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Caso Dandara Kethlen: cinco são condenados a mais de 14 anos de prisão por matar travesti no Ceará

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Vítima foi agredida e assassinada a tiros na capital cearense em fevereiro de 2017  |   Bnews - Divulgação Reprodução

Publicado em 06/04/2018, às 07h00   Folhapress


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Após 15 horas de julgamento em Fortaleza, cinco pessoas foram condenadas a mais de 14 anos de prisão pela morte da travesti Dandara Kethlen, 42 anos, agredida e assassinada a tiros na capital cearense em fevereiro do ano passado. O espancamento até a morte foi filmado, viralizou na internet e provocou repercussão nacional. Apesar da decisão, cabe recurso aos acusados, em princípio uma apelação ao Tribunal de Justiça do Ceará.

Alguns dos condenados estão presos desde março de 2017. Todas as qualificadoras apresentadas pela acusação foram aceitas pelo tribunal do júri, a transfobia foi considerada como motivo torpe, o que foi mais uma qualificadora do crime e todos foram qualificados neste tipo penal. Francisco José de Monteiro Oliveira Júnior, responsável por dois disparos levou a pena maior de 21 anos,  Jean Vítor da Silva Oliveira , foi condenado a 16 anos, Rafael Alves da Silva Paiva, cumprirá 16 anos. Desses, apenas  Isaías da Silva Camurça e Francisco Gabriel Campos dos Reis não aparecem no vídeo espancando Dandara, mas ambos cumprirão pena de 14 e 16 anos, respectivamente. Somente Isaías não recebeu a qualificadora de impossibilidade de defesa da vítima Já Jonatha Willyan Sousa da Silva, o 'Lourinho Briba', apontado como a pessoa que filmou a cena, continua foragido.

Nascida Antônio Cleilson Ferreira de Vasconcelos, 42, adotou o nome de Dandara quando tinha aproximadamente 17 anos. Na lembrança da mãe, Francisca Ferreira de Vasconcelos, 74, era uma pessoa extrovertida, com uma veia humorística. "Eles atiraram pedra no meu filho, chutaram, bateram. O caixão precisou ficar fechado no velório e no enterro, ele estava desfigurado", disse à reportagem a mãe, em março de 2017.

O júri levou em conta as qualificadoras do crime impetradas pela acusação e assim os réus foram julgados por homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, meio cruel e uso de recurso que impossibilitou a defesa da vítima),  apenas a corrupção de menores foi excluída da pena

Dos 30 assassinatos de pessoas LGBTIsI  ocorridos em 2017 no Ceará, este é um dos primeiros  em que os envolvidos são julgados e condenados. ah taPara o coordenador político do Grupo de Resistência Asa Branca (GRAB), Dário Bezerra, o caso representa uma vitória para todos os movimentos LGBTIs , entretanto aponta que a justiça foi feita em partes, tendo em vista que dois dos 12 envolvidos estão foragidos.

“O fato deles terem sido julgados não significa que mecanismos de enfrentamento da LGBTFobia estejam sendo construídos. Fora isso, dois dos envolvidos ainda estão foragidos e muitos outros casos ocorridos ao longo de outros anos ainda não foram elucidados”, avaliou o coordenador do Grab.

Ao longo do julgamento, os réus negaram qualquer envolvimento com a morte da travesti ou motivação homofóbica para o espancamento coletivo praticado contra a vítima.

Até mesmo Francisco, conhecido como chupa-cabra, responsável confesso por dois dos três tiros que Dandara recebeu, afirmou que ela já estava morta quando ele fez os disparos. Questionado pelo júri porque atirou, ele não soube responder.

Além de negarem a responsabilidade pela morte da travesti, todos afirmaram que Dandara foi linchada e morta pois estava praticando furtos no bairro Bom Jardim. Entretanto, não souberam dizer o que ela furtou e nem quem era a vítima.

Se o roubo existiu ou não, ninguém sabe, pois não houve diligências da polícia para saber se este fato existiu ou não. Pelo menos é o que apontaram os defensores públicos que estavam na defesa dos réus.

O JULGAMENTO
O discurso estava uníssono entre Francisco José de Oliveira (22) ,Jean Vítor da Silva Oliveira (20), Rafael Alves da Silva Paiva () e Isaías da Silva Camurça (26), ninguém tinha envolvimento com o crime e Dandara era ladra. Porém, Francisco Gabriel Campos dos Reis (20), desconstruiu toda a narrativa, e afirmou em seu interrogatório que os demais réus eram envolvidos com o tráfico de drogas no Bom Jardim e que a ordem na região é matar quem pratica furtos.

Ricardo Vasconcelos, irmão de Dandara chegou logo cedo, às 8h, ao Fórum Clóvis Beviláqua, para acompanhar o julgamento dos envolvidos no crime que tirou a vida de sua irmã. Ao longo do julgamento ele assistiu, no mínimo , umas seis vezes ao vídeo onde sua irmã aparece sendo torturada. Ouviu de todos os cinco réus que  ela foi morta por estar praticando furtos no Bom Jardim, bairro onde, segundo os réus a ordem é executar as pessoas que venham praticar roubos na região.

“Minha irmã jamais foi uma criminosa, nunca roubou ninguém. Ter que estar aqui já é muito doloroso, e ainda escutar tudo isso é pior”, disse Ricardo.

A mãe, Francisca, optou por não comparecer a sessão, segundo ela, não porque não queira justiça, mas por medo de ser reconhecida pelos algozes de sua filha e sofrer algum tipo de retaliação.

"Eu quero justiça, sim. Mas seja o que Deus quiser. Eu já pensei muito se iria ou não, mas não vale a pena, eu sofro muito, tenho medo de passar mal e não aguentar emoção. Mas eu também temo por minha vida, vai que eles querem se vingar, eu já avisei até pro meu filho, o Ricardo, que não falasse com eles de jeito nenhum”, disse à reportagem.

VIOLÊNCIA NO CEARÁ
O Ceará tem sido marcado por episódios de violência. Em 2017 houve seis chacinas no Ceará, a maioria na região metropolitana de Fortaleza --considera-se chacina casos com mais de três mortos no mesmo episódio. Neste ano, foram quatro, a dos bairros de Cajazeiras, Benfica, Maranguape e Itapajé.

O número bem mais baixo dois anos atrás coincidiu com o período de paz entre as duas principais facções criminosas rivais que atuam no Ceará, o Comando Vermelho e o PCC –este último têm como principal aliado o grupo local Guardiões do Estado, suspeito de comandar uma das chacinas deste ano.

O número de homicídios no Ceará saltou de 3.407, em 2016, para 5.134 em 2017, aumento de mais de 50%. Somente em Fortaleza, esse aumento foi ainda maior, de 96%, saltando de 1.007 homicídios em 2016 para 1.978 no ano passado.

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