. É um processo natural se a gente ganha a eleição tem que compor uma equipe de governo com os nossos quadros. Os sindicatos foram desfalcados, os quadros de dirigentes de movimentos sociais foram desfalcados e migraram para o governo. Houve uma falta de peças de reposição. Nós temos seguramente mais de uma década de arrefecimento da nossa política de formação, o que poderia suprir os quadros que subissem para a vida parlamentar ou para os cargos no executivo, porque a gente não pode deixar descobertas as organizações de base. A falta de formação é uma das implicações. Um partido quando chega ao governo é mais atraente, mas a gente tem que cuidar muito bem de que tipo de militância a gente quer dentro do partido. Queremos trazer para o PT pessoas que acreditam no nosso ideário e contribua para crescer, amadurecer e evoluir. O que não dá é para transfigurar o partido e abrir mão de valores que fazem as pessoas gostarem do PT. Tem um conjunto de valores e princípios que são reconhecidos pela sociedade brasileira. Não podemos perder essa identidade sob o risco de perder a preferência. Não fomos criados para ser o partido da ordem e para nos adaptar a essa estrutura e ao sistema politico-eleitoral sem ousar transformar esse sistema. É preciso fazer a reforma política, a agrária, a tributária, a do sistema de segurança pública, a regulação da mídia. Ou reformamos ou não conseguiremos executar o programa. O programa que tem como horizonte estratégico, como utopia, uma sociedade sem exploradores e explorados. A gente não conseguir chegar lá em 1, 2 ou 10 governos, mas a gente precisa ter uma visão de longo prazo e entender que cada momento da história requer dar alguns passos.

BNews – São 42 mil filiados aptos a votar nesse processo?
EM – O numero que eu vi, quando se tiram as comissões provisórias, é em torno de 38 a 40 mil. Porque tem duplicidades que precisam ser eliminadas. Nós corremos o risco de ter menos votos este ano do que na eleição passada. É uma possibilidade real que eu acho que tem a ver com os equívocos dessa gestão e que terminam desmotivando e desmobilizando a nossa militância.

BNews – É um numero bastante significativo e até maior que muitos colégios eleitorais no estado. O que se ouve é uma prática de cooptação de alguns agrupamentos, o que não condiz com as raízes do PT. Qual é a sua avaliação das práticas eleitorais nesse processo?
EM – O PED é em tese um processo extremamente democrático e cumpre uma tarefa importante, pois o partido todo se mobiliza durante alguns meses. Mas no momento em que se privilegia esse mecanismo e nesse processo de burocratização do partido e de quase abandono das atividades de formação política da nossa militância, vimos que o processo de tão bonito pela parte democrática e participativa, fica exposto a riscos. Uma parte da militância, apesar de não termos como avaliar, sabemos que não se tem compromisso com o partido. São pessoas que aceitam a filiação porque tem algum interesse direto ou por seguir a liderança de alguém. É importante, mas é ainda mais quando o militante que entra se dispõe a colocar um tijolinho nessa construção e esse tijolinho não é somente um voto, por isso é estranho quando se termina o prazo para se habilitar no processo e já começam a alardear projeções que não são prospecções eleitorais, são contagem de “garrafinhas”. Aí é que está o risco do PED e as pessoas querem fazer essa conta como se já soubessem pelo número de militantes quitados dentro do prazo quantos votos cada um tem. Eu não acredito nisso e tenho certeza que o nosso discurso está muito afinado, porque não é uma construção minha, ou da nossa tendência, ou da nossa chapa, é algo que a gente vem fazendo uma síntese do sentimento da militância petista. Eu tenho uma convicção muito forte que parte desses boletos, que o nosso adversário principal contabiliza para fazer essas projeções, não topa esse tipo de entendimento porque isso deprecia o militante. Militante não vai votar apenas porque tem um chefe que manda votar em fulano ou beltrano. Tenho convicção de que nós estamos ganhando cada vez mais votos da CNB, da DS, e de todas as tendências que tem uma militância esclarecida e politizada. Agora, se vira esse jogo de que quem tem unha maior sobe na parede aí de fato abre-se a possibilidade do processo também ser contaminado por vícios, como acontece nas eleições gerais no país. Não significa que a democracia não presta. Significa que é muito eficiente e o melhor caminho é o da democracia. Que seja, cada vez mais, o caminho para conseguir avançar.


BNews – E porque esse processo e as disputas internas do partido ficaram tão visíveis? O que existe além disso?
EM – Porque não é só uma escolha de pessoas. Quem está escolhendo votar em mim agora não está escolhendo só Ernesto, está votando em uma opinião política sobre o PT que é claramente expressada pela fala ou nos documentos que soltamos. Escolhemos um rumo para o PT. Qual o PT que a gente quer? O PT da institucionalidade, da burocracia? Ou um PT que está cotidianamente na zona rural e na cidade, enxergando, sentindo, se indignando, organizando? São essas duas possibilidades que estão colocadas. Essa é a situação nessa eleição. Um candidato da situação e quatro da oposição. Tem quatro candidaturas que se assemelham muito com o PT que a população brasileira sempre aprovou e tem uma que representa muito um PT que o povo brasileiro está dizendo: - “Foi legal, mas já deu. Muda para a gente continuar gostando do PT”. E com muita humildade estou muito convencido de que temos a melhor proposta. Conseguimos elaborar uma síntese política a partir da leitura da conjuntura que está se atravessando. Já percebemos o que teremos no ano que vem. Temos um desafio de reeleger a nossa presidente Dilma Rousseff e eleger bancadas parlamentares, não só numerosas, mas de melhor qualidade política. A eleição proporcional do ano que vem será muito dura. Vai fazer diferença quem tem mais farinha no saco e isso para nós é base social, é liderança de base fazendo as nossas campanhas e fazendo como a gente sempre fez, com muito sentimento e com emoção mesmo. Não estamos fazendo política como negócio. O que queremos apresentar para a sociedade é um partido que não tem dúvida em qualquer tipo de escolha. Essas contradições vão aflorar e é muito bacana quando uma disputa do PT é debatida aqui no Bocão News. Isso se tornou uma coisa tão importante para a sociedade que a sua disputa interna é de altíssimo interesse púbico. A gente não pode achar que faremos a transformação do governo se a estrutura do partido não acompanhar isso. Tenho certeza que no próximo PED a sua pergunta será diferente. Você vai perguntar por que cresceu tanto o número de filiados. Agora se o partido fica acomodado no seu gabinete, achando que apenas fazer um bom governo faz o partido crescer. Eu acho que pode fazer o partido inchar e nós precisamos de crescimento político. O que significa aumentar o número de filiados, mas junto a isso aumentar a nossa capacidade de intervenção na sociedade pelo caminho da organização.

BNews – Em um certo momento você fez uma crítica da aproximação do PT ao DEM de ACM Neto em Salvador. Você é contra essa conduta do partido?
EM – Uma coisa é a gente falar sobre política de alianças, e até hoje pagamos por um estigma que nos colocaram que tem a ver com os primeiros anos mais rebeldes, mais esquerdista do PT. No começo ficamos com a fama de sermos um partido que não queria fazer coligação com ninguém e que também não receberia o apoio de ninguém. Nos já superamos isso há muito tempo. Já admitimos que ninguém teria conseguido chegar ao poder sozinho, nem as revoluções armadas, nem as disputas democráticas. Todo mundo tem que se aliar. O governador Wagner ensina isso sempre. Ele repete isso como um mantra. Na política ganha mais quem agrega mais. Fazer alianças é fundamental. Agora elas têm que servirem para impulsionar o nosso projeto. E as que vão fazer isso são aquelas com as mesmas características do nosso partido. Os nossos aliados históricos, como o PCdoB e o PSB, que agora se afasta um pouco, o chamado campo progressista. Até se pode fazer alianças com partidos mais ao centro, é até razoável. Mas misturar água com óleo é um pouco complicado. No caso de Salvador, nós não podemos ter dúvidas de que a chegada de ACM Neto à prefeitura representa a reaglutinação de um campo que jamais será no passado, mas que traz esse acúmulo de uma força política, ideologicamente posicionada à direita com práticas políticas que tem a ver com as piores tradicões. Nós aqui da Bahia conhecemos muito bem. O que está governando Salvador hoje é essa concepção. Temos que ter, primeiro, respeito pela decisão do povo da cidade que nos colocou como oposição. Se o povo quisesse ver o PT no governo teria escolhido Nelson Pelegrino. Então, a nossa obrigação é fazer oposição muito firme e contundente. Isso não se confunde com uma relação institucional civilizada que é natural que aconteça entre governo do estado e prefeitura. O prefeito não sofrerá as agruras que a senadora Lídice da Mata sofreu quando foi prefeita. Então há uma diferença muito grande. Água e óleo não se misturam. E deixar essa coisa meio gelatinosa como foi no caso a postura do governo na gestão de João Henrique deu aquele resultado nas urnas no ano passado. A população de Salvador precisa entender que somos leais com a cidade, visceralmente comprometidos e apaixonados e que isso não se confunda com a relação administrativa que tem que acontecer entre os dois poderes. A relação precisa acontecer respeitosa, mas muito clara entre adversários. Nós somos adversários do partido Democrata.

BNews – E em relação à Câmara de Vereadores de Salvador. Você acha que a bancada de oposição está fazendo o papel dela?
EM – Tenta cumprir. Em alguns momentos com muito acerto e em outros com muita tibieza. A nossa bancada ainda não encontrou o rumo da sua atuação. Titubeou na discussão sobre a reforma tributária no primeiro semestre e, lamentavelmente, pisou na bola na votação do IPTU que vai aumentar expressivamente, e teve o voto de cinco vereadores filiados ao PT. Em provocação eu digo que nós não temos uma bancada. Nós temos sete vereadores filiados ao partido. Bancada nós tínhamos quando apenas três vereadores petistas, Zilton, Zezéu e Pinheiro, que tinham uma exata noção que mandato serve para construir um partido, se juntavam e cada um tirava um pouquinho da sua verba de gabinete para constituir uma assessoria coletiva, pois não existia na estrutura formal da Câmara. Isso é bancada, que formula sobre a cidade, avalia tecnicamente as matérias, e, portanto produz política. Tomar posições pontualmente sem amadurecer a posição de bancada, respeitar decisão de bancada, seguir orientação do líder da bancada, dialogar com a executiva municipal e estadual do partido. Esses são preceitos elementares que infelizmente estão sendo deixados de lado, mas eu tenho muita convicção de que vamos eleger Edson Valadares e Marta Rodrigues para dirigir o PT em Salvador e que esses métodos serão revistos. Se não pela escolha dos vereadores , mas seguramente pela expressão desse desejo por parte da militância a partir desse processo de revigoração que Edson e Marta irão, com certeza, implementar no PT de Salvador.

BNews – Então, para terminar faça um balanço desse processo com o governo Jaques Wagner e as manifestações populares.
EM – Nós dissemos desde o principio que o debate é necessário. Estamos sendo questionados pela sociedade. Há uma diferença enorme entre o que acontece aqui e na Europa. Na Espanha, por exemplo, a taxa de desemprego passa de 50% e aqui a gente ainda vive os mais baixos índices de desemprego da história do país. Isso é fantástico. Lá as pessoas estão indo para as ruas para evitar a perda de direitos, aqui estamos indo para as ruas para expandir os nossos direitos. Isso é lindo. É claro que isso é legado do governo petista. Mas se a gente achar que as ruas se preencheram por uma orquestração da direita ou que tem um golpe midiático – o que há de fato –, mas objetivamente, nós estamos vivendo um momento extremamente rico neste país exatamente por conta dessa sacudida que o país levou. É preciso trazer essas reflexões para o processo do PED porque é isso que nos ajuda a ter clareza de rumo. E saber qual é o partido que nós queremos oferecer para a população e o que a sociedade está esperando de nós. Teve gente muito apressada dizendo que era uma opinião contra o PT.

BNews – Você acha que isso desgastou um pouco a imagem do partido?
EM – Desgastou para todo mundo que está no governo e quem mais perdeu não foi nem o PT. Olha o governador Sergio Cabral, que está no chão, não consegue se levantar. O governador Geraldo Alckmim em São Paulo. Agora olha o Fernando Haddad, prefeito da capital. Olha a Dilma. Então não teve essa crise, mas teve gente que queria carimbar como a derrota do PT, mas as pesquisas mostram que não, que o PT continua sendo o partido preferido do eleitorado brasileiro. Na prospecção de voto para presidente, mais de 60% dos entrevistados disseram que não tem candidato ainda. E mesmo assim, entre quem já está se definindo, a presidente Dilma já está ganhando no primeiro turno. Mas eu volto a dizer que isso não pode servir para a gente achar que está tudo certo e acomodar. O povo brasileiro passou a acreditar que participar da política dá resultado e pode reduzir uma tarifa ou impedir o aumento dela. A presença nas ruas fez o governo federal se mexer e deu uma resposta positiva, como o programa Mais Médicos, reabriu o debate sobre a reforma política. Eu só vejo saldos positivos. Agora tem um outro dado que para nós deve servir para ligar o alerta laranja. É legitima e faz parte da nossa luta que toda a forma de pensamento e compreensão da realidade tenha o direito de se expressar. A direita brasileira redescobriu o gosto pela política, pela possibilidade de se organizar e de ir para as ruas para também pressionar e fazer política. Isso é ótimo, mas exige da nova direção petista uma mudança radical de conduta. A acomodação vai deixar nas ruas um vácuo que será preenchido por alguém. Por isso que precisamos voltar para o lugar que sempre estivemos. Eu não quero ser uma minoria romântica. Nós queremos ser a hegemonia dentro do PT. Estamos trabalhando pra construir uma nova hegemonia dentro do Partido dos Trabalhadores. E nós vamos conseguir fazer isso. Esse PED é muito rico porque nos garante conversar com o conjunto da militância petista sobre isso e ao mesmo tempo dialogar com o conjunto da sociedade sobre o que é PT e que coisa fantástica é esse partido, que se mantém sempre como uma possibilidade aberta. Hoje temos quatro pré-candidatos a governador e um dos desafios da nova direção do PT é justamente ver de que forma esse candidato será escolhido. Pode ser um dos quatro, porque todos eles têm história e legitimidade, mas de repente pode existir um quinto, que pode não estar nessas cogitações iniciais e consiga unificar o partido e até dispensar uma prévia de escolha. Qualquer militante do partido pode. Então esse partido é fantástico, com todos os defeitos. É por isso que a gente não desiste do PT, pois não há alguma opção tão instigadora quanto é este partido. Está se fechando um ciclo. Há uma geração de quadros políticos fantástica, mas o trabalho não está concluído se uma geração não prepara a outra pra dar continuidade a esta tarefa. Militantes que tem perfil semelhante ao nosso tem diante de si a responsabilidade de assumir a condução do partido agora e desde já preparar uma nova geração de dirigentes. Nehuma organização está tão bem preparada como o PT e pelos aliados que caminharam com a gente e queremos ter sempre juntos nessa caminhada. Hora recebendo apoio, hora apoiando também.

Veja o vídeo da entrevista na íntegra:


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