Cultura

Fomentadores de mostra artística de internos do sistema penitenciário comentam iniciativa: “atrás das grades há vida”

Vagner Souza // BNews
Mostra “Cárcere e Hospital como lugar de gente” está em cartaz no Palacete das Artes, na Graça  |   Bnews - Divulgação Vagner Souza // BNews

Publicado em 23/10/2018, às 18h11   Rafael Albuquerque



Teve início nesta terça-feira (23) no Palacete das Artes o projeto “CienciArt”, que faz parte da programação da “Jornada Científica 2018 - Tecendo Saberes Sociais”, da Faculdade Social da Bahia. Nesta terça (23), quarta (24) e quinta (25), está prevista uma extensa programação de atividades no local, com destaque para a mostra de artes plásticas “Cárcere e Hospital como lugar de gente”, de artistas que trabalham e estão albergados em unidades do sistema prisional e no Hospital de Custódia, bem como de Membros do MP, de voluntários que atuam nestes ambientes.
Na mostra, um dos projetos em destaque é o “Libertarte”, que leva a assinatura da ONG Nun Brasil, e tem o trabalho desenvolvido por internos do sistema prisional sob orientação do artista plástico Eliezer Nobre. O diretor-presidente da Nun Brasil, Márcio Carneiro, concedeu entrevista ao BNews e falou sobre a experiência com o projeto que já existe há três anos: “a ONG é focada em desenvolvimento humano e realiza o projeto ‘Libertarte’, com o artista plástico Eliezer Nobre. Com o slogan ‘colorindo a cidadania’, nosso objetivo é a ressocialização e criação de outras oportunidades para os internos através do lúdico, da terapia ocupacional e também da geração de renda”.
Questionado sobre os pré-requisitos que os internos devem atender para participar do projeto, que já atendeu a aproximadamente 45 internos, Carneiro explicou: eles têm que ter a disposição de participar, não é obrigado. O regime de pena do interno deve ter a possibilidade de atividades na área externa do presídio”. Ele ressaltou, também, que a cada três dias participando do projeto, o interno tem um dia de pena reduzido.
Além das exposições em outros espaços, como a que está acontecendo no Palacete das Artes, há uma mostra permanente na oficina localizada dentro do presídio que, segundo Márcio, é aberta ao público. As obras são comercializadas na oficina e, também, em eventos fora da prisão. Questionado se há uma percepção de mudança de comportamento nos internos que participam do projeto, o diretor-presidente salientou: “começamos a tabular indicadores sociais e psico-emocionais, mas estamos fazendo parcerias para identificar isso. Mas já há depoimentos nesse sentido”.
Responsável por levar aos internos os conhecimentos e técnicas dos trabalhos com mosaicos, o artista plástico Eliezer Nobre se mostrou muito feliz e realizado com a iniciativa: “uma das coisas mais importantes é o olhar, o toque e o próprio contexto contagiante da arte que leva os internos a sorrir. O mosaico enquanto arte cria pontes, porque todos estão lá, não deixam de ser elementos de uma parte maior. O colorido que a gente trabalha traz canais de alegria e união. A gente tem que ter mais alegria”.
Eliezer confirmou que outras unidades vão receber o projeto e criticou a falta de aplicação da arte em mosaico desenvolvida pelos internos nos espaços urbanos: “estamos em negociação com mais duas unidades, inclusive o presídio feminino. Acho que falta a atuação na cidade, nos bancos das praças, sinalizações de avenidas. Seria uma forma de o interno pedir desculpas e dar um grito de ‘me aceite’”, destacou.
Membro ativo na interlocução entre os assuntos ligados ao sistema carcerário com o ambiente acadêmico, o promotor Edmundo Reis, da vara de execuções penais do MP-BA, destacou o papel de projetos como o “Libertarte” para mostrar o cárcere em outro contexto: “a arte liberta espiritualmente, independente do aprisionamento físico. O ‘CienciArt’, inicialmente desenvolvido por professores da Unifacs, é uma forma de a gente fazer com que os espaços universitários visitem o local do cárcere. É uma interlocução com a academia, com a sociedade e com as instituições, que hoje está transformando o museu em um espaço de fala. Nossa ideia é mostrar que atrás das grades há vida”.
Pós-doutor em Filosofia e coordenador do Pibic da FSBA, José Euclimar Menezes comentou que fazemos parte de “uma sociedade que segrega”, mas alerta para a importância de atividades como as que estão sendo desenvolvidas na Jornada Científica: “estamos num museu refinado, na casa que pertenceu aos Martins Catharino, e que agora abre as portas para promover arte e mostrar que lá [no cárcere] há vida. São pessoas que cometeram delito? São, mas também são gente. Temos que trabalhar o espaço do cárcere como espaço de arte”. Menezes ressalta que a experiência não é uma novidade, mas que é adequada a nossa realidade, uma vez que “a anarquia no Brasil é muito maior”: “há uma experiencia na França de Foucault de tornar a prisão palco de discussões sociais. Houve a experiência de visitar a prisão e ajudar a sociedade francesa a entender que a prisão não é uma ostra onde se coloca o preso e larga lá”, disse, completando que “o nosso objetivo é resgatar a dignidade humana e ressocializar.
Menezes finalizou ao citar a importância das instituições nessa empreitada: “o fato de o Ministério Público estar nisso junto com a Seap, com as faculdades se mostra como um compromisso para a formação de pesquisadores que tenham essa sensibilidade de perceber que há uma ligação entre a sociedade e a prisão, até porque a cadeia faz parte da sociedade. A cadeia é um espelho da sociedade”.
Clique aqui e confira a programação da Jornada Científica e da mostra no Palacete das Artes, que está aberta à visitação até sábado.

Classificação Indicativa: Livre

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