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A COP 26, o Brasil e a extinção da espécie

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Bnews - Divulgação Arquivo pessoal

Publicado em 31/10/2021, às 12h03   Penildon Silva Filho


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A Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-26) começa hoje, dia 31 de outubro, em Glasgow, e termina dia 12 de novembro. Deve ser uma conferência extremamente marcante no cenário e na história mundiais, pela percepção de que já estamos vivendo uma crise ambiental e um desastre climático, com os consensos estabelecidos pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) de que as mudanças no clima são irrefutáveis. Há um aquecimento consistente em todo o planeta ao longo dos dois últimos séculos, e a sua vinculação à atividade humano pela emissão de gases que provocam o efeito estufa está validada pelos estudos compilados pelo IPCC. 

Nesse palco em que o Brasil já foi protagonista, como na Conferência de Paris em 2015, todas as nações precisarão ser mais ambiciosas e ampliar as metas de corte de emissão de carbono e torná-las factíveis em um período curto de tempo. Haverá resistências das maiores potências industriais, com Estados Unidos e China à frente. O impacto do ser humano no planeta já é tão grande e comprovado cientificamente que se criou uma nomenclatura para explicar o fenômeno em termos geológicos, o Antropoceno, que substitui o Holoceno, que era um período mais ameno no clima, permitindo o florescimento de nossa civilização. 

O Antropoceno pode ser datado de diversas maneiras, alguns preferem marcar o seu início com a explosão das primeiras armas nucleares em 1945, prova da capacidade de destruição total do planeta como habitat para preservar a vida humana. Outros preferem datar na década de 1970, quando passamos a utilizar os recursos naturais numa velocidade maior do que a natureza é capaz de repô-los, e esse processo só se intensificou e acelerou até os dias atuais. Um outro momento simbólico que poderia indicar o início do Antropoceno seria o pouso do ser humano na Lua, marcando o salto tecnológico rápido e surpreendente, da capacidade científica e de engenharia da humanidade. Mas o maior consenso que podemos assinalar como abertura dessa nova era geológica foi o alvorecer da Revolução Industrial, data do início das transformações sobre o planeta Terra em que nossa civilização se torna uma força capaz de transformações amplas, perenes e irreversíveis na face do planeta.

Desafortunadamente, os meios de comunicação em geral e o governo brasileiro jogam a maior parte das fichas para conter essa destruição ampla no “mercado de carbono”, como se o mercado com a sua “mão invisível” e pela busca do lucro e da lei da “oferta e da procura” fosse capaz de nos salvar. Ele não foi capaz até o presente momento e não o será com certeza. O “mercado” tem sua característica e sua natureza de pensar a curto prazo, para satisfazer aos interesses dos investidores/acionistas, e não da população como um todo. O mercado monetiza todos os recursos naturais e procura abrir mais uma fronteira de acumulação de capital e negócios que gerem riqueza para poucos. Peguemos um exemplo: a política de preços da Petrobras para os derivados do petróleo segue a lógica do mercado de garantir apenas lucros e dividendos aos acionistas na empresa, um grupo milhares de vezes menor que a população brasileira, que sofre com o aumento desgovernado dos combustíveis e da inflação, da fome e da miséria em nosso país. Sem comentar a insistência em continuar a usar os combustíveis fósseis, que devem ser imediatamente abandonados, sendo que já há tecnologias alternativas que estão à disposição. Mas o interesse da mão invisível do mercado não tem a perspectiva de operar mudanças que signifiquem diminuição do lucro a curtíssimo prazo de poucos. 

A Petrobras é um ótimo exemplo da visão que deve imperar no planejamento e projetamento econômico, social e ambiental. A empresa, que é um patrimônio nacional e vem sendo privatizada pelo atual governo, deveria se converter numa empresa de energia, de forma ampla, para investir fortemente em energias renováveis, eólica, solar e outras, e ser uma grande financiadora e realizadora direta de pesquisas para desenvolver veículos elétricos e estratégias de recuperação do meio ambiente. Mas essa mudança de orientação não se dará pelos interesses dos acionistas, que pela sua natureza só se voltam para os resultados financeiros imediatos. O Estado tem que ser o instrumento da Sociedade para regular essa transição ecológica da economia. Assim como em 1930 o economista britânico John Maynard Keynes lançou as bases da intervenção do Estado na Economia para reverter a crise e a depressão econômicas e deixou claro que em épocas de crise apenas o Estado é capaz de fazer investimentos e ter um planejamento que pode reativar a base econômica, nos dias de hoje apenas uma ação articulada dos Estados nacionais pode evitar a extinção da espécie humana.

A proposta do governo brasileiro na COP transfere ao mercado a responsabilidade do Estado, e situa o Brasil como um vendedor de “créditos de carbono”, que permitem que empresas, para ter autorização de poluir, possam comprar esses créditos de empreendedores que mantêm as florestas em pé. A proposta do governo brasileiro é tornar a ‘CPR Verde’ — Decreto nº 10.828/2021, que hoje é um título emitido por produtores rurais, pessoas físicas e jurídicas, e por suas cooperativas agropecuárias (título criado pela Lei nº 8.929/94 e recentemente modificado por meio da chamada ‘Lei do Agro’ — Lei nº 13.986, de 2020) para comecializar uma commodity intangível, que é o carbono. Com o título, agricultores e donos de latifúndios poderão emitir títulos em valores correspondentes ao volume de CO2, e vendê-los a quem tem interesse em continuar lançando gases de efeito estufa e outros poluentes na atmosfera. Isso é insuficiente para reverter o estrago ambiental no Brasil já feito e tem dois outros furos: a lei permite que fazendeiros declarem áreas de Reserva Legal e de Proteção Permanente, que já deveriam ser preservadas mesmo, como áreas que eles lucrarão com o mercado de carbono; e com certeza outras comodities como soja e proteína animal serão mais interessantes para esses empreendedores, que optarão por desmatar.

Além de ter caráter limitado e sem capacidade de reverter a destruição dos biomas, esse mecanismo é apenas uma ação voluntária dos empresários para diminuir a emissão de carbono, logo insuficiente. Hoje 44% de nossa emissão é devido ao desmatamento. Precisamos ter uma política forte e intervencionista estatal de desmatamento zero e de reconstituição das matas e florestas. Não basta lançar um novo mercado de recursos naturais sem qualquer meta ou compromisso. Essa ação deve ser acompanhada de políticas públicas de preservação de amplas áreas nos biomas hoje mais afetados-Amazônia, Cerrado, Pantanal e Mata Atlântica; de proteção e ampliação dos territórios indígenas; de redimensionamento da agricultura para deixar de ser predatória e poluidora para ser agroecológica e cooperativa. 

Além disso, uma mudança na dieta mundial se faz necessária, pois a produção de proteína animal para consumo humano é insustentável, ela provoca desmatamento descontrolado, uso intensivo de água, energia e o direcionamento da produção agrícola para alimentação animal. A Ciência já demonstrou que os veganos têm razão em defender uma mudança radical de hábitos alimentares para preservar o planeta. Veja mais em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-46903135 

Com Ciência e uma estrutura fundiária mais democrática que valorize a agricultura familiar, é possível ter desmatamento zero e ainda empreender um grande reflorestamento da área desmatada e invadida pelo agronegócio e pelos garimpos ilegais. Essa outra agricultura, de caráter mais familiar e cooperativo, sem o uso de agrotóxicos e de tantos fertilizantes que poluem nossos mares com Nitrogênio, hoje já produz a maior parte do alimento que consumimos, e pode se desenvolver mais.

Estamos numa encruzilhada histórica em que a sobrevivência da espécie está ameaçada. Já vivemos um período de extinção em massa de espécies animais e vegetais, como as quatro anteriores no planeta em eras geológicas passadas, comprometendo a biodiversidade e o equilíbrio ambiental. O preservacionismo, a sustentabilidade e o Bem Viver são formas de conseguir ter um desenvolvimento econômico mais equilibrado, distributivo e que sobreviva no planeta. Por isso precisamos pensar e executar essa transição ecológica. 

Vários cientistas sempre se perguntaram se o desenvolvimento de uma sociedade tecnológica sempre leva à degradação do meio ambiente e à extinção da civilização que a criou. Numa conjectura dos cosmólogos, astrônomos e vários pesquisadores, sempre nos perguntamos porque não temos sinais de rádio de outras civilizações captados aqui na Terra, pelas centenas de rádio telescópios que auscultam as estrelas há pelo menos cinco décadas. Por que o céu ainda não revelou outras civilizações que possam se comunicar? Muitos acreditam que o desenvolvimento tecnológico das civilizações pode levar sempre à autodestruição, seja pela potência das armas, como é o caso da guerra nuclear que uma vez iniciada não terá vencedores ou sobreviventes, ou pelo exaurimento dos recursos naturais e destruição do ecossistema. Somos uma espécie em experimentação que pode criar um novo paradigma de sociedade global e talvez permitirá a sua existência por mais tempo. Tudo dependerá de nossas decisões e de nos guiarmos pela Ciência e por uma política de justiça social e ambientalmente responsável.

Penildon Silva Filho é professor da UFBA e doutor em educação

Classificação Indicativa: Livre

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