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Educação integral e a reconstrução do Brasil

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Bnews - Divulgação Arquivo pessoal

Publicado em 16/05/2023, às 13h31   Penildon Silva Filho*


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Um dos principais legados de Anísio Teixeira foi quando, na década de 1930 e na esteira do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, ele identificou que a Educação Brasileira reproduzia as classes sociais ao manter duas entradas e dois sistemas, um para os filhos da classe trabalhadora, um ensino pobre para os pobres, raso em conhecimento, aligeirado e que preparava esses filhos para os trabalhos manuais, para uma entrada rápida no “mercado de trabalho”, e um outro sistema voltado aos filhos da elite, com ampla formação científica e humanística, que dava a esses jovens os fundamentos para avançar ao ensino superior e se preparar para assumir os postos de comando na Sociedade, os mesmos postos que seus pais já ocupavam. Esse segundo sistema não se preocupava em preparar “para o mercado”, nem em precocemente arranjar um “meio de vida” ou “profissionalizar rapidamente” os jovens para “ganhar seu sustento”; era um sistema da elite no qual o que importava era uma formação de qualidade, apenas para a elite dominante, com o tempo necessário e os recursos suficientes para uma formação abrangente.

De inspiração liberal, sob a orientação do filósofo John Dewey e tendo como exemplo a Educação estadunidense, Anísio Teixeira defendia uma escola para todos, de igual qualidade e currículo para as crianças e jovens, de caráter laico, tanto para meninos como para meninas, em caráter integral, integral não somente no tempo integral mas na formação integral e ampla. Uma Educação que formasse para a vida, para conhecer as ciências, as humanidades, para as artes e a apreciação estética, para a vida política e o com conteúdo ético, para a cultura corporal e a Saúde. Uma Educação generosa, como os projetos das Escolas Parque na Caixa D’água em Salvador, no Rio de Janeiro e em Brasília que ele criou desde a década de 1950.

Darcy Ribeiro é tributário dessa Educação, e criou os CIEPs (Centros Integrados de Educação Pública) no Rio de Janeiro no governo de Leonel Brizola na década de 1980; nos anos 2000 temos a experiência dos CEUs (Centros Educacionais Unificados) na cidade de São Paulo com Marta Suplicy e Fernando Haddad que foi mantida pelos governos seguintes e permanecem nessa concepção, além de diversas experiências em municípios brasileiros que compõem práticas democráticas, com uma concepção educacional que respeita a diversidade, prioriza a inclusão social, racial, geracional, cultural e de PCDs. Experiências como a Escola Plural em Belo Horizonte a partir de 1989 com Patrus Ananias e seu secretário Miguel Arroyo, a escola Candanga em Brasília entre 1995 e 1998.

Faz parte desse campo de experiências evidentemente a passagem de Paulo Freire pela secretaria da Educação do município de São Paulo no governo de Luíza Erundina e o Programa Mais Educação do MEC durante os governos Lula e Dilma. São gestões que formam a nossa plêiade de experiências exitosas para formação integral, que não despreza a formação para o mundo do trabalho, mas é mais ampla para preparar também para a participação política, para a apreciação das artes e para a entrada na Universidade.

A proposta do “Novo Ensino Médio” foi imposta por Medida Provisória pelo governo Temer, aprovada sem qualquer debate com os educadores, ou com a população, os pesquisadores da Educação ou com as experiências exitosas havidas anteriormente, e vai no sentido contrário ao conjunto dos movimentos da Educação pela Democracia e movimentos pela Educação Democrática, da Inclusão, da Diversidade e da Escola Pública, Gratuita e de Qualidade.

Recentemente, o presidente Lula determinou que se fizesse um processo de escuta sobre essa Reforma do Novo Ensino Médio, escuta essencial pois a Educação não pode apenas servir para reproduzir o programa das fundações das entidades patronais e de grandes empresas, que infelizmente têm uma agenda ideológica e comercial muito forte para a Educação Brasileira hoje. Fundações como a Lemann, que pertence a uma das pessoas mais ricas do Brasil, envolvida em fraudes financeiras e contábeis com as Lojas Americanas na bolsa de valores no Brasil e em outros escândalos nos Estados Unidos. Lemann e sua fundação não se intimidam em querer ditar as regras da Educação de nosso país. Seria interessante saber quem defende essas fundações e hoje está na gestão pública para implementar seus interesses.

Cabe uma pergunta: as escolas de elite que preparam os filhos dos mais ricos para entrar na Universidade vão aderir ao “Novo Ensino Médio”, que permite a retirada de disciplinas como Artes, Educação Física, Filosofia e Sociologia do Ensino Médio? Essas escolas extremamente caras que fazem propaganda em outdoors de seus aprovados nas universidades públicas vão estabelecer “itinerários formativos” distintos para que seus estudantes escolham apenas um deles e deixem de estudar os conteúdos dos outros itinerários formativos?

Na proposta aprovada por Temer, implementada por Bolsonaro e várias secretarias estaduais da Educação temos os itinerários das Ciências da Natureza e suas tecnologias, Matemática e suas tecnologias, Ciências humanas e Sociais Aplicadas, Linguagens e suas tecnologias e Formação Técnica e Profissional, mas as únicas disciplinas obrigatórias para todos são Português, Matemática e Inglês. Essa supressão de conteúdos não contribuirá para que os filhos da classe trabalhadora tenham uma formação abrangente para a vida e para o prosseguimento nos estudos, restabelecendo o que Anísio Teixeira criticou na década de 1930 sobre um sistema educacional bipartido, que reproduz as classes sociais.

Por outro lado, uma formação mais abrangente não significa voltar ao Ensino Médio antes dessa reforma imposta por medida provisória. Já existe uma percepção dos movimentos sociais, dos educadores, pesquisadores e gestores sobre experiências de Educação mais libertadoras. Deve-se evitar um ensino “conteudista” e enciclopédico que priorize o acúmulo e a memorização de informações. Deve-se garantir uma formação abrangente que permita que todos possam ter conhecimentos mínimos do que a Humanidade criou nas Ciências Naturais, nas Humanidades, nas Artes, e fundamentalmente uma formação para a vida política, para a cidadania ativa, que prepare as pessoas para “mudar o mundo e depois mudar o mundo mudado”, como dizia Paulo Freire.

Uma Educação que contribua para evitar a colapso da civilização não pode desconhecer que estamos numa encruzilhada histórica em que a barbárie fascista tem avançado, em que o desastre ambiental da emergência climática deixou de ser uma previsão e se tornou um cotidiano de eventos climáticos extremos, mortes e destruição, e em que cada vez precisamos pensar planetariamente e menos em termos de grupos pequenos que estimulam a intolerância e o medo do diferente. E essa formação integral o Novo Ensino Médio nos tira.

Penildon Silva Filho*

Professor da UFBA e doutor em Educação

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