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A Ufba, as ações afirmativas e a reconstrução do Brasil

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Penildon Silva Filho é professor da Ufba e doutor em Educação  |   Bnews - Divulgação Reprodução / Arquivo Pessoal

Publicado em 05/02/2023, às 07h16   Penildon Silva Filho*


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A Universidade Federal da Bahia (UFBA) realizou um Conselho Universitário (CONSUNI) histórico em 31 de janeiro último, quando pode analisar os resultados das ações afirmativas no ingresso de alunos na Graduação da instituição desde 2004 e no ingresso dos concursos públicos para servidores e técnicos a partir de 2014. Em 2022 se completaram 10 anos da promulgação da lei de cotas na Graduação, a Lei 12.711, que em seu texto previa justamente a sua avaliação com a término do seu primeiro decênio. A avaliação foi extremamente positiva e a instituição aprovou uma moção afirmando a necessidade da continuidade dessas ações afirmativas na Graduação, mantendo o critério social e racial de forma conjunta nos processos

Num primeiro momento, quando não havia cotas estabelecidas por lei federal, a UFBA aprovou em seu Consuni a resolução 001/2004, que permitiu que entre 2005 e 2012.2 tivéssemos 43.241 ingressantes, com 24.014 pela ampla concorrência e 19.227 optantes por cotas, com uma proporção de 44% a 56% do total de estudantes calouros, aproximadamente o percentual previsto na resolução interna. No segundo momento, entre 2013.1 e 2017.1, com a Lei n°. 12.711/2012 já em vigência, a UFBA teve 29.488 ingressantes na UFBA, com 16.272 pela ampla concorrência e 13.216 optantes por cotas. Já entre 2017.2 e 2022.1, tivemos 29.714 ingressantes na UFBA, 16.300 por ampla concorrência e 13.414 optantes por cotas. Entre 2013.1 e 2022.1 mantivemos uma proporção de ingresso de 45% por cota e 55% por ampla concorrência. Desde 2004 já tínhamos outro tipo de cotas, além das cotas sociais e raciais, que eram as cotas “supranumerárias”, com dois vagas a mais em cada curso para estudantes indígenas aldeados e quilombolas, mas em 2019 passamos a ter mais duas vagas supranumerárias, para pessoas trans e para refugiados, ampliando o compromisso com a inclusão dessas pessoas na instituição.

A primeira observação a ser feita é que a conclusão dos alunos nos cursos foi com a mesma proporção do ingresso depois da adoção de cotas, indicando que os alunos cotistas têm um desempenho que não os deixa em situação inferior aos alunos que são egressos do ensino médio em escolas privadas. Mais do que isso, se observarmos o desempenho dos cotistas ao logo dos cursos em geral não há diferenças significativas em relação ao grupo dos não cotistas. Essa constatação derrubou uma hipótese de que as ações afirmativas iriam comprometer a qualidade das instituições federais ou das instituições públicas, que são conhecidas por terem historicamente uma qualidade superior às escolas privadas.

Um segundo aspecto que deve ser analisado é que as avaliações externas da instituição na sua Graduação e na sua pós-Graduação indicam um crescimento em todos os índices nesse período. Em 2014 a UFBA tinha apenas 40% dos seus cursos de Graduação com as notas 4 ou 5 no resultado das avaliações do INEP, e em 2022 já tínhamos 90% dos cursos com esses conceitos, seja nas avaliações do ENADE (que avalia os alunos ao final do curso) ou no reconhecimento ou renovação de reconhecimento de cursos. No caso da Pós-Graduação a UFBA já tem uma política de cotas para 30% das vagas para pessoas negras e quatro vagas supranumerárias com cada curso para indígenas aldeados, quilombolas, pessoas trans e pessoas com deficiência desde 2017. Tínhamos na Pós-Graduação, segundo a avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), em 2013, 25% dos cursos de mestrado e doutorado com nota três, 22% com nota cinco e 4% com nota seis; mas em 2022 tivemos 9% dos cursos com nota três, 28% com nota cinco e 9% com nota seis. Um grande avanço na Graduação e na Pós-Graduação que o governo federal entre 2019 e 2022 tentou destruir, mas não conseguiu.

Importante também salientar que não foi apenas o corpo discente que se transformou nesse período. O corpo docente hoje é bastante distinto em relação ao que foi há 15 ou 20 anos. Hoje a UFBA tem 2.602 docentes, sendo 51,9% (1.351) de cor branca, 40,4% (1.049) de cor parda/preta, 0,5% por cento de indígenas, 6.1% de não informados e 1,2% de cor amarela. Entre os técnicos temos 2.918 pessoas, com 24,4% (711) de cor branca, 70,6% (2.061) de cor parda/preta e 5,0% (146) entre não declarados e demais opções. No grupo dos docentes ainda não atingimos uma simetria com a representação étnico racial da cidade de Salvador ou do Estado da Bahia, mas o avanço foi muito significativo e deve continuar, o que é muito positivo.

O Brasil foi um país no mundo que comprovou que é possível promover inclusão social, aumentar a diversidade em suas universidades públicas e manter elevados níveis de qualidade acadêmica, melhorar sua Graduação e Pós-Graduação ao mesmo tempo em que elas se tornam mais diversas. Essas mudanças se deram num contexto de expansão do sistema federal de ensino superior, especialmente a partir do REUNI-Programa de Reestruturação das Universidades Federais, indicando que nossas comunidades se dedicaram para cumprir o missão da Universidade de excelência acadêmica e compromisso social, que a instituição universitária tem uma missão civilizatória em todas as áreas do conhecimento e compromisso com a transformação social, visando a construção de uma nação soberana, democrática e diversa. Temos uma Universidade Pública envolvida com as grandes questões da contemporaneidade. Uma Universidade comprometida, e a UFBA é um ótimo exemplo, com a transição energética e socioecológica, com as pesquisas nas ciências básicas, o desenvolvimento das humanidades, a estímulo às artes na Sociedade, com o desafio da construção de uma ampla infraestrutura para o país com as engenharias, com o fortalecimento de uma formação da área de saúde ligada à Saúde Pública no Sistema Único de Saúde (SUS), com a defesa da democracia e dos Direitos Humanos.

A UFBA e a Universidade no Brasil estão irmanadas com a Sociedade brasileira nesse momento de reconstrução e transformação nacional, de crescimento e fortalecimento da Ciência, da Cultura, das Artes, das Humanidades e da Democracia, uma Democracia substantiva que não se limite aos direitos civis mas afirme os direitos sociais, culturais e econômicos. Uma Universidade mais diversa, que representa mais o nosso povo, está à altura desse desafio.


*Professor da UFBA e doutor em Educação

Classificação Indicativa: Livre

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