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Educação ou Barbárie no Brasil

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A Educação é um campo que inspira cuidados e merece alertas  |   Bnews - Divulgação Arquivo pessoal

Publicado em 27/04/2023, às 09h11   Penildon Silva Filho*


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O Governo Lula é a chance de reconstrução no Brasil da Democracia, dos direitos sociais, da proteção ao meio ambiente, do direito à Saúde, do protagonismo internacional do país, mas fundamentalmente da reconstrução da esperança e do sonho de uma Nação justa, diversa e soberana. Nesse contexto, os educadores e educadoras também tem o desafio de derrotar definitivamente o neofascismo que tem raízes internacionais e defender um projeto de pátria realmente que seja inclusiva, justa e sustentável. A Educação é um campo que inspira cuidados e merece alertas para fazermos correção de rumos e aprimorarmos nossas ações nas diversas esferas de gestão.

Os ataques às escolas brasileiras, articulados a partir de grupos extremistas de direita e neonazistas na internet e na vida real, muito mais do que resultado de práticas de bullying ou problemas psíquicos de poucos, são uma estratégia política de amplos movimentos sociais e políticos no Brasil e fora dele. Significam por um lado uma estratégia política conhecida desde o século XX na ascensão do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha, de espalhar o medo, a insegurança, a sensação de desamparo, o sentimento de perda de referências para muitos.

Por outra lado, esses ataques são resultado de uma estratégia de avivar em alguns os privilégios de poucos e ressentimentos de setores sociais que se sentem ameaçados por grupos sociais distintos e diferentes dos tradicionalmente hegemônicos. Esses sentimentos geram um desejo de proteção por figuras autoritárias e geram movimentos dos que se sentem ameaçados pelos grupos sociais ascendentes, sejam imigrantes, ou as mulheres, os negros, os nordestinos, os pobres, os LGBTs.

Uma estratégia dupla, de um lado com o medo para desesperançar e lançar a sociedade como um todo numa tormenta de barbárie e busca por segurança autoritária; por outro lado há um movimento para reunir os ressentidos e recalcados em movimentos e grupos que se acham superiores (supremacistas brancos, machistas, nazistas, extremistas de direita que não aceitam a justiça social, negacionistas da evidente crise climática e ambiental, dentre outros) e se sentem ameaçados pelos que ascendem e ganham espaço. São dois movimentos distintos, mas que se interconectam.

Na Alemanha de 1930 os “bodes expiatórios” do nazismo, que mobilizava esses grupos ignorantes e violentos, eram os judeus, os comunistas, os estrangeiros, os artistas, os homossexuais. No Brasil de hoje há um sentimento dos que se pensam ameaçados pelas mulheres que entram no mercado de trabalho, pelos negros que entram nas universidades, pelos pobres ou nordestinos que viajam de avião e entram em espaços que antes eram de uma pequena minoria. Esses que se sentem ameaçados são estimulados a criar violência, com medo e irracionalidade. Cria-se um terreno fértil para grupos supremacistas brancos, tradicionalistas que não querem a autonomia feminina, grupos neonazistas e outros que querem uma imaginária volta a um passado mais seguro para esses grupos.

Essa é a razão dos ataques à Educação. Junto com a Ciência, a Cultura, as Artes, elas ensejam a reflexão, o pensamento, a criticidade, a capacidade de criar empatia. Por conta dessa estratégia de ataque obscurantista, o principal campo de disputa hoje é o cultural, a defesa da Ciência, da Democracia e a formação de valores. Uma Educação que negligencie essa pauta estará contribuindo para permitir a ampliação dos que odeiam a Democracia e sentem medo do diferente. Dos que desconhecem a crise climática e ambiental, defendem o movimento antivacina e engrossam os movimentos negacionistas contra a Ciência, que cultuam a violência, a morte, o rancor e o ódio como resposta aos seus recalques.

Uma formação que seja contra hegemônica e fortaleça um novo campo simbólico demanda uma Educação Libertadora, com uma “pulsão de vida” como diria Freud, mas deve reverter os últimos movimentos das políticas públicas de Educação dos últimos 6 anos. Ou se pensa em fazer uma superação e transformação nas políticas educacionais brasileiras ou muitos de nós ainda continuaremos a nos espantar com tanta falta de letramento, literário, letramento na Ciência, na Cultura, com a falta de capacidade de analisar a realidade e uma facilidade em seguir fakenews, seguir messias autoritários, uma facilidade em criar sentimentos de ódio a determinados grupos sociais. Uma Educação mais potente, integral, libertadora, crítica e que fortaleça os laços de solidariedade e se estabeleça como um espaço de acolhimento e segurança para os mais vulneráveis, servirá para evitar ou combater grupos abertamente neonazistas que se organizam no mundo real e na internet e atacam escolas com um padrão bem conhecido.

Nesse sentido hoje precisamos debater, reverter e superar a reforma do “Novo Ensino Médio” e a proposta de “reforma empresarial” das grandes empresas e fundações ligadas a grandes grupos empresariais. Essas propostas empobrecem a Educação e não contribuem para lima Educação Libertadora, apenas para uma educação adestradora para o “mercado” e reprodutora das classes sociais.

Há dificuldades concretas nos Estados onde as mudanças foram implementadas, como a falta da oferta de todas as opções prometidas, com evidente limite para a escolha dos estudantes. Há controvérsia sobre a escolha antecipada de itinerários formativos do Novo Ensino Médio, com alunos sem conhecimento das diversas possibilidades e sem um processo consistente de orientação vocacional. Essa escolha precoce dos alunos retira dos mesmos o conhecimento sobre diferentes campos do saber e cria dificuldades para uma formação mais ampla, interdisciplinar, que lhes permita entrar na Universidade ou ser competente num mundo do trabalho em que cada vez mais é necessário saber pensar, refletir, ser criativo, capaz de entender os contextos sociais, econômicos, culturais, tecnológicos que nos envolvem. Um mundo do trabalho que demanda compreender Ciência, Cultura, Arte, Tecnologia e a Sociedade de forma crítica.

Falta na proposta uma preparação dos jovens para continuarem os estudos na educação superior, pela falta de formação geral exigida nos processos seletivos e exames nacionais. Falta também uma formação séria para o mundo do trabalho, como é feita hoje pelos Institutos Federais de Educação, que deveriam servir de modelo, mas foram ignorados em sua experiência.

Falta um enfrentamento de todas as demais dificuldades históricas de falta de recursos, materiais, falta de professores, falta de formação adequada dos professores, dificuldade de acesso a escola. Nesse sentido concordamos com a avaliação do Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio e sua Rede Nacional Ensino Médio Pesquisa. Atualmente essa Rede é composta por 23 grupos de pesquisa distribuídos pelo Brasil. Os resultados da pesquisa dessa Rede em seis categorias mostram o desastre que já é uma realidade inquestionável onde o “Novo Ensino Médio” foi implantado: trabalho docente; itinerários formativos; Formação Geral Básica; turno e ampliação da jornada escolar (tempo integral); carga horária na modalidade Aed; compreensão das orientações e conceitos estabelecidos para o chamado Novo Ensino Médio. Conheça o relatório em: https://anped.org.br/sites/default/files/images/movimento_nacional_em_defesa_do_ensino_medio_carta_ao_gt_transicao_educacao.pdf

Recentemente, o presidente Lula determinou que se fizesse um processo de escuta sobre essa Reforma do Novo Ensino Médio, o que é essencial, pois a Educação não pode servir para reproduzir o programa das fundações das entidades patronais e de grandes empresas que tem uma agenda ideológica e comercial muito forte e equivocada para a educação Brasileira.

Cabe uma pergunta: as escolas de elite que preparam os filhos dos mais ricos para entrar na Universidade vão aderir ao “Novo Ensino Médio”, que permite a retirada de disciplinas como Artes, Educação Física, Filosofia, Física, Química e Sociologia do Ensino Médio? Essas escolas extremamente caras que fazem propaganda em outdoors de seus aprovados nas universidades públicas vão estabelecer “itinerários formativos” distintos para que seus estudantes escolham apenas um deles e deixarem de estudar os conteúdos dos outros itinerários formativos?

*Professor da UFBA e doutor em Educação

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