Justiça

Dumping Social

Publicado em 09/03/2016, às 06h06   Ruy João Ribeiro*


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Imagine um trabalhador que há muitos anos trabalha para uma empresa prestadora de serviços e constantemente a empregadora atrasa o pagamento de salários, não paga vale refeição, não paga horas extras, não recolhe o FGTS corretamente, dentre outras violações dos direitos trabalhistas, e a tomadora dos serviços não fiscaliza o cumprimento da legislação por parte da prestadora de serviços. A descrição dos fatos narrados remete à análise do instituto denominado “Dumping Social” e a responsabilidade da empresa tomadora dos serviços diante da terceirização da mão de obra.
Nas relações que envolvem capital e trabalho é imprescindível que sejam assegurados os Princípios Constitucionais da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da função social da propriedade, assim como a garantia Constitucional de que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante, com o firme propósito de preservar a dignidade da pessoa do trabalhador.
O “Dumping Social” caracteriza-se por condutas antissociais e desumanas do empregador, de forma reiterada, que violam os princípios Constitucionais acima mencionados, com o firme propósito de reduzir os custos de produção e dos próprios produtos e/ou serviços e/ou mão de obra e, assim, aumentar os seus lucros, o que implica em dano à sociedade e constitui ato ilícito, nos termos dos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil, pelo exercício abusivo de direito e ofensa à livre concorrência.
O instituo jurídico do “Dumping Social” foi tratado no Enunciado 4 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, in verbis: "DUMPING SOCIAL". DANO À SOCIEDADE. INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR. As agressões reincidentes e inescusáveis aos direitos trabalhistas geram um dano à sociedade, pois com tal prática desconsidera-se, propositalmente, a estrutura do Estado social e do próprio modelo capitalista com a obtenção de vantagem indevida perante a concorrência. A prática, portanto, reflete o conhecido "dumping social", motivando a necessária reação do Judiciário trabalhista para corrigi-la. O dano à sociedade configura ato ilícito, por exercício abusivo do direito, já que extrapola limites econômicos e sociais, nos exatos termos dos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil. Encontra-se no art. 404, parágrafo único do Código Civil, o fundamento de ordem positiva para impingir ao agressor contumaz uma indenização suplementar, como, aliás, já previam os artigos 652, "d", e 832, § 1º, da CLT.”.
Pode-se dizer, portanto, pelo relato fático da introdução, que a tomadora utiliza mão de obra precária dos trabalhadores, por meio de contratação de empresas terceirizadas, que sonegam os mínimos direitos trabalhistas, tais como salários, FGTS e horas extras, circunstância que implica em violação aos Princípios Constitucionais da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho. 
O Judiciário Trabalhista tem reconhecido a prática do “Dumping Social”e condenado as empresa ao pagamento de indenizações, como ocorreu no julgamento do processo de nº RO 1639-54.2010.5.18.0009, TRT 18ª Região: “DANO SOCIAL. DUMPING SOCIAL. ATO ILÍCITO. INDENIZAÇÃO. Se da prova dos autos apura-se a ocorrência de dano decorrente do descumprimento reiterado de regras de cunho social (tais como as trabalhistas), gerando prejuízo à sociedade, dumping social, é devida a respectiva indenização por ato ilícito praticado pela empresa”.
Outro aspecto a ser observado é saber se uma tomadora de serviços, enquanto ente público,  é responsável pelos direitos trabalhistas dos empregados da empresa terceirizada e se essa responsabilidade é solidária ou subsidiária, que dizer: se é possível cobrar ao mesmo tempo da tomadora e da prestadora (responsabilidade solidária) ou se primeiro tem que cobrar da prestadora e se não tiver êxito passar a cobrar da tomadora de serviços (responsabilidade subsidiária). 
O Supremo Tribunal Federal, na ADC nº16–9 DF, já declarou a constitucionalidade do art.71 da Lei nº 8.666/93, o que afasta, regra geral, a aplicação da Súmula 331, IV do C. TST, cuja previsão é a de responsabilizar subsidiariamente os entes públicos quando da mera inadimplência trabalhista por parte das empresas prestadoras de serviços. Ocorre, no entanto, que a situação exposta no relato introdutório, impõe reconhecer que a tomadora dos serviços incorreu em culpa in eligendo, reiteradamente, quando escolheu mal a prestador de serviço, e em culpa in vigilando, porquanto não fiscalizou a contratada no cumprimento do contrato, circunstâncias que também violam os Princípios da moralidade, publicidade, legalidade e impessoalidade (art. 37 da CF/88), por se tratar de empresa pública, o que atrai a incidência dos art.186 c/c art.927 do Novo Código Civil e impõe a responsabilidade subsidiária da tomadora de serviços. 
O advogado Ruy João Ribeiro* é especialista na área trabalhista.

Classificação Indicativa: Livre

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