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Teremos candidaturas femininas à vera em 2022

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Sou um entusiasta do tema e já advoguei em diversos processos judiciais que possuíam  |   Bnews - Divulgação Divulgação

Publicado em 08/05/2022, às 11h00   Ícaro Werner de Sena Bitar


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É inegável que já estamos bem necrosados diante do que vimos nas últimas eleições brasileiras em relação a tentativa de colocar mulheres em evidência político-partidária e, por conseguinte, no exercício de mandatos eletivos. Sou um entusiasta do tema e já advoguei em diversos processos judiciais que possuíam, como pano de fundo, as famigeradas candidaturas femininas fictícias.

Aliás, o combate judicial das tais “candidaturas laranjas” é o único ponto que me faz discordar da sempre precisa jurista e deputada federal Margarete Coelho em sua sustentação de que “precisamos acatar e aceitar a urna como a última palavra”. Sim, a voz da urna é soberana desde que os postulantes sejam honestamente postos na disputa.

Uma miríade de mulheres tiveram seus nomes envolvidos em escandalosas notícias de candidaturas fraudulentas, vítimas de políticos de pacotilha que nenhum compromisso tem com o que é sério. Muitas postulantes registraram sua pretensão eleitoral, mas no decorrer da disputa perceberam a cilada que se meteram diante de veladas ações visando ataganhar sua campanha através do não oferecimento da estrutura antes falsamente vendida. Há de se mencionar não somente as ingênuas que caem no conto no vigário como também as que dolosamente são protagonistas da trama sorrateira.

O legislador vem buscando formas de inclusão feminina a cada pleito, mesmo diante de padrões antiéticos de comportamento por parte de alguns comandantes partidários que insistem nesse ato nada republicano de simular candidaturas de mulheres; erode-se a legitimidade do pleito como um todo diante da falta de comprometimento com a causa que falsamente vocalizam serem fiéis defensores.

Temos o dever de dar seguimento ao que fizeram mulheres incríveis como Jerônima Mesquita, Almerinda Gama, Mietta Santiago, Bertha Maria Lutz e tantas outras que abriram estrada. O país que possui 52% (cinquenta e dois por cento) do seu eleitorado composto de mulheres tem as deputadas federais Marília Arraes, Rose Modesto e Rosangela Gomes compondo a mesa diretora da Câmara dos Deputados. Se é verdade que “por falta de um grito se perde uma boiada”, mulheres fortes levantam voz e pedem vez.

É certo que desde às eleições de 2018 estamos degustando de avanços normativos no sentido de dar melhores condições de disputa para mulheres concorrerem ao legislativo. Sabe-se que no Brasil temos somente 77 (setenta e sete) deputadas federais e 13 (treze) senadoras, correspondendo a 15% e 16% das cadeiras em cada Casa Legislativa respectivamente. Convenhamos, um número ainda bastante tímido diante das tentativas do legislador.

Mas os céticos que se cuidem; trago-vos a boa nova: teremos candidaturas femininas à vera em 2022! A mudança na letra da lei eleitoral nos faz sonhar com maior representação feminina no legislativo brasileiro a partir do próximo ano. No dizer de J. P. Morgan, "o primeiro passo para chegar a algum lugar é decidir que você não vai ficar onde está." E o legislador vem lutando para aumentarmos o protagonismo da mulher na política.

Para conhecimento de todos e todas, os partidos deverão lançar 30% (trinta por cento) de mulheres candidatas para todos os cargos em disputa. Idêntico percentual as mulheres terão do tempo de propaganda eleitoral a que o partido possui, independente de quantos candidatos aquela agremiação lançar, assim como será de 30% (trinta por cento) o montante destinado para as candidaturas de mulheres de cada partido. É dizer, em números hipotéticos, o partido que receberá cem milhões deverá destinar trinta milhões para investir em suas candidatas.

Ainda, tal percentual também servirá para definir que, nas eleições proporcionais, os debates sejam organizados de modo a respeitar a proporção de homens e mulheres.

Graças à Emenda Constitucional nº. 111, de setembro do ano passado, em 2022 teremos a contagem dos votos de candidaturas femininas em dobro para fins de distribuição das verbas referentes ao Fundo Eleitoral entre os partidos que naturalmente buscarão filiar e registrar ainda mais mulheres no pleito, já que quanto mais votos conquistarem maior será o recebimento de recursos.

Diz o texto constitucional que para fins de distribuição entre os partidos políticos dos recursos do fundo partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), os votos dados a candidatas mulheres ou a candidatos negros para a Câmara dos Deputados nas eleições realizadas de 2022 a 2030 serão contados em dobro. A contagem em dobro de votos se aplica uma única vez.

Mexeu no bolso, mexeu no coração e na consciência. Preparem-se para assistir candidaturas para valer já a partir desse ano. Já não basta lançar candidatas, agora o interessante é que elas tenham votação expressiva pois isso significa dinheiro nos cofres partidários.

Também em 2021 tivemos a mudança do Código Eleitoral por meio da Lei 14.192/21, que estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher durante as eleições, no exercício de direitos políticos e de funções públicas.

Considera-se violência política contra as mulheres toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos delas. Ainda, fica proibida toda e qualquer propaganda partidária que deprecie a condição de mulher ou estimule sua discriminação em razão do sexo feminino, ou em relação à sua cor, raça ou etnia.

Será condenado a pena de reclusão, de 1 a 4 anos, e multa, aquele que assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo, utilizando-se de menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia, com a finalidade de impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo. A referida pena será aumentada em 1/3 (um terço) se o crime for cometido contra mulher gestante; maior de 60 anos; e com deficiência.

Para quem ousar cometer calúnia, difamação e injúria durante a propaganda eleitoral também terão penas aumentadas em 1/3 até metade caso envolvam menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia; ou sejam praticados por meio da internet ou de rede social ou com transmissão em tempo real.

A divulgação de fatos sabidos inverídicos em relação a partidos ou a candidatos e capazes de exercer influência perante o eleitorado, também terá pena aumentada em 1/3 até metade se envolver menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia; ou ser for cometido por meio da imprensa, rádio ou televisão, por meio da internet ou de rede social, ou transmitido em tempo real. A regra vale para a propaganda eleitoral ou durante período de campanha eleitoral.

Enfim, nada custa relembra o que já dito por Rita Lee: não provoque que é cor de rosa choque! A legislação se aperfeiçoa no momento certo e bulir covardemente com a mulherada vai custar caro.
Para 2026, precisa-se de algo ainda mais arrojado; um maior avanço da legislação brasileira no que tange ao espaço da mulher no Parlamento, no sentido de reservar assentos exclusivamente femininos para fomentar a presença de mais mulheres nas casas parlamentares do país.

Voltemos algumas casas do tabuleiro para relembrar um pouco de Teoria Geral do Direito, sobretudo as lições de Miguel Reale e Pontes de Miranda que analisam o direito como um dado social, não havendo unidade formal dos sistemas da realidade social e jurídica, que se encontram e se misturam na incidência normativa.

De acordo com o primeiro, o direito é compreendido numa trialidade existencial de fato, valor e norma, levando-se em conta o fato social na explicação do fenômeno jurídico, na medida em que o toma como um de seus elementos existenciais. Pontes de Miranda entende o direito como um processo de adaptação social que busca interferir na zona material das condutas humanas, através da sua coercitividade. O sistema jurídico é visto como um fenômeno social, produto da atividade do homem de tornar controlável as relações em sociedade.

As mulheres são maioria no eleitorado brasileiro e deveriam ter maior protagonismo na política, hoje dominada por homens que, por sua vez, dominam quase totalidade dos partidos políticos. Não adianta esperar que tal mudança sociopolítica ocorra naturalmente, sem imposição normativa e por iniciativa masculina; mais ou menos como esperar apressadamente a finalização do pot-pourri musical com Faroeste Caboclo, Saga de um Vaqueiro e Hotel Califórnia.

São tantas demandas judiciais discutindo candidaturas femininas fictícias que não deixam dúvidas da necessidade de distinguirmos a incidência e a aplicação da norma. De logo há incidência da norma para juridicizar o fato, surgindo assim direitos e deveres correlatos. A aplicação é a formalização dos direitos e deveres já constituídos com a incidência, possibilitando, assim, o uso coercitivo para executá-los. Ora, mas pode o fato ocorrer, tornar-se jurídico com a incidência, porém a norma não ser aplicada por depender de um ato de vontade humana.

Existem legislações que obrigam partidos a ampliarem o espaço da mulher na política, mas infelizmente a realidade é o opróbio por parte dos líderes partidários que preferem candidaturas no estilo “cheiro mole”, como se diz na Bahia.

Dito isso, há que se indagar: será possível esperar avanços na efetiva participação da mulher na política e mais cadeiras ocupadas no parlamento brasileiro sem normas que imponham reserva de assentos no parlamento? Para alguns é algo para lá de claudicante, enquanto outros tem certeza de que o número de cadeiras ocupadas seria ainda menor com a ausência de instrumentos legais com essência impositiva.

Não adianta, isso aqui é Brasil e amadores não passarão. Enquanto na Argentina há cota de 50% das cadeiras do parlamento para mulheres, aqui o projeto de lei nº 1951/2021 foi aprovado no Senado, mas dorme em berço esplêndido na Câmara de Deputados, composto por 85% (oitenta e cinco por cento) de homens.

Você até pode acreditar em Papai Noel, mas ainda assim permanecerá incrédulo na agilidade dos senhores deputados em votar a matéria; mais mulheres, menos homens. O Chile aprovou a primeira assembleia constituinte paritária para escrever a nova Constituição do país, enquanto no Brasil ainda pisamos om ovos para discutir o assunto da paridade no Parlamento. Sustentar com convicção tal igualdade me faz lembrar de uma fala da querida professora e amiga Fernanda Marinela: “se já pagamos metade da conta, também queremos sentar em metade da mesa".

Temos uma sociedade ainda machista e os homens, que dominam a grande maioria das agremiações, recebem mais recursos financeiros para aparecer; só é lembrado quem é visto! Casos como o de Tati Mandelli, que recentemente declarou ser pré-candidata a deputada federal e proprietária de uma das maiores indústria de móveis do mundo, são raros no Brasil. As mulheres precisam de estrutura partidária, de dinheiro, para coloca o bloco na rua com a mesma força.

É justamente por tudo isso que concluímos com muito entusiasmo que em 2022 teremos candidaturas femininas à vera, afinal será preciso investir bastante em legítimas candidatas para obter futuramente ainda mais recurso do fundo eleitoral. Elas estarão em maior número, com mais estrutura de campanha, mais recurso advindo do partido político e com maiores chances de serem eleitas. Eles, os marmanjos que mandam nas siglas, precisarão como nunca do sucesso delas nas urnas. Enfim, prepara que agora é hora do show das poderosas!

Ícaro Werner de Sena Bitar
Advogado
Professor
Especialista em Direito Eleitoral
Especialista em Direito Administrativo
Especialista em Direito Constitucional
Especialista em Licitações e Contratos

Classificação Indicativa: Livre

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