Economia & Mercado

Entendendo Economia: Economia, Política e Corrupção 

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Publicado em 27/02/2018, às 18h26   Luiz Filgueiras



A história recente do Brasil é marcada por inúmeros eventos nos quais economia, política e corrupção se entrelaçam fortemente; algumas vezes provocando rupturas institucionais que redefinem e/ou reacomodam o “bloco político no poder” e reorientam as políticas econômico-sociais do Estado. A atual conjuntura brasileira ainda é um desdobramento do último desses eventos, qual seja: o impeachment da Presidente Dilma Roussef - cujas gravíssimas implicações econômicas, sociais e políticas estão cada dia mais evidentes.

Mas isso não é novidade na história do país; já tivemos outros eventos desse mesmo tipo: a campanha contra a corrupção, o “mar de lama”, que culminou no suicídio do Presidente Getúlio Vargas (1954); a eleição de Jânio Quadros, impulsionada pelas denúncias de corrupção no Governo JK e simbolizada pela sua famosa vassoura (1961); o Golpe Militar de 1964, cujas motivações, além do anticomunismo, também incluíam, com muita ênfase, o combate à corrupção e aos corruptos; a eleição de Collor de Mello, o “caçador de marajás”, que iria purgar todos os males do país (1989) e sua posterior deposição, através de seu impeachment, ponto culminante de uma campanha de denúncias e investigações sobre um estado generalizado de corrupção em seu governo (1992). 

Desde logo, conforme evidenciado por todos esses exemplos, constata-se que o sujeito político acusado de corrupção é sempre aquele que está no governo, ou vai assumi-lo; ou seja, a bandeira anticorrupção é sempre uma arma utilizada pelas forças políticas que não estão no poder, mas querem chegar a ele, se possível, antes das próximas eleições.

O ponto comum a todos esses eventos é a criação e o uso instrumental de movimentos contra a corrupção (os Manifestoches da Escola de Samba TUIUTI), através de campanhas pela moralidade pública, para alavancar politicamente interesses particulares de classes e frações de classe, e de partidos, grupos e corporações mais específicos, que não podem ser explicitados enquanto tal. Desse modo, a experiência e a história têm demonstrado, sistematicamente, que as campanhas e movimentos políticos contra a corrupção, no Brasil e em todos os lugares do mundo, se constituem, invariavelmente, na ponta do iceberg.

A experiência e a observação empírica evidenciam que a corrupção enquanto fenômeno social e político, não é uma especificidade do Brasil, e nem mesmo dos países ditos subdesenvolvidos; ela está presente em todos os países do mundo, inclusive naquele que detém, no plano mundial, a hegemonia econômica, política e militar, qual seja, os EUA. Poderiam aqui ser citados fatos envolvendo corrupção, que ganharam repercussão mundial, na Alemanha, no Japão, na Itália, na França, na Suíça, na Espanha, na Coreia do Sul etc. 

No entanto, basta mencionar o exemplo do comportamento, generalizadamente fraudulento e criminoso, dos agentes econômicos e políticos do mercado financeiro dos Estados Unidos (bancos, fundos de investimentos, fundos de pensão, seguradoras e agências de avaliação de risco) no processo que desembocou na crise mundial do capitalismo iniciada em 2007/2008. E, apesar disso, e do fundamentalismo de mercado professado por esses agentes, que acreditam na absoluta eficiência do mercado e em sua capacidade de autorregulação – conforme a ideologia e a doutrina neoliberal - foram todos resgatados do naufrágio pelo Estado, através da transferência de enorme montante de recursos públicos e tendo, como contrapartida, o aumento da dívida pública dos EUA.

Esse exemplo, de entrelaçamento do tripé economia-política-corrupção, evidencia que a corrupção não é um fenômeno social restrito ao âmbito dos Estados e dos servidores públicos; muito pelo contrário, ela está entranhada no comportamento cotidiano dos indivíduos, grupos e em todo tipo de instituições (privadas e públicas) – materializando-se em uma grande variedade de delitos considerados de maior ou menor monta. Ela está presente no âmago das sociedades, nas relações econômicas estabelecidas no âmbito do setor privado e nas relações econômicas e políticas deste com o Estado. Adicionalmente, o exemplo também evidencia, pela leniência das agências governamentais dos Estados Unidos, que o chamado patrimonialismo, a apropriação do público pelo privado, bem como a estreita relação entre mercado e Estado, também não se restringem ao Brasil, e demais países periféricos; essa prática não é o pecado original dos países “atrasados” econômica, política e culturalmente, ela é uma realidade que está presente também nos países de maior desenvolvimento capitalista.

Desse modo, a prática da corrupção, apesar de condenada por todos, não é algo exógeno à economia e à política no capitalismo; ao contrário, ela é inerente a essas duas esferas, nas quais os diversos interesses sociais se confrontam e disputam poder econômico e político. 

O uso reiterado e a funcionalidade, aqui e lá fora, da bandeira do combate à corrupção, como instrumento para se atingir objetivos políticos e econômicos particulares, se devem à amplitude e maleabilidade do seu significado e do conteúdo de suas práticas - que permitem enquadrar, de forma vaga e genérica, os adversários políticos como inimigos de toda a sociedade, desqualificando-os como sujeitos políticos a partir de um ponto de vista da moral consensual, constitutiva do senso comum. Portanto, trata-se sempre de uma operação de deslocamento da política pela moral, que procura despolitizar os confrontos dos distintos interesses de classe e frações de classe, ao trazer para o primeiro plano da vida social valores e juízos morais (e até religiosos) para julgar e legitimar, ou não, as ações dos distintos agentes e sujeitos, individuais e coletivos. Em suma, o uso da moral serve para encobrir a existência das classes sociais, dos distintos interesses de classe e da luta de classes.

Em geral, as campanhas de denúncia da corrupção política e a bandeira de combate à corrupção se beneficiam de uma conjuntura de crescente insatisfação da sociedade com o governo da hora, em razão do agravamento da situação econômica do país: desaceleração do crescimento ou mesmo uma recessão, com aumento do desemprego e queda da renda; crescimento da inflação e fragilização financeira do Estado. O uso político da corrupção potencializa e galvaniza a insatisfação com o governo, num processo em que as críticas econômicas e políticas se fundem com a crítica ético-moral - estimulando-se e alimentando-se reciprocamente. No decorrer desse processo, o tema da corrupção coloca em segundo plano todas as outras questões, constituindo-se no mote principal, e quase exclusivo, da crítica ao governo; no limite, podendo inviabilizá-lo institucionalmente. A derrubada do Governo Dilma, através de seu impeachment - com o Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal operando seletivamente -, seguida pelo Governo Temer e o seu programa político-econômico de reformas neoliberais se encaixam exatamente nesse figurino.

* Luiz Filgueiras é Professor Titular da Faculdade de Economia da UFBA. Doutor em Teoria Econômica pela UNICAMP e Pós-Doutorado em Política Econômica pela Universidade Paris XIII. Autor do livro “História do Plano Real” (Editora Boitempo: 2000, São Paulo; última edição em 2016) e coautor do livro “Economia Política do Governo Lula” (Editora Contraponto: 2007, RJ). 

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