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Historiador e radialista fazem retrospecto do Carnaval e comentam sobre cancelamento da festa por causa da pandemia

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Pela primeira vez o Carnaval de Salvador foi cancelado em decorrência da pandemia do novo Coronavírus   |   Bnews - Divulgação Reprodução // Max Haack // Agecom

Publicado em 11/02/2021, às 05h00   Rafael Albuquerque



Ainda era Carnaval de 2020 quando ganharam corpo os rumores do primeiro caso de infecção pelo novo Coronavírus. Era em São Paulo e coincidentemente o governador João Dória estava em Salvador e confirmou, em primeira mão ao BNews, a situação. De lá pra cá um ano se passouo e o número total de infectados beira os 9,6 milhões. Diante do estado de calamidade e da necessidade de readequação de toda nossa realidade às orientações da Organização Mundial da Saúde e aos protocolos estabelecidos pela prefeitura e governo, o Carnaval de Salvador não deverá acontecer neste ano de 2021. 

A prefeitura não fala abertamente em cancelamento, mas a maior festa popular de rua do planeta não será realizada em fevereiro, como de costume, e nos bastidores da política e do entretenimento já é dado como certo o cancelamento do evento este ano. Diante deste trágico fato que cuminou no cancelamento de um evento tão grandioso, o BNews procurou especialistas em Carnaval para falar sobre passado e as perspectivas para o próximo ano. 

O historiador Rafael Dantas explicou que as mudanças envolvendo o Carnaval sempre existiram, porém foram graduais, como enfraquecimento das festas de salão e o fortalecimento das expressões populares nas ruas. 

"Quando a gente fala do carnaval da cidade de Salvador a gente tem que dividir em momentos. Na segunda metade do século XIX, o Carnaval na capital baiana era algo muito diferente do que a gente conhece hoje, era mais destinado aos clubes como o Fantoches, Euterpe, entre outros no Centro Antigo. Era um Carnaval elitizado, seguindo os modelos europeus, de baile. E tínhamos toda uma expressão popular de rua, com ligações religiosas, em outros lugares da cidade do Salvador. A partir do final do século XIX e início do século XX, grupos começam a se organizar e esse Carnaval também começa a estar presente em alguns espaços nas ruas, e isso permanece no século XX. Então, de um lado tinham os clubes mais elitizados, com os festejos dos bailes carnavalescos. E do outro lado tinham as expressões populares Carnavalescas, de rua, na Baixa dos Sapateiros, Avenida 7, entre outros lugares", afirmou.

Rafael também alerta para o surgimento dos afoxés e outros grupos mais populares ligados aos afros, que também começaram a surgir a partir do final do século XIX e continuaram no decorrer do século XX. "Naquele momento essa expressão mais popular, mais afro, não era tão bem vista, passava por preconceito por causa do racismo existente. Mas eles continuam com muita força e resistência nas décadas seguintes", destacou. 

Quando chega na década de 30 e 40, essas expressões populares começam a ganhar mais destaque e prevalecer nas ruas no Carnaval de Salvador. Então, o Carnaval de rua, como a gente conhece, nas décadas de 30 e 40 já tinha uma consolidação na cidade, o que vai continuar nos anos seguintes. 


Surgimento do trio-elétrico

Um outro momento resgatado pelo historiador é a criação do trio-elétrico: "é válido destacar o próprio surgimento do trio-elétrico, em meados do século XX, que é outro divisor de águas porque é outra forma de se expressar do ponto do curtir a festa na rua, e evidentemente da consolidação do axé music nas decadas seguintes. Contribuiu para a dimensão do Carnaval enquanto festa midiática não só no contexto baiano, mas também no brasileiro nos anos 90. Então o Carnaval ao longo dos anos passou por esses momentos mais significativos". 


Transformações na sociedade e no Carnaval

O historiador Rafael Dantas afirmou ao BNews que a mudança no Carnaval não está dissociada das recentes e brucas mudanças sociais pelas quais a sociedade vem passando. "A questão da transformação da festa nesse ano, que não teremos Carnaval, pode ser entendida do ponto de vista das alterações festivas em um contexto muito amplo. Toda festa, toda expressão popular passar por alterações como toda a sociedade. Então, nossa sociedade muda com o passar do tempo e as festas vão acompanhando esas mudanças. O que aconteceu com o Carnaval hoje está inserido na ótica de mudança e transformação, nesse momento, por conta da questão da pandemia do novo coronavírus. Mas em outros momentos o Carnaval também passou por mudanças. Quando a gente tem uma predominância, uma consolidação do Carnaval de rua em comparação aos carnavais que aconteciam nos bailes é uma mudança a ser notada". 


Cancelamento sem precedentes

Segundo Dantas, não há na história um precedente acerca de cancelamento do Carnaval. "Nunca tivemos na história uma imposição tão forte de cancelamento do Carnaval como temos hoje. Tivemos outras mudanças, outros circuitos se consolidaram, mas o Carnaval enquanto festa esteve sempre presente. Claro que em alguns momentos o Carnaval foi mais expressivo e em outros momentos nem tanto. Mas nunca tivemos, até onde eu sei, um cancelamento de Carnaval. E hoje, em decorrência dessa realidade pandêmica, tivemos o cancelamento do Carnaval por conta dessas medidas de saúde pública. Então, é um outro momento que a gente presencia na história".

Para Rafael Danta "isso [o cancelamento] representa, do ponto de vista histórico, algo extremamente significante, que vai ser lembrado por muito tempo. Do ponto de vista da festa, o impacto estará registrado na história. Mas espero que no próximo ano, com todo mundo vacinado, a festa volte a acontecer com toda a alegria que é tão característica do povo baiano". 

Com mais de 50 coberturas de Carnaval no currículo, o radialista Cristóvão Rodrigues também falou ao BNews sobre suas impressões acerca do cancelamento do Carnval de 2021. O comunicador, que iniciou a transmissão da folia momesca no ano de 1967, na Rádio Sociedade da Bahia e foi um dos responsáveis por revelar grandes nomes da música como Sarajane, Daniela Mercury, Márcia Freire, Márcia Short, Carla Cristina, Cátia Guimma, Gilmelândia, Margareth Menezes, Ivete Sangalo e Cláudia Leite, recordou de um fato que quase causa o cancelamento do Carnaval de 1987. 

"Salvador e o Brasil nunca tiveram uma crise como essa da Covid-19, que vai impedir o Carnaval em todo o país, e talvez até o São João. Nesse tempo que eu cubro o Carnaval, desde 1967, tivemos um fato que se falou, na época, na possibilidade de suspender o Carnaval. Isso foi quando o carro dos Comanches, sem freio, na Praça Castro Alves, desceu e atropelou muita gente, matando algumas pessoas".

Com muita história de Carnaval pra contar, Cristóvão relembrou essa triste situação. "Se não me falha a memória, era o último ano do governo de Mário Kertész e Waly Salomão era o coordenador do Carnaval. Se falou pra suspender, mas foi muito rápido e se decidiu à noite mesmo que o Carnaval deveria continuar. Foi a medida acertada? Foi acertada. Eu sou pragmático com relação a isso. Você não traz a vida das pessoas porque tomou essa ou aquela medida depois do fato. Você preserva a vida das pessoas tomando proviências no pré-acontecimento. E depois daquilo várias proviências vieram a ser tomada com relação à segurança no Carnaval".

Cristóvão salientou que as consequências do cancelamento do Caranval serão terríveis para algumas cidades onde a festa é mais tradicional: "Com relação ao Carnaval em si, vai ser horroroso para o Brasil, mas especialmente para algumas cidades como Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, Olinda e, agora, Belo Horizonte. Salvador e Rio têm milhares de pessoas que dependem do Carnaval e ganham dinheiro no Carnaval pra se sustentar o ano todo. Pra esses milhares e milhares de pessoas que ganham dinheiro com o Carnaval, eu não sei como o Estado brasileiro vai fazer para recuperar um pouco a perda dessas pessoas. Acho que não vai fazer nada". 

O radilista lamentou pelos trabalhadores que vão ficar sem renda nesse período, mas alertou que o que mais importa é a vida: "são seguranças, cordeiros, porteiros, fiscais, pessoas que trabalham com estruturas tubulares, recepcionistas. É uma lista muito grande de funções, imagine de pessoas que não ganharão dinheiro nesse fevereiro. Agora, vão perguntar 'faz carnaval'? Não, claro que não, pois a principal perda de qualquer pessoa é a própria vida".

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