BNews Folia

"Não perturbem o Carnaval"

Imagem "Não perturbem o Carnaval"
Gilberto Gil em mais um ano de Expresso 2222   |   Bnews - Divulgação

Publicado em 15/02/2013, às 08h20   Luiz Fernando Lima (twitter: @limaluizf)


FacebookTwitterWhatsApp

Personagem inconteste do Carnaval de Salvador, Gilberto Gil, emana uma energia diferente. À frente do projeto familiar Expresso 2222, um dos compositores e músicos mais completo do país concedeu breve entrevista à reportagem do Bocão News durante o último dia de Carnaval. Entre uma e outra reflexão em torno desta festa da “instituição cívica brasileira”, Gil conclui “não perturbe o Carnaval”. Confira!

Qual a avaliação deste Carnaval que chega ao fim?

Muito bom. Mais calmo, mais limpo nas ruas, mais suave no trânsito. O trânsito estava menos embaraçado do que no ano passado. Engraçado, a chuva muda muito a coisa do Carnaval. Para o bem e para o mal. Para o mal, no sentido de criar mais embaraços, mas, ao mesmo tempo, no sentido positivo de que lava. Este ano não teve chuva no Carnaval, exceto por pequenos chuviscos. Mesmo assim, a limpeza da cidade está razoável. Eu não circulei pelo centro da cidade neste Carnaval. Não fui até a Avenida, nem ao Pelourinho, mas, pelo que soube, estava mais tranquilo mesmo.

Existe uma iniciativa de resgate dos outros circuitos e de abertura de novos, tal qual o Afrodromo...

O prefeito (ACM Neto) me disse que o Afrodromo é uma decisão tomada. A cidade está crescendo, o fluxo turístico também está crescendo. Eu me lembro que há 20 anos, mais ou menos, o Carnaval teve que vir para a Barra/Ondina. Tinha que desafogar o Campo Grande. Agora, já está saturado precisando ir para outro lugar. A cidade se incumbe, a própria população junto com a gestão pública encontram formas de se organizar.

Como o senhor avalia a intervenção da administração pública no Carnaval?

Eu acho que os governos baianos têm se comportado muito bem nos carnavais. No sentido de deixar que a festa tenha sua fluência normal. Ao mesmo tempo, prover policiamento em um nível adequado. Tem os excessos aqui e ali da polícia e do folião, mas é uma festa de excessos. O governador (Jaques Wagner) me disse que disponibilizou um contingente de milhares e milhares de policiais. Isso é uma contribuição importante. O prefeito também comentando. Eu mesmo estou lhe dizendo uma constatação que fiz durante estes dias de que a limpeza está razoável, o fluxo de circulação de automóveis razoável e mesmo o comportamento está mais ameno. Flora (Gil) costuma dizer que quando o Carnaval cai na lua minguante, ele fica mais calmo e é exatamente o que aconteceu este ano. Nós estamos na lua minguante e os ânimos estão todos mais suavizados.


Musicalmente, o que achou deste Carnaval?

Duas que coisas que gostei muito: primeiro Márcio Vitor e depois, como já era de costume, Xanddy e Harmonia. Depois a Timbalada, que já ocupou um espaço privilegiado no meu coração, continua a ocupar, mas foi cedendo espaço para estes outros que citei. Ai tem aquelas coisas mais consolidadas e consagradas do Carnaval da Bahia. Armandinho é uma delas. É impossível passar sem menção. Ivete é outra coisa. Aí os dois: Asa e Chiclete, ali, naquele dialogo interessante. Com um destaque. É admirável a dedicação súbita e surpreendente de Durval Lelys à guitarra baiana que já vem de uns três anos para cá. Se tornou melhor guitarrista ainda depois que passou a se dedicar à guitarra baiana.

Márcia Castro participou dois dias da Varanda Elétrica. Baiana System, além de outras bandas que pedem licença para participar da festa sem tocar Axé. Como o senhor avalia estas novas manifestações artísticas?

Para nos atermos a uma delas, a Márcia, que você mencionou, teve uma receptividade muito boa. O último disco de Márcia foi objeto de uma receptividade muito boa fora da Bahia. A crítica de São Paulo e do Rio de Janeiro que é sempre mais altiva foi muito reverente ao último trabalho dela. Com comentários muito positivos, com avaliação muito positiva do que eles imaginam ser o futuro dela. Enfim, para citar o exemplo aqui da Bahia. Tem aparecido muita gente nova aqui, no Rio, em Pernambuco.

O carnaval de Salvador precisa destas inovações?

Sem dúvida. Para dialogar com Psirico, Ivete, Chiclete.

O Ilê Aiyê?

Comparado com Caetano que todo ano ia à saída do Ilê, eu fui na saída do Ilê uma vez. Muito por causa da minha própria ocupação. Nestes últimos 15 anos passei ocupado com o Expresso 2222, com o trio durante 10 anos e cinco com o camarote. Então, dificilmente tinha condições.

Gandhy?

Gandhy é uma coisa mais...Gandhy também veio para a Barra. Nos últimos anos passei a participar aqui. O Carnaval foi me ocupando. Antigamente, o Carnaval era diversão, nos últimos 15 anos passou a ser ocupação.

O senhor pensa em mudar isso?

Não. Não quero não. Primeiro, porque o Expresso 2222, trio e camarote, são empreendimentos familiares. Foi a Flora, os filhos, o pessoal que quis. A família que quis que eu fizesse. Flora continua fazendo o camarote até hoje. Não tem como fugir, tenho que trabalhar com eles. A família trabalha, eu estou trabalhando junto.

Trio, tem vontade de voltar a fazer?

Não. Acho que já está na hora da Preta (Gil) fazer um trio. Ela está fazendo no Rio de Janeiro. Arrasta mais de um milhão de pessoas. Aqui, ela pode fazer. Espero que a Preta faça o projeto do trio neste ano. Ela já faz a Varanda Elétrica há três anos e está na hora de herdar o projeto todo.

O secretário de Turismo e Cultura de Salvador, Guilherme Bellintani disse que vai buscar subverter a lógica de que o Turismo pauta a Cultura durante o Carnaval. A ideia, de acordo com ele, é trazer a Fundação Gregório de Mattos para organizar junto com a Saltur, que atualmente é a principal organizadora.

Ele está falando da possibilidade de intervenção institucional. Eu não vou entrar nisso porque, na verdade, isto é objeto da partilha política da gestão. Como é que a Gregório de Mattos vai ter mais ou tanta influência quanto, ou pelo menos, uma influência suficientemente grande para equilibrar a influência da instituição do Turismo. O compartilhamento disso com o Governo do Estado. Estas coisas todas são os meninos novos que estão chegando que vão resolver.

Política, o senhor se afastou mesmo?

Não quero mais.

O que a gente pode esperar musicalmente? Algum trabalho novo engatilhado?

O que ainda não está no forno, está na beira do forno é o projeto de samba. Eu queria fazer um disco de samba. Misturando coisas novas com antigas. Mais para o último quarto do ano. Já tem algumas coisas escritas e outras na cabeça.

Agenda de shows?

A agenda está muito demandante ainda. Saio agora em março com a excursão do’ Concerto de Cordas & Máquina de Ritmos’, cujos os disco e DVD foram lançados em dezembro, pelas capitais dos estados brasileiros. Depois vem uma pequena agenda de São João, a qual venho me dedicando nos últimos anos. Flora faz um evento grande de São João Carioca no Rio, eu comecei a frente junto com ela, e agora ela já está mais autônoma, mas ainda vou lá dois dias na época junina. Além das demandas de Campina Grande, Caruaru, Juazeiro, Senhor do Bonfim, Amargosa, Jequié, estes lugares que vão me chamando. Depois tenho a agenda de verão europeu. Sempre me chamam e todo ano vou. Faço dez, já cheguei a fazer 50 cidades, agora faço 10 ou 15. Isso me leva até final de agosto, setembro. Aí, eu quero ver se consigo me dedicar ao disco de samba.

Gil, o senhor não tem vontade de escrever um disco?

Vontade eu tenho, mas não tenho ímpeto, impulso. Enfim, fico em duvida sobre o que escrever. Eu gosto de ensaios. Não tenho talento para me autobiografar porque não tenho boa memória. Para fazer uma biografia com esse lapso grande de memória não é uma coisa boa. Outros já quiseram escrever uma biografia minha, mas até agora não. Se eu tivesse tempo e impulso para escrever um livro de ensaios sócio-antropológicos culturais, eu escreveria. Não é prioridade na minha pauta.

Do ponto de vista do Carnaval: o senhor acredita que existem avanços, no sentido, de que é uma festa em que as pessoas podem se divertir, curtir?

Acho que mais que isso é uma festa institucional brasileira. É uma festa da grande instituição cívica brasileira. Acho, por exemplo, que não deixar que a sociedade promova, com a intensidade que o faz, o Carnaval seria uma lesa-pátria. Seria uma sonegação ao brasileiro. Esta festa é uma festa do espírito nacional. Caracteriza essa liberdade, este gosto pela fusão, pela miscigenação, coisa que o Brasil vem perseguindo com tanta dificuldade e por tanto tempo. Desde, pelo menos, a abolição da escravatura, então, acho que é uma festa que não vai sair da pauta.

Este embate sobre privatização do espaço público, sobre ter corda ou não. Sobre camarotes. Valorização...

Isso tudo é ótimo. É a própria discussão brasileira. Eu acho que isso tem ajudado o Carnaval. Ela – a discussão - não pode é se sobrepor ao fluxo natural das ideias, ao fluxo natural das ações que realizam o Carnaval. Não pode virar ideológico, nem enviesado para um lado, para um grupo. Eu acho que tem que deixar esta democracia simbólica que atua no Carnaval em vigência, em ação. Não perturbem o Carnaval!

Publicada no dia 14 de fevereiro de 2013, às 13h54

Classificação Indicativa: Livre

FacebookTwitterWhatsApp