Justiça

Desembargadora aposta na conscientização para mudar quadro de violência contra mulher

Vagner Souza\Bnews
Bnews - Divulgação Vagner Souza\Bnews

Publicado em 02/09/2018, às 17h19   Chayenne Guerreiro


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Somente no primeiro semestre de 2017, a Bahia registrou 15.751 casos de violência contra a mulher. O balanço inclui crimes como homicídio, tentativa de homicídio, feminicídio, estupro, lesão corporal e ameaça. Os dados foram divulgados no ano passado pela Secretaria de Segurança Pública (SSP) do estado, que considerou, para o levantamento, somente as vítimas maiores de 18 anos. De acordo com a Lei Maria da Penha, violência doméstica e familiar corresponde a qualquer ação ou omissão que resulte em prática de violência física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral contra a mulher.

Do total, 125 mulheres foram assassinadas no estado até maio de 2017 e, apesar do número de homicídios, somente 14 deles foram considerados feminicídio, qualificadora da pena que considera o gênero como motivação para o crime. No interior do estado, foram 11 casos de feminicídio e, na Região Metropolitana de Salvador, três casos. Na capital, no entanto, nenhum registro foi registrado pela SSP no período.

Além dos casos de homicídio contra mulheres, outros tipos de violência física foram registrados, como 118 tentativas de homicídio em todo o estado e 5.021 casos de lesão corporal provocada, intencionalmente, por agressão. Os casos de estupro na Bahia somam 158, incluindo 34 em Salvador.

Apesar do grande número de casos apontados, anualmente, pelos órgão públicos, foi somente no ano passado que a Bahia teve sua primeira condenação por feminicídio, desde que a lei foi instituída. O julgamento resultou em pena superior a 22 anos de prisão ao culpado.

Até a semana passada, Salvador acumulava 28,6 mil processos esperando julgamento na Justiça baiana. Os casos estavam divididos nas seis varas especializadas no acompanhamento de denúncias. Do total de varas do estado, quatro estão fora da capital, nas comarcas de Feira de Santana, Camaçari, Juazeiro e Vitória da Conquista.

Em um esforço para destravar as pautas no estado, o Tribunal de Justiça Bahia realizou do dia 20 ao dia 31 desse mês a 11ª edição da campanha "Semana Justiça pela Paz em Casa", um esforço concentrado que acontece em tribunais estaduais de todo o país. 

O BNews conversou com a desembargadora Nágila Brito, presidente da Coordenadoria da Mulher no TJBA sobre os casos julgados e o que é possível fazer para mudar essa realidade. O resultado você confere a baixo:


BNews - O número de processos ainda é menor que o número de denúncias registradas na polícia. Por quê?

Nágila Brito - Na verdade, os processos que são encaminhados pelo Ministério Público para denúncia são aqueles que chegam ao final. Então, quando se denuncia ameaça, que é quando começa o ciclo da violência que vai até o pior crime de todos que é o feminicídio, muitas vezes a mulher chega sem testemunha, e a ameaça não deixa vestígios. Hoje, temos um entendimento que basta que a palavra da mulher tenha confluência para entendermos que ela está falando a verdade. Então, às vezes, precisamos do depoimento de vizinhos ou familiares que sabiam que aquele homem era violento, ou que era grosseiro com ela. Quando esses inquéritos não conseguem ser concluídos por alguma dificuldade, eles não vão até à Justiça. Outra motivação é porque, às vezes, os casais se reconciliam. Uma vez um juiz me perguntou: O que eu faço com essas mulheres?  Eu falei: “Cuide delas, porque há sempre uma esperança. Quem são essas mulheres? São as mães, as tias, primas, irmãs, namoradas, esposas, mulheres que amam os agressores”. Essa história de dizer que mulher gosta de apanhar não é verdadeira. A mulher, às vezes, está tão machucada que não consegue reagir, tão vigiada que não consegue pedir ajuda e tão pobre que não consegue sair. Temos a dependência econômica que prejudica muito a busca de uma solução para uma relação que efetivamente não serve para ela, mas muitas vezes temos a dependência amorosa. Às vezes, temos pessoas que ganham até mais do que seus companheiros e sofrem uma relação abusiva e não procuram ajuda e é porque ela ama aquela pessoa e acha que ela vai mudar e a violência vai crescendo.

BNews - Quais os resultados e avanços que o Judiciário tem conseguido nestes casos?

Nágila Brito - O Judiciário não busca condenações, ele quer fazer justiça, julgar o processo. Essa semana foi feita para dizer a mulher: venha para o abraço! Confie no Judiciário, que ele cuida do seu processo, mas esse processo ele pode vir a condenar um agressor como pode vir a absolver. Tivemos muito mais condenações que absolvições. Essas absolvições não querem dizer que a Justiça não está sendo feita. Queremos julgar, que todos saibam que o Judiciário não vai aceitar a violência contra a mulher. Foram júris de feminicídio ou tentativa. As medidas protetivas são em números muito grandes. E por excelência, esse é um dos maiores recursos que a mulher pode usar, porque por óbvio não podemos encarcerar todas as pessoas. A prisão hoje, por ordenamento jurídico, é exceção. Então, só se aplica àqueles casos muito graves em que o juiz detecta que há um risco muito grande de feminicídio. Além disso, agora é lei o descumprimento da medida protetiva, então aquele homem que não cumprir isso, será preso.

BNews - Ainda é grande o número de mulheres que desistem das denúncias?

Nágila Brito - Não são muitas, mesmo porque a desistência hoje só é possível para aqueles crimes que se processam sem representação, ameaça, por exemplo, e os crimes contra a honra. Nesses casos, depende da mulher acionar a pessoa. Em relação aos outros crimes, eles são de ação pública incondicionada. Quando o promotor toma conhecimento daquele crime, abre-se o inquérito e o promotor vai até o fim. O que pode acontecer é a mulher continuar no ciclo da violência por acreditar que aquele homem vai mudar, porque ele vem com flores, com presentes, diz que não vai mais agredi-la, então ela abandona o processo, ela não apresenta testemunhas ou vai ser ouvida e nega a violência, inventa uma historia para salvar aquela pessoa que ela acha que é o seu amor. Não é a regra, mas acontece. É preciso ter paciência e ajudar essa mulher a sair do ciclo.


BNews - Existe luz no fim do túnel?

Nágila Brito - Não adianta só punir. Aquele homem tem que mudar a sua cabeça, a sua cultura, seu modo de ser. Estamos fazendo os grupos reflexivos, que funcionam dentro das universidades onde são formados programas que funcionam com profissionais e estudantes juntos com a equipe de varas e o juiz. Esse grupo visa reabilitar esse homem, são sessões de rodas de conversa de 10 a 15 homens, onde eles vão aprender sobre a lei Maria da Pena, sobre a violência, os riscos que eles correm de ser presos e os prejuízos de emprego e concurso. É uma conscientização. E isso funciona, esses homens mudam e muitas vezes não querem sair desse programa quando ele termina. Querem aprender mais e se tornarem pessoas melhores. De uma forma ou de outra, estamos no caminho certo, acertando.

Vale lembrar: em casos de violência contra a mulher, não é preciso que a vítima denuncie o agressor. Qualquer situação do tipo deve ser denunciada nas delegacias da mulher ou em delegacias comuns, caso a cidade não tenha Deam. Outra forma de denunciar esse tipo de violência é por meio de ligação para o telefone 180.


Classificação Indicativa: Livre

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