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Mesmo após Ação Civil Pública, centro de terapia renal do Hospital das Clínicas segue sem funcionar

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O local passou por reforma e ampliação e foi inaugurado em janeiro, mas está sem funcionar  |   Bnews - Divulgação Divulgação

Publicado em 06/06/2019, às 18h54   Rafael Albuquerque


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O Serviço de Terapia Renal Substituta do Hospital das Clínicas foi inaugurado no dia 29 de janeiro. A unidade abriu com 13 máquinas de diálise, sendo duas destinadas para a UTI e uma de reserva, para backup, e deveria ser referência no estado para procedimentos de hemodiálise (procedimento que filtra o sangue quando os rins não estão funcionando adequadamente), diálise peritoneal (técnica de substituição da função renal) e diálise Peritoneal ambulatorial contínua (usada em pacientes com insuficiência renal crônica).

Deveria ser referência, mas, de acordo com denúncias que chegaram ao BNews, desde a inauguração a unidade sequer funcionou em sua plenitude. O local passou por reforma e ampliação e foi inaugurado com uma área de aproximadamente 800 metros quadrados, com investimento de aproximadamente 840 mil reais, incluindo obra, aquisição do sistema de tratamento de água, nove máquinas de hemodiálise, três reprocessadoras capilares e um contrato para análise microbiológica da água.

Só que problemas com a qualidade da água no Serviço de Terapia Renal do Hospital das Clínicas fizeram com que os atendimentos, que seriam em média 100 por semana, ficassem prejudicados. Hoje, segundo informações obtidas pela reportagem com um membro da equipe do centro médico, que preferiu não se identificar, apenas uma pessoa ainda faz acompanhamento na estrutura que foi inaugurada em janeiro.

Os pacientes deveriam ser encaminhados via regulação pela Comissão de Nefrologia do estado. De acordo com a Secretaria de Saúde do Estado, existem 38 unidades com serviço de diálise credenciados ao SUS na Bahia. São 8.325 pacientes realizam hemodiálise, seja dentro ou fora do SUS.

Ação civil pública:

A doença renal crônica terminal é um dos principais problemas de saúde que afligem a população usuária do SUS e também os gestores em saúde pública. O Hospital das Clínicas, integrante da rede de assistência do SUS, parece estar alheio a esta realidade. E apesar de uma Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Estadual e Ministério Público Federal na Bahia, a unidade que foi inaugurada em janeiro permanece sem funcionar. Fontes do BNews dão conta de que atualmente apenas um paciente realiza o procedimento no local, por impossibilidade de atendimento amplo devido a problemas com a qualidade da água, não a da Embasa, mas a do próprio centro médico.

A referida ação visa garantir o acesso pleno dos usuários que necessitam deste procedimento e o Complexo Hospitalar Universitário Professor Edgard Santos (Hupes), mais conhecido como Hospital das Clínicas, é um importante prestador contratualizado no âmbito do SUS para oferecer o serviço. A Ação Civil Pública foi proposta em desfavor do Estado da Bahia, em face do Município de Salvador, e contra a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), vinculada ao Ministério da Educação, e que gere o Hupes.

Por meio da Ação Civil Pública datada de 2017, o Ministério Público do Estado da Bahia e o Ministério Público Federal pretendem que a União (responsável pelo financiamento dos serviços através do Fundo de Ações e Estratégicas e Compensação - FAEC), o Estado da Bahia (incumbido do apoio técnico e financeiro e responsável subsidiário pela execução dos serviços) e o Município de Salvador (responsável pela contratação direta e execução dos serviços) prestem assistência adequada aos pacientes portadores de Doença Renal Crônica (DRC).

De acordo com a ação, “é certo que a EBSERH tem a missão de aprimorar a gestão do Hospital Universitário Professor Edgard Santos (HUPES), prestar atenção à saúde na unidade e fornecer um cenário de prática adequado ao ensino e pesquisa para docentes e discentes. Como ficará demonstrado a seguir, a assistência a esses pacientes não vem sendo prestada de forma resolutiva, mas com paliativos e improvisos, vulnerando o direito à saúde e à vida dos mesmos. Assim, busca-se, mediante a presente Ação Civil Pública, tanto providências emergenciais, como soluções perenes, visando a solucionar a situação desastrosa que aflige os portadores de DRC na Bahia”.

O objetivo dos MP-BA e MPF é apurar a oferta insuficiente de vagas para os serviços de hemodiálise, desproporcional ao número de pacientes renais crônicos da rede SUS.

Essa deficiência do serviço foi objeto de análise e estudo pela Comissão de Nefrologia do Município de Salvador (CONEFRO), que emitiu uma nota técnica, através da qual apresenta o quadro da situação da assistência aos Pacientes Renais Crônicos na cidade de Salvador, com sugestões para otimização da atividade assistencial.

Tal Nota foi emitida com o escopo de informar aos gestores do Sistema Único de Saúde sobre a situação atual da Hemodiálise – HD, no município de Salvador, em que 11 (onze) unidades de saúde (três sob gestão estadual e oito sob gestão municipal) prestam tais serviços, com 1.367 (um mil e trezentos e sessenta e sete) pacientes em atendimento, sem oferta suficiente de terapia renal substitutiva (TRS) para prestar assistência aos portadores de doença renal crônica (DRC).

Ainda conforme a aludida Nota Técnica/CONEFRO/DRCA, o Hospital Universitário Professor Edgard Santos - HUPES, sob gestão da EBSERH e contratualizado com o Estado da Bahia, deveria ter 20 (vinte) máquinas de Hemodiálise Ambulatorial em uso, atendendo a 120 (cento e vinte) pacientes.

Além do problema com inauguração fictícia, o Hospital das Clínicas passa por outros problemas. As máquinas portáteis usadas para realização de hemodiálise em paciente de UTI estão quebradas por falta de manutenção, segundo fonte do BNews, e por isso estão sendo usadas outras máquinas, muito mais caras e adequadas para realização de um procedimento específico.

“As máquinas portáteis, as que dialisam pacientes na UTI estão todas sem manutenção. Estão usando outro aparelho que é para outro tipo de dialise, que era pra ser usado em pacientes muito mais graves”, disse a fonte ao BNews. Ainda segundo o denunciante, “hoje se tiver paciente na regulação precisando de hemodiálise na UTI, o Hospital das Clínicas não poderá receber”.

Resposta à Ação Civil Pública:

Diante dos problemas, das cobranças e, sobretudo, da Ação Civil Pública, a prefeitura e o governo empregaram ações para amenizar o problema.  A Secretaria de Saúde do Estado destacou que de acordo com o censo realizado sobre Diálise 2018.2, o número de pacientes de hemodiálise, entre SUS e não SUS, é de 8.325. Desse total, 7.196 são atendidos pelo SUS. O número de serviços de diálise credenciados ao SUS na Bahia chega a 38, e o governo entregou em 2018 o Centro de Hemodiálise no Hospital Alayde Costa, localizado no Alto da Terezinha, subúrbio ferroviário de Salvador.

Já a prefeitura, através da Secretaria Municipal de Saúde, afirmou que cumpriu “as exigências de ampliação da oferta de serviços solicitadas no Inquérito do MPF”. A SMS afirmou ao BNews que hoje tem seis clínicas e dois hospitais credenciados para realização de procedimentos de hemodiálise. A prefeitura habilitou um novo estabelecimento, o Clibahia, na Federação.

“Além disso, iniciamos um projeto de matriciamento para realizar a busca ativa de pacientes com quadro clínico propício para evolução do quadro renal crítico. Esses pacientes são encaminhados para ambulatórios da cidade para realizar o tratamento preventivo. Evitando a necessidade dessas pessoas precisarem fazer hemodiálise no futuro”, afirmou a SMS. Atualmente, são 1.200 pacientes de Salvador e RMS atendidos no setor de hemodiálise pela prefeitura da capital.

O Complexo Hospitalar Universitário  Professor Edgard Santos (Hupes/UFBA/Ebserh), alvo tanto da Ação Civil Pública quanto da denúncia, justificou que “as novas instalações do Serviço de Terapia Renal Substituta, inaugurado em 29/01/19, está com o seu funcionamento parcial, atendendo regularmente uma média de 42 pacientes do Programa de Diálise Peritoneal (Ambulatorial e intra hospitalar), usada em pacientes com Insuficiência Renal crônica. A realização da hemodiálise já foi autorizada pela Vigilância Sanitária para atender os pacientes internados. Todas as providencias estão sendo tomadas para que os últimos resultados da análise da água sejam satisfatórios e, com isso, conseguirmos ampliar os atendimentos. Reforçamos que a nova unidade está pronta para prestar uma assistência de qualidade aos pacientes portadores de doença renal crônica da Bahia. Conseguimos concluir as obras que estavam paradas, dispondo de toda estrutura física adequada”.

Sobre a Ação Civil Pública, a assessoria afirmou que a instituição “irá responder através do Setor Jurídico com as informações de ampliação da Unidade, conclusão da Obra e com a liberação da Vigilância Sanitária. Com relação às máquinas portáteis de diálise quebradas, o hospital confirmou que as duas únicas estavam quebradas, que o reparo foi realizado, porém ainda não estão em funcionamento: “estavam quebradas duas máquinas de osmose. O conserto das máquinas já foi realizado. Está no processo de conclusão do trabalho de desinfecção para retornar o funcionamento normal”. Sobre de que forma está sendo suprida a demanda com as máquinas quebradas, o Hupes afirmou que “a demanda dos pacientes da UTI está sendo feita através de outro equipamento ou, a depender do caso, são encaminhados para realizar em outros Hospitais. Porém, a partir desta semana já retornamos a utilizar as máquinas portáteis”.

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