Justiça

Inventário: Veja os detalhes das fraudes milionárias que deram origem à segunda denúncia do MP-BA

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Cinco advogados e um ex-servidor são réus por fraudes milionárias a processos de inventário  |   Bnews - Divulgação Arquivo BNews

Publicado em 27/10/2020, às 12h32   Yasmin Garrido


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Já são duas denúncias contra os cinco advogados e o ex-servidor do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), acusados de cometer fraudes milionárias em processos de inventários, inclusive envolvendo pessoa viva. No início de setembro, o BNews detalhou a primeira denúncia feita pelo Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) e, nesta terça-feira (27), conseguiu acesso exclusivo a todos os detalhes das investigações que deram origem à segunda ação envolvendo os réus.

Fase um
Na primeira fase da Operação Inventário, deflagrada após serem detectadas irregularidades em uma ação de inventário e partilha que tramitava na 11ª Vara de Família, Sucessões, Órfãos, Interditos e Ausentes da Comarca de Salvador, ficou constatado, segundo o MP-BA, que se tratam de “dois processos essencialmente fraudulentos, um verdadeiro achincalhe à atividade jurisdicional e à sociedade, sem embargo dos prejuízos sofridos pelos interessados na linha sucessória”.

Ainda na primeira etapa, as suspeitas iniciais partiram após o juiz responsável pelo inventário em nome de Jacira Santos Oliveira desconfiar de algumas irregularidades prestadas no processo, que teve João Carlos Novaes como um dos advogados do herdeiro Pedro dos Santos. O inventário envolvia um patrimônio composto por dois imóveis (uma casa no Horto Florestal e uma em Mucugê), além de R$ 1,6 milhão em conta bancária.

A conclusão do inquérito e a consequente denúncia na Justiça levaram à prisão de João Carlos e do também advogado Marco Aurélio Fortuna Dória, além do ex-servidor do TJ-BA Carlos Alberto Aragão, bem como à investigação de outros envolvidos no esquema. Com o material apreendido nas residências e escritórios dos integrantes da organização criminosa, foram encontrados documentos que mostram a possibilidade de o mesmo crime ter sido cometido em outros processos de inventário e partilha, o que originou a segunda fase da operação.

Fase dois
Após as diligências cumpridas em 10 de setembro deste ano, o MP-BA entendeu que novos fatos justificariam o “aprofundamento investigativo”. Além do que já se sabia sobre a formação dos núcleos causídico, público e falsificador e do modus operandi na organização criminosa.

A hipótese principal é de que um homem, identificado como Lúcio Flávio Duarte de Souza, encaminhava documentos falsificados aos cinco advogados integrantes do esquema, que, por sua vez, davam entradas nos processos de inventário e o ex-servidor do TJ-BA, Carlos Alberto Aragão, manipulava o sistema do tribunal para facilitar as fraudes. Há a suspeita também de que funcionários de instituições bancárias integrem o grupo criminoso, facilitando o levantamento de alvarás judiciais.

Busca e apreensão
Com as hipóteses levantadas, foram cumpridos mandados de busca e apreensão contra todos os investigados, e de prisão contra três deles, e os resultados foram acessados na íntegra pelo BNews, nesta terça-feira (27), após a derrubada de sigilo do processo.

Na residência do advogado João Carlos Santos Novaes foram encontrados diversos cartões de crédito, sendo que dois deles estavam em nome de um motorista Hamilton Santos. Além disso, a polícia localizou anotações, sendo uma com o conteúdo “após golpe de Adailton, no valor de R$ 180 mil”, em referência ao empresário Adailton Maturino, um dos presos da Operação Faroeste, que investiga venda de sentenças no TJ-BA.

Ainda na casa de João Carlos também foram apreendidos U$$ 8.793,00 e EUR 9.305,00, além de três documentos relativos a processos judiciais distintos. Já no escritório de João Carlos, na Rua Chile, em Salvador, a polícia localizou carimbos em nomes de médicos e diversos documentos referentes a sete ações de inventário e partilha.

No endereço apontado como a residência do também advogado Marco Aurélio Fortuna a polícia apenas encontrou a ex-mulher dele, não tendo achado nenhum documento em nome do investigado.

Ao prosseguir com a busca e apreensão no escritório dele, foi encontrado um celular e um notebook, além de uma ata de audiência sobre os casos dos respiradores adquiridos pelo Estado da Bahia, com depoimento de Bruno Dauster. O documento foi rasgado por ele após os agentes tirarem foto.

Durante a busca e apreensão na casa de Vilson Marcos Matias dos Santos, a polícia localizou, além de celular e notebook, certdão de óbito e escritura de imóvel em nome de Maria Júlia, cópias de comprovantes de transferências bancárias, e no escritório foi encontrada uma petição em processo de inventáio cuja falecida era titular de uma conta com R$ 742 mil.

Nas residências de Carlos Alberto Aragão e Lúcio Flávio, foram apreendidos celulares e documentos. Na posse de Lúcio, a polícia encontrou documentos “possivelmente falsificados” em nome de Pedro dos Santos e Jorge Antônio do Nascimento, além de um caderno com “treinos de assinaturas idênticas” à de uma das vítimas.

Ainda na casa de Lúcio foram apreendidos documentos de terceiros, entre eles certidões de óbito de Maria Gertrudes Monteiro dos Santos e Jacyra Santos Oliveira, além das identidades de João Batista Augusto e Antônio Santana Moreira. Também foi localizada uma base de dados impressa referente à conta bancária de Maria Mabra da Silva, com saldo superior a R$ 2 milhões.

Com os celulares apreendidos na casa de Lúcio, foi encontrada uma conversa dele com um homem de prenome Frank na qual eles tratam de um inventário em nome de Antônia da Silva Nogueira e da originalidade da certidão de óbito dela, indicando uma ‘moça’ que faria a autenticação do documento com data retroativa.

Na mesma conversa, a polícia encontrou imagens com as carteiras de identidade de outras duas pessoas, bem como uma mensagem em que Lúcio pergunta a Frank se ele conhecia alguém dentro da Caixa Econômica Federal que pudesse conseguir o cartão da conta de um número de CPF específico.

No mesmo aparelho de celular de Lúcio foi encontrada uma conversa dele com um homem identificado como Vilson, possivelmente se tratando de Vilson Marcos Matias dos Santos, que também é investigado no âmbito da Operação Inventário, de autoria do Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA).

Em outra conversa, com ‘Thadeu Trabalhos’, Lúcio pede a ele uma ‘lista de contas’ e fala de um trabalho com uma conta bancária em que está depositada o valor de R$ 8,2 bilhões. Também foi encontrada uma conversa com dados bancários, RG e CPF de outras seis pessoas.

Ainda na posse e propriedade de Lúcio, a polícia encontrou comprovantes de transações bancárias com valores expressivos, a exemplo de transferência de R$ 640 mil, R$ 900 mil, R$ 100 mil, além de extratos bancários de contas de terceiros, com montantes de R$ 1,8 milhão, R$ 1,5 milhão, R$ 1,7 milhão, R$ 1,4 milhão e R$ 2,8 milhões.

Após a análise dos documentos apreendidos, o MP-BA concluiu que os elementos “permitem sugerir que possivelmente os investigados atuam em conjunto com o objetivo de fraudar processos judiciais”, tendo sido identificada “uma Organização Criminosa constituída, no intuito de levantar alvarás em favor de terceiros não herdeiros”;

Bloqueio de bens e valores
A nova denúncia foi recebida pelo juiz Vicente Reis Santana Filho em 24 de setembro, tendo ele determinado a indisponibilidade dos bens e valores dos investigados no valor de R$ 1 milhão. Além disso, o magistrado solicitou aos cartórios de registros de imóveis que informem escrituras que estejam em nome dos suspeitos.

Dois cartórios já enviaram resposta à Vara dos Feitos Relativos a Delitos Praticados por Organização Criminosa. O 2º Registro de Imóveis de Salvador retornou ao solicitado, em 5 de outubro, informando que não foram localizadas escrituras em nome dos investigados. No mesmo documento, foi apontado uma propriedade de Carlos Alberto Aragão, pertencente ao  3° Ofício de Imóveis de Salvador.

O 1º Registro de Imóveis afirmou ao juízo responsável pelo processo que também não foram localizadas matrículas em nome dos investigados na Operação Inventário. Até o momento, já foram bloqueados R$ 36,3 mil das contas do ex-servidor do TJ-BA Carlos Aragão; R$ 7 mil do advogado João Carlos Novaes; e, de acordo com documento anexado ao processo, não foram encontrados valores nas contas de Yuri e Lúcio.

Na mesma decisão, ficou mantida a prisão dos réus João Carlos Novaes, Marco Aurélio Fortuna e Carlos Alberto Aragão, detidos desde setembro, quando foi decretada a primeira fase da Operação Inventário.

Classificação Indicativa: Livre

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