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Revolução de ano velho

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Jolivaldo Freitas é escritor e jornalista  |   Bnews - Divulgação Arquivo pessoal

Publicado em 31/12/2022, às 19h33   Jolivaldo Freitas


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Estava era olhando pelo retrovisor e vendo que mais um ano se vai e eu deixei de fazer tanta coisa. Não só neste ano finado, mas em outros pretéritos. E posso citar coisas como:

Matriculei numa academia de ginástica, estou pagando e não vou
O piano está servindo de cabide encostado na parede do meu escritório
O violão fica me olhando e de vez em quando tiro um acorde, dissonante
Meu amigo cantor e compositor Zelito Miranda morreu e não conseguimos encenar a nossa Ópera Nordestina com 15 anos de criada
Devo até hoje uma letra de música para meu amigo Carlos Pitta
Cadê que não passo das 10 páginas na peça “Mulheres não ouvem jazz” e na “Deus me livre”
Devendo a ida ao dentista
Devendo a ida para a dedada de todo ano (olha a maldade, seu herege)
Mais um ano morando a 500 metros e não indo ao Porto da Barra, enquanto vem gente das Oropas pagando caro para se banhar e ver o pôr-do-sol
Mais uma vez sem visitar Praga
Mais uma vez trabalhando até o penúltimo dia do ano
Deixei de ir ao cinema e deixei o teatro de lado
Nunca mais que fui na Ribeira comer moqueca de camarão
Quantos amigos fiquei de ligar e todo dia lembrava e esquecia
Cadê que fui comer o filé de Juarez, na Cidade Baixa de Salvador, Bahia, Brasil
Não fiz até hoje a viagem no Trem da Morte, que leva à Bolívia
Nem visitei as Missões no Rio Grande do Sul para pegar o Minuano no laço
Saudade de Porto Alegre, de Santiago do Chile de Portugal.
Saudade de dezembro em Londres
Saudade dos amigos de Madre de Deus, no recôncavo baiano
Até hoje não meti as caras para aprender Inglês e muito menos francês; vivo de traduções em que não confio e pergunto aos filhos se o tradutor traduziu certo e eles perdem a paciência
Não fiz o Caminho de Santiago, nem pelo trecho mais curto, embora tenha comprado cajado, bota e casaco
Jurei parar de mentir e não consigo
Jurei parar de falar a verdade, de ser “sincerão” e não consigo
Cadê aprender a rezar
Muito menos ofender (Deus me deu o dom da resposta incisiva, que não é nada de bom)
Deixei no meio o livro de Santo Agostinho
Não reli Dante como prometido a mim mesmo
Ainda não completei toda a leitura de Jorge Amado.
Nem sequer fiz a cirurgia de pterígio no olho esquerdo (e olha que tenho medo de ficar cego)
Não consigo parar de comer sal e nem açúcar
Nem adianta me incentivar que não ando me exercitando pelas ruas. Correr, nem pensar
Não lembro de ter pedido perdão, mas também não ofendi tanto assim
Jurei que ia começar a dormir cedo e acordar cedo. O relógio desistiu da minha pessoa.
Faz tempo que não vejo a lua nascer. Muito menos o sol nascer
Estou numa fase de seca que nem covid peguei (graças aos céus), imagine as moças
Mas, consegui uma vitória inigualável: não fiz um inimigo sequer; não perdi um amigo por causa da merda de divisão estúpida da política brasileira. Naveguei em todas as águas revoltas e sobrevivi.
Nem tudo ficou perdido. Eu acho. Claro que é uma justificativa. Em 2023 tem mais. Dá tempo, baby.

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Escritor e jornalista. Email: [email protected]

Classificação Indicativa: Livre

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