Denúncia

Pacientes do Afrânio Peixoto são transferidos para hospital sem infraestrutura

Publicado em 11/04/2017, às 09h30   Adelia Felix


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Em março deste ano, o Bocão News divulgou que o Hospital Afrânio Peixoto, localizado na cidade de Vitória da Conquista, no centro sul da Bahia, encerrava os atendimentos psiquiátricos. Na época, a presidente da Associação de Apoio a Familiares, Amigos e Pessoas Portadoras de Transtornos Mentais da Bahia (Afatom-BA), Rejane de Oliveira, em entrevista ao site, alertou sobre os perigos do fechamento de hospitais psiquiátricos no estado. 
Além do município de Vitória da Conquista, a unidade de saúde atendia 104 cidades no sudoeste da Bahia, municípios do oeste e extremo sul baiano, e até do norte de Minas Gerais, devido a falta de serviços de referência em psiquiatria para casos graves nessas regiões. O ambulatório atendia cerca de 2000 consultas médicas por mês, uma demanda que não consegue ser atendida somente pelos serviços do município, o ambulatório do Cemae e um único Caps II.
Diante da situação, uma ação civil pública foi ajuizada pelo Ministério Público do Estado da Bahia (MP), por intermédio da promotora de Justiça, Guiomar Miranda de Oliveira Melo, no dia 14 de março deste ano.
Na ação, a promotora pede que a prefeitura de Vitória da Conquista implante e execute o Programa Residência Terapêutica (SRT) para atendimento a pacientes com transtorno mental que não possuam suporte social e laços familiares, em sistema de residência prolongada, com proposta terapêutica adequada e equipe multiprofissional em ambiente protegido no prazo de 30 dias, além da implantação do CAPS-III no prazo de 180 dias, sob pena de multa diária de R$ 10.000.
Ainda de acordo com o processo, o MP recomenda que o governo promova a reforma do Afrânio Peixoto, transformando-o em Hospital Geral, com a mudança do perfil assistencial, passando a ser um dos pontos de atenção da Rede de Assistência Psicossocial (RAPS) de Vitória da Conquista. Indica ainda que a unidade tenha manutenção do atendimento ambulatorial e de internações provisórias, mesmo durante as reformas, garantindo o número de leitos suficientes ao paciente com transtorno mental e com transtorno decorrente do uso de álcool e outras drogas. Estes pacientes devem ainda ter tratamento temporário por equipe multiprofissional.  A ação pede ainda que a indicação seja cumprida no prazo máximo de 180 dias, sob pena de multa diária de R$ 10.000.
Em nova entrevista ao site, a presidente da Afatom-BA reforça que é contra o fechamentos dos hospitais psiquiátricos especializados e que os leitos nos hospitais gerais não substituem esses serviços. Argumenta também que o Governo do Estado, por meio da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab), quer transferir a responsabilidade para o município.
“O Governo Estadual através da Sesab está implantando um programa de governo que transfere as responsabilidades da média e alta complexidade para os municípios, familiares e sociedade, causando desassistência, aumento de suicídios, homicídios e deixando principalmente as mulheres nas ruas vulneráveis, sendo estupradas”.
E acrescenta: “o município tem que oferecer saúde preventiva através dos CAPS. A lei que está baseando a Implantação da Raps é o projeto de lei que não foi aprovado na sua íntegra no Congresso que a Sesab diz atender a luta antimanicomial. Não leva em conta a doença mental em si, apenas sofrimentos psíquicos. Com isso, tem aumento o estigma da sociedade para as pessoas que sofrem de transtorno mental e a desassistência em todos os municípios da Bahia”.
Segundo a diretora técnica do Afrânio Peixoto, Lívia Pires Vasconcelos, pacientes e funcionários foram surpreendidos com uma “ordem” de transferência imediata dos leitos de psiquiatria para o Hospital Crescêncio Silveira (HCS), na noite desta segunda-feira (10). “Apesar de nossas reclamações e tentativas de ganhar tempo para organizar a mudança, o secretário Fábio Vilas-Boas autorizou a transferência dos pacientes para o hospital que se encontra ainda sem as mínimas condições de segurança para os pacientes e para terceiros. Janelas de vidro, muros baixos, fios expostos, falta de equipamentos básicos para atendimento de urgência, entre outros problemas”, detalha.
Ao MP, a diretora informou que o Afrânio Peixoto já funciona de acordo com a reforma psiquiátrica, mantendo o paciente internado apenas durante a crise, em média por duas semanas, e depois ele é encaminhado aos outros equipamentos da rede de saúde mental. “Concordamos com a transferência dos leitos para um hospital geral, porém com a adequação do espaço para os pacientes portadores de transtorno mental. No momento, o Crescêncio Silveira não oferece condições de segurança para um paciente em crise, já que, muitas vezes, os quadros de agitação psicomotora, agressividade e alto risco para suicídio, que respondem pela maioria das causas de internamento, ocasionam risco para si e para terceiros. Outra atitude temerosa é manter homens e mulheres num mesmo espaço”, argumenta.
Além disso, Lívia Pires Vasconcelos diz que com a judicialização da saúde aumenta o número de internações compulsórias. “Pacientes sem crítica sobre seu estado de saúde, dependentes químicos, em conflito com a lei e que não aceitam o tratamento, são internados por mandado judicial e apresentam alto risco de fuga”.
Ela afirma também que a escala médica, que atende uma média de 100 pacientes por dia no ambulatório, “ao mesmo tempo fica de sobreaviso para intercorrência das enfermarias”. “Se os pacientes forem para outra unidade, separada do ambulatório, desta forma súbita, não temos como disponibilizar médicos para prestar assistência aos leitos durante o funcionamento do ambulatório, que fica a quilômetros de distância, sem causar prejuízo no atendimento à população”, finaliza.
Além do Afrânio Peixoto, segundo a presidente da Afatom-BA, também serão fechados outros dois hospitais baianos que atendem pacientes com transtornos mentais: Mário Leal, com 30 leitos, e o Juliano Moreira, que dispõe de 178 leitos. “É muito preocupante essa decisão do governo que vai causar uma desassistência grande. Se fechar, o caos vai se instalar na Bahia. Vai aumentar a quantidade de suicídio, homicídio, de moradores de rua, de mulheres estupradas. Ficarão desassistidos pacientes que em momentos de surto precisam ser imediatamente internados”.
A Sesab foi procurada, e deve enviar um posicionamento sobre a situação.
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