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Reforma trabalhista: não promove novos empregos e vai piorar os que sobrarem

Imagem Reforma trabalhista: não promove novos empregos e vai piorar os que sobrarem
Bnews - Divulgação

Publicado em 23/01/2018, às 10h29   Vitor Filgueiras*


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A chamada Reforma Trabalhista foi aprovada pelo Congresso e passou a valer no final do ano passado. Trata-se de um conjunto de mudanças nas leis que protegiam os trabalhadores e seu objetivo é dar mais poder às empresas, reduzindo direitos, piorando condições de trabalho e de vida dos seus empregados. Certamente não é isso o que você lê e ouve nas grandes empresas de televisão, rádio, jornais e internet. 

Comparada à Reforma da Previdência, a Trabalhista provocou pouca resistência das suas principais vítimas: os trabalhadores assalariados, pessoas que compõem a grande maioria do mercado de trabalho. Um dos fatores que explicam essa passividade das dezenas de milhões de indivíduos diretamente prejudicados pela Reforma Trabalhista é o massacre ideológico que os maiores grupos de comunicação exercem diariamente. A todo tempo, assistimos reportagens, lemos artigos, ouvimos afirmações de que a redução do desemprego, o crescimento do número de postos de trabalho, ou mesmo apenas sua manutenção, depende da redução dos direitos trabalhistas, também apelidada de flexibilização. 

A ideia que tentam nos vender é fundamentalmente simples e aparentemente lógica. Se as empresas reduzem direitos, se podem demitir mais facilmente, se podem mudar horários de trabalho à vontade, não pagar horas extras, etc., os patrões reduzem custos e podem usar esse dinheiro que sobra para investir em novas lojas, novas fábricas, enfim, para aumentar a produção e gerar mais empregos. Essa ideia é muito antiga, mas reaparece de tempos em tempos como se fosse uma novidade trazida pela globalização, pela concorrência da China, pela tecnologia...

Saiba que essa ideia de que os empregos surgem com a redução do custo do trabalho já foi testada muitas vezes na prática, mas os resultados não parecem nada animadores. Por exemplo, no Brasil, na década de 1990, uma série de medidas contribuíram para que o custo do trabalho caísse, contudo, o desemprego subiu muito, assim como a informalidade dos postos sobreviventes. Nos anos 2000, ao contrário, os salários subiram sistematicamente, o desemprego sofreu grande queda, enquanto cresceu o trabalho com carteira assinada. Ou seja, no mundo real a ideia aparentemente lógica foi duas vezes negada. Isso não é coincidência. Mesmo que, para o empresário individual, o corte nos custos faça sobrar mais dinheiro para a empresa, por que ele irá investir, se a procura por seus produtos não aumenta com a redução dos salários no conjunto da economia, ou seja, se quem trabalha tem menos dinheiro para comprar? Pior, a redução geral da renda dos trabalhadores pode levar a uma queda na demanda e na produção, aumentando o desemprego.

Se não há razões para esperar o aumento de emprego relacionado à Reforma Trabalhista, sobram motivos para crer numa piora generalizada das condições dos trabalhadores. Uma das bases da Reforma é permitir que acordos entre patrões e sindicatos passem por cima da lei. Veja bem, aqui também as grandes empresas de comunicação quase sempre tentam te enrolar, falando que a Reforma promove a negociação. Isso é mentira. A negociação sempre foi possível e valorizada pela legislação trabalhista no Brasil, desde que aumentasse os direitos. Era proibido apenas retirar direitos. Assim, ao dizer que o negociado vale mais do que legislado, a única coisa nova que a Reforma traz é justamente permitir a retirada de direitos dos trabalhadores.

A Reforma Trabalhista busca retirar direitos trabalhistas em vários temas e de diversos modos, seja permitindo o aumento das jornadas de trabalho, diminuindo períodos de descanso, retirando pagamentos de horas extras, dificultando o acesso à Justiça pelos trabalhadores prejudicados, dentre muitos outros exemplos que poderiam ser apresentados.

Vale destacar o fato de que, nos últimos anos, e particularmente em 2017, duas tendências muito ruins para os trabalhadores têm ocorrido no mercado de trabalho brasileiro. A Reforma Trabalhista deve intensificar essas tendências, pois procura justamente incentivá-las. A primeira é a contratação de trabalhadores assalariados sem carteira. A Reforma ajuda diretamente nesse processo ao generalizar a terceirização, incentivando a contratação de trabalhadores como se fossem empresas, e ao ampliar as possibilidades de contratação de trabalhadores como se fossem autônomos. Em 2017, em 6 meses (entre o primeiro e o terceiro trimestres), cresceu em mais de 1,5 milhões o número de empregados sem carteira ou trabalhadores supostamente por conta própria. Além de condições geralmente mais precárias, ambos têm rendimentos médios bem abaixo dos empregados com carteira assinada.

A segunda é a contratação de trabalhadores sem períodos previsíveis de trabalho. A Reforma importou a ideia de trabalho intermitente, que, na prática, deixa o trabalhador esperando um chamado da empresa para trabalhar, sem qualquer jornada ou salário garantido. Em 2017, entre o primeiro e o terceiro trimestres, cresceu em mais de 1 milhão o número de pessoas que trabalhavam menos horas do que gostariam, ou seja, eram subocupados.

É preciso esclarecer que essa condição de subocupado é uma das formas de desemprego oculto, ou seja, o desemprego que não aparece imediatamente nas pesquisas de emprego. A outra é o desemprego oculto por desalento (também chamado força de trabalho potencial), que são as pessoas que gostariam de trabalhar, mas desistiram ou não puderam procurar emprego na semana em que foram entrevistadas pela pesquisa. Pois bem, ao final do terceiro trimestre de 2017, a soma de trabalhadores subocupados e força de trabalho potencial (os desempregados ocultos) era superior do que a queda da desocupação no período, ou seja, não é possível afirmar que o número de desempregados efetivamente diminuiu no ano passado.

Querem que você acredite que retirar seus direitos de trabalhador é um sacrifício para aumentar a quantidade de empregos. Já ouvimos essa mesma conversa e já vivemos isso antes. Salários caíram, condições de trabalho pioraram e o desemprego aumentou. A história tende a se repetir duas vezes como tragédia, caso você não reaja.

*Professor de Economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Pós-doutorado em Economia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). (2016) Estágio de Pós-doutorado (SOAS, Universidade de Londres, 2015) Doutorado em Ciências Sociais pela UFBA (2012). Mestrado em Ciência Política pela UNICAMP (2008). Graduação em Economia pela UFBA (2005). Secretário da Associação Brasileira de Estudos do Trabalho (ABET). Foi Auditor Fiscal do Ministério do Trabalho entre 2007 e 2017. 

Classificação Indicativa: Livre

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