Justiça

Corregedoria do TJ vê "claro indício de fraude" em reintegração de posse de terreno na Estrada Velha

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Disputa envolve empresária, que diz ter herdado propriedade, e aposentado, que alega morar no local há mais de 30 anos  |   Bnews - Divulgação Reprodução/Arquivo Pessoal

Publicado em 10/12/2019, às 14h13   Luiz Felipe Fernandez


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A disputa por um terreno na Estrada Velha do Aeroporto ganhou novos contornos nas últimas semanas. Um despacho da Corregedoria do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) determinou que há "claro indício de fraude" na inscrição da propriedade no 2° Registro de Imóveis, apresentado pelos advogados da acusação e que serviu como base para que o juiz da 3ª Vara, Erico Rodrigues Vieira, deferisse a reintegração de posse e ordenasse o despejo. 

Na última semana, a corregedora geral de Justiça, Lisbete Maria Teixeira Almeida Cezar Santos, seguiu o despacho do juiz assessor especial Moacir Reis Fernandes Filho e decidiu pelo bloqueio de matrícula do imóvel. Em março, após recurso de agravo impetrado pela defesa, a desembargadora Pilar Celia de Tobio suspendeu a decisão.

A Corregedoria do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) concedeu o prazo de dez dias para que a empresária Marcia Franciss, que alega ser a dona da propriedade, se manifeste. Ao BNews, o advogado Maurício Ferreira confirmou que irá apresentar uma petição.

Do outro lado, a defesa do aposentado Manoel Regis da Cruz, que garante morar no local há pelo menos 30 anos, diz que o despacho comprova que Márcia teria “burlado” a Justiça. O terreno está localizado na Avenida Aliomar Baleeiro, tem a área total de 8.424 m² e é avaliado em cerca de R$ 4 milhões. 

Segundo Manoel, um homem pediu que cuidasse do terreno, até que um dia parou de  visitá-lo. Ele teria continuado a cuidar, cercar e plantar na terra, até que nos últimos anos passou a receber familiares e outros moradores no local. 

Já a empresária Márcia Franciss diz ter herdado o terreno do seu pai, Raul Veloso Soares, que teria feito a compra em 1990, junto aos antigos proprietários. Seus advogados apresentaram Certidão de Ônus datada de 2004, no 2° Registro de Imóveis, no qual consta que foi tornado “sem efeito” o registro, "em virtude da não apresentação do pagamento" do Imposto de Transmissão Inter Vivos (ITIV) e o Laudêmio.

Dez anos depois - 20 dias após o falecimento de Raul Veloso - por meio de uma Escritura Pública de Aditamento, lavrada no 11° Tabelionato de Notas da Capital, foi feita a averbação que inclui o pagamento dos impostos para regularização do imóvel, assinada pela então oficial Marlucy de Santana Menezes.

Foram inclusos na Certidão de Ônus ainda a "Escritura de Inventário e Partilha", que mostra que dois irmãos além de Márcia, também teriam herdado o terreno. No mesmo dia, os dois abriram mão dos 2/3 da herança, que ficou inteiramente para a empresária.

Toda a movimentação toma como base a escritura supostamente original, de 1990, que estaria no Livro 1114, às fls 100, sob n° 2140, e que nunca foi localizado. Em junho deste ano, o 1° Tabelionato de Notas emitiu um ofício no qual informa que a escritura não consta nos livros. A única entrada no livro, de 1987, é referente a um apartamento localizado no Jardim Apipema. 

O advogado de Márcia garante que o documento é verídico: "Foi apresentado a escritura senão eles não tinham lançado na matrícula do imóvel, mas como na época não tinham obrigação de arquivar não possuem mais o documento".

Um especialista consultado pelo BNews, que preferiu não se identificar, explicou que pelo que se apresenta no caso, "houve um registro, provavelmente baseado em uma escritura falsa, posteriormente houve um aditamento da escritura falsa e uma averbação na matricula para acrescentar o recolhimento tributário, o que por si só não seria o procedimento padrão".

A decisão do juiz da 3ª Vara Cível, portanto, ignorou a inexistência do ato de compra e venda, que já havia sido comunicado pelo 1° Tabelião de Notas. De acordo com a decisão, o juiz "baseou-se em diversos elementos indiciários probatórios e não somente nas escrituras de propriedade sobre as quais irradiou-se imputações de falso".

Com o despacho da Corregedoria, resta agora a decisão da desembargadora Pilar Célia de Tobio, que acatou o recurso de agravo. Na sequência, o caso volta à 3ª Vara Cível, que vai dar a sentença final. 

A ACUSAÇÃO

A defesa de Márcia Franciss diz que, somente em 2017, “terceiros” teriam invadido o local e se apropriado indevidamente “por meio de edificação de obra irregular”. Em março do mesmo ano, representantes da empresária foram até o terreno para, “amigavelmente”, comprovar a propriedade e pedir a sua desocupação.

Segundo o relato do advogado enviado em BNews, os ocupantes se negaram a sair do terreno e ainda fizeram ameaças a quem retornasse ao local. Na ocasião, foi registrado um Boletim de Ocorrências na 13ª Delegacia Territorial de Cajazeiras, em nome de Márcia e do seu corretor, Luiz Melo, que relataram ter sido “ameaçados”.

Em novembro, advogados de Márcia entraram na Justiça.  Em 17 de janeiro de 2018, o juízo da 5ª Vara Cível determinou a reintegração da posse em 15 dias. No entanto, os ocupantes não saíram voluntariamente. O Oficial de Justiça responsável pelo cumprimento afirmou em Certidão Negativa que os ocupantes do terreno não foram localizados e que ninguém sabia informar quem eram. Em 14 de março foi expedido um mandado de desocupação forçada.

Meses depois, no início de maio de 2018, a 5ª Vara suspendeu o cumprimento deste despacho que ordenava a retirada dos moradores e demolição das construções, já que decidia sobre a conexão com outra ação sobre o mesmo terreno, que tramitava na 3ª Vara – onde permanece ainda hoje.

À Justiça, a defesa de Márcia apresentou uma Certidão de Ônus emitida pelo 2° Registro de Imóveis, assinado no dia 10 de outubro de 2017, que comprova a autenticidade do documento. Porém, consta no documento o registro da escritura de compra e venda, que não foi localizada pelo 1° Tabelionato de Notas.
Em 26 de março deste ano, o 11° Tabelionato de Notas certificou a Escritura Pública de Aditamento com a inclusão do recolhimento do DAJE e outras taxas – também com base na escritura de 1990.

A DEFESA

Antonio Silva, advogado do Sr. Manoel, diz que o aposentado reside no local há mais de 30 anos. Ele teria cercado o terreno e plantado árvores frutíferas, além de construir um barraco onde mora. Nos últimos anos, por questões de segurança, ele passou a receber familiares e outras pessoas. Atualmente, cerca de 40 cidadãos moram na propriedade.

Segundo ele, Márcia Franciss teria tentado se aproveitar da condição social de Manoel, que ele alega ser, inclusive, analfabeto, para “tomar” o terreno localizado na Estrada Velha do Aeroporto. 

Silva reforça que todos os documentos apresentados e movimentações foram feitas em cima da escritura do 1° Tabelionato de Notas, que ele afirma ter sido "fraudada".

Em outubro, a desembargadora Pilar Tobio acatou o agravo impetrado pela defesa do aposentado, recurso utilizado quando uma decisão pode acarretar em prejuízo maior do que aguardar o esclarecimento dos fatos.

Desta maneira, foi suspensa a decisão do juiz da 3ª Vara, e foi requerida por Pilar a manifestação do Cartório do 2º Ofício do Registro de Imóveis, do Município de Salvador, ao 11° Tabelionado de Notas e, finalmente, ao Tabelionato de Notas do 1º Ofício. Este último, para que fosse encaminhado cópia do termo de Escritura Pública da suposta compra realizada no dia 20 de agosto de 1990.

A defesa está confiante de que, com o pronunciamento do juiz corregedor, a desembargadora despache o processo e a 3ª Vara Cível volta atrás com a decisão de reintegrar o terreno à Márcia Franciss. 

Classificação Indicativa: Livre

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