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O outro lado da moeda: o caso do inquilino que processou o condomínio

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Bnews - Divulgação Arquivo pessoal

Publicado em 31/08/2021, às 08h00   Tiago Alves


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“Suum cuuque tribuere”. Se toda frase do juridiquês pudesse ser bem explicada, ao invés de ser apenas lançada ao vento como confete, estaríamos em um mundo melhor.

Essa frase em latim, que estampa o brasão de muitos órgãos da Justiça (inclusive da Faculdade de Direito da UFBA, onde tive a honra de me graduar), revela parte do conceito romano de viver bem. Nesse sentido, aquela frase em latim significaria, portanto, “Dê a cada um aquilo que lhe é devido”.

Em outras palavras: “Dai a César o que é de César”, aquele que tinha seu rosto gravado na moeda, fazendo lembrar a quem eram devidos os impostos em Roma.

Parece intuitivo. Se quebrou, conserte. Se tomou, devolva. Se causou lesão, indenize. O direito em nossas bandas se desenvolveu nessa lógica e, até onde se saiba, tem funcionado bem.

É de se perceber, entretanto, que a situação de fato pode causar ilusão de ótica. Veja-se o exemplo abaixo.

Imagine-se um condomínio comercial cujo trabalho do síndico seja questionável. Ao invés de cumprir e fazer cumprir com zelo a convenção, o síndico, por inúmeras vezes, descumpriu as regras que lhe eram cabíveis. Acabou, também, por não apresentar prestação de contas por alguns anos. Pelo volume de infrações, é de se perceber que muita coisa “é devida” por esse síndico.

No mesmo condomínio comercial, havia um inquilino. Ele alugou o imóvel de um proprietário que pouco se envolvia nas questões do condomínio. Esse inquilino pagava regularmente as cotas condominiais do imóvel, que lhe eram devidas por causa do contrato de aluguel. E via o síndico lesar o condomínio em várias ocasiões, sem nenhuma punição.

Assim, esse inquilino decidiu ingressar com uma ação no Judiciário contra o condomínio, pedindo aplicação da lei.

Um caso semelhante a esse foi parar no Superior Tribunal de Justiça, o STJ. E o Tribunal foi contra os argumentos do inquilino.

No exemplo em questão, é lógico entender “aquilo que lhe é devido”. A regra é clara quanto às obrigações do síndico. Ao leitor mais apressado, a atitude do Tribunal beira à injustiça. Mas é aqui onde reside o outro lado da moeda.

Quem é o “cada um” a ser dado o que é devido nesse caso? Caberia, portanto, entender os vínculos.

O condomínio é representado pelo síndico. Ao síndico cabe representar os interesses dos condôminos. Descumprindo-se a regra, o síndico deve ser cobrado: pelos condôminos. O direito de questionar as infrações seria do proprietário desinteressado.

E quanto ao inquilino? O julgado do Tribunal disciplina não haver relação deste com o condomínio. Não seria, portanto, legítima a sua ação judicial. O vínculo do inquilino se dá com o proprietário do imóvel, através de contrato de locação. Até mesmo as cotas condominiais pagas se dão em favor do dono do imóvel locado.

Dessa forma, o Tribunal interpretou um trecho da lei que diz "ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico". De acordo com a Corte, não existe norma que confira ao inquilino legitimidade para atuar em Juízo na defesa dos interesses do condômino locador.

Se não há direito de cobrar, não caberia ao inquilino ingressar com a ação, mas exigir do proprietário locador o questionamento judicial – ou procuração com poderes especiais para tanto.

Isso significaria que o inquilino jamais poderia ingressar com ação contra o condomínio? Cabe analisar novamente os dois lados da moeda.

Já entendemos que a todo “aquilo que lhe é devido” existe um “cada um”. Se no exemplo acima o “cada um” era restrito aos proprietários, vê-se que existem casos que permitem ao inquilino questionar juridicamente o condomínio.

O próprio Tribunal, no caso explicado, entendeu que na ocorrência de lesão contra honra de um inquilino por parte de um condomínio (e aqui cabe o exemplo da cobrança vexatória que já falamos AQUI – Hiperlink: ) permitiria ao próprio inquilino – e só a ele, por ser o único “cada um” possível – ingressar com uma ação judicial.

O direito imobiliário é, portanto, uma moeda com mais de um lado. E antes de pagar pra ver, é válido entender os seus limites; desde o “cada um” até “aquilo que lhe é devido”.

Tiago Almeida Alves é advogado graduado em Direito pela UFBA, pós-graduado em Direito Imobiliário, Urbanístico, Registral e Notarial pela UNISC-RS, membro da Comissão de Condomínio do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (IBRADIM), e atualmente cursa o MBA em Gestão de Escritórios de Advocacia e Departamentos Jurídicos na Baiana Business School (Faculdade Baiana de Direito). 

Classificação Indicativa: Livre

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