Economia & Mercado

O caminho para o fim do investimento público com o Governo Temer

Imagem O caminho para o fim do investimento público com o Governo Temer
Bnews - Divulgação

Publicado em 02/05/2018, às 10h03   Silas da Silva, Júlia Brito e Uallace Moreira*


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Um dos principais elementos de política do governo para estimular o crescimento econômico, em praticamente todos os países do mundo, é o de investimento público. O investimento público, as despesas do governo que aumentam o estoque de capital de um país, seja essa despesa em infraestrutura física (como com a construção de estradas, ferrovias, portos e aeroportos) ou ciência e inovação (como o investimento em educação e o incentivo a pesquisa), promove o crescimento econômico, gera renda e conduz um país a um patamar de maior nível de produtividade e competitividade na economia mundial. 

O investimento público também cria as bases necessárias para o florescimento de um setor privado mais forte e competitivo. Isso porque toda a infraestrutura criada pelo governo beneficiará diretamente o setor privado. O raciocínio é simples: são nas estradas criadas pelo governo que as empresas privadas levarão seus produtos aos mais diversos mercados do país. Ao investir em melhores estradas, o governo garante custos menores para as empresas transportarem seus produtos. 

Outro exemplo pode ser dado pela economista Mariana Mazzucato, em seu livro “O Estado Empreendedor”: tecnologias como telas touch screen, GPS, telas de cristal líquido, microprocessadores e até a internet, coisas tão comuns no dia a dia de grande parte da população, não surgiram no setor privado, mas sim no setor público, a partir do investimento público em pesquisa e inovação. Para além disso, é sabido que o investimento público é acima de tudo uma forma de alavanca econômica, isto é, uma variável essencial para determinar o crescimento econômico de qualquer país. O gasto do governo em investimento público, ainda mais em tempos de crise, pode ser crucial para trazer promover a retomada do crescimento econômico. Isto porque, quando bem fundamentado, o investimento de ordem pública gera emprego e renda, fazendo com que as pessoas que em momentos de crise estão desempregadas e se veem fora da parcela da população que possuem poder aquisitivo, consigam empregos e voltem ao seu papel de consumidoras e acabam por injetar seus salários de volta na economia. 

O uso do investimento público para retirar um país de uma recessão ou de uma depressão foi utilizada diversas vezes na história. Para Keynes, o Estado seria o único capacitado a adotar medidas capazes de conferir equilíbrio e estabilidade ao sistema econômico, medidas essas que incrementariam o pleno emprego e desencorajariam o entesouramento. Talvez o exemplo mais famoso seja o New Deal, o programa de inegável sucesso do governo Roosevelt para retirar os Estados Unidos da Grande Depressão de 1929. Recentemente, a mesma ferramenta foi utilizada pela China, que após a crise de 2008 alavancou seus investimentos públicos em infraestrutura e conseguiu rapidamente se recuperar. Em 2016, a China já investia mais em infraestrutura que os EUA e a Europa juntos.

No Brasil, na crise de 2008, o investimento público foi essencial para a retomada do crescimento e da geração de emprego. A taxa de investimento público como proporção do PIB saiu de um patamar de 4,1 em 2002 e alcançou o patamar de 6,1% em 2014. Esse crescimento da taxa investimento público foi consequência dos grandes projetos públicos implementados nos últimos anos, como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), Minha Casa Minha Vida, investimentos em infra-estrutura, etc. O resultado do crescimento do investimento público no Brasil nesse período foi um maior crescimento econômico, queda do desemprego e aumento da renda da população. 

Entretanto, a partir de 2015, com o Governo Temer, o Brasil, por outro lado, seguiu um caminho diferente. Como mostram os dados disponibilizados pela Instituição Fiscal Independente (IFI), o investimento público teve uma queda livre a partir de 2014 com o Governo Temer, chegando ao fundo do poço em 2017, quando União, Estados e municípios investiram o equivalente a 1,17% do Produto Interno Bruto (PIB) – o menor nível em quase 50 anos. A situação é tão grave que, em 2017, o dinheiro aplicado pelos três níveis de governo não foi suficiente nem mesmo para garantir a conservação de estradas, prédios e equipamentos que pertencem ao poder público. 

Não à toa, foi a partir de 2014 que o discurso do ajuste fiscal e da austeridade começou a virar hegemônico dentro do governo brasileiro, tendo o investimento público como uma das principais vítimas. Primeiro com o ministro da fazenda Joaquim Levy, ainda no segundo Governo Dilma, e depois no Governo Temer, onde o avanço do discurso da austeridade se potencializou. De modo geral, austeridade é quando o governo julga que o déficit público está alto demais e para controlar essa situação, corta gastos. O investimento público, quando considerado como gasto, é um dos principais alvos do corte de despesas. 

E o auge dessa política no governo Temer foi a famosa Proposta de Emenda Constitucional de 2016, a PEC-55/2016, que, basicamente, propõe limitar as despesas públicas por vinte anos afim de, com isso, recuperar o controle do déficit orçamentário. Lembrem de que a principal componente dos gastos públicos, os juros, não foi congelada, ou seja, o governo continua pagando juros altíssimos para os banqueiros, enquanto os gastos correntes e o investimento público estão em franco declínio. Essa medida levantou uma bateria de questionamentos de ordem econômica e social: é a melhor medida? É prudente congelar as despesas, mesmo que corrigidas anualmente pelo IPCA – Índice nacional de preços ao consumidor amplo, quando setores como saúde e educação já têm uma qualidade tão abaixo do esperado no país? Qual o custo social dessa medida de contenção de gastos? E porque, ao invés disso, não há propostas que visem o aumento da receita governamental? São uma série de perguntas que o governo não conseguiu responder para a sociedade, já que seu objetivo é apena atender aos interesses do chamado “mercado”. 

Essa política do governo Temer é embasada numa visão de automatismo de mercado, onde afastar o investimento público leva, consequentemente, ao aumento do investimento privado. E, em paralelo, à privatização de diversas estatais, com a justificativa de aumentar os recursos da União, aumentar a eficiência dos serviços, reduzir custos da indústria brasileira e promover o crescimento econômico. Tais propostas casam com políticas neoliberais de não intervenção do Estado na Economia para atender os interesses da sociedade, mas uma intervenção para atender aos interesses do grande capital. Por outro lado, dado o histórico do Brasil e de diversas outras economias ao redor do mundo, esse discurso se mostra equivocado e irresponsável com os interesses da sociedade, pois o setor privado sozinho não dá conta de puxar um crescimento econômico sustentável. 
Para voltar a ter um alto crescimento econômico e se tornar um grande protagonista dentro da economia global, o Brasil precisa de fortes investimentos públicos. Para isso, o papel do Governo e de suas empresas estatais devem ser reafirmados como os impulsionadores do desenvolvimento econômico. Na falta dessas condições, o Brasil continuará sendo renegado ao seu papel de economia dependente da periferia mundial, o que implicará no permanência do Brasil como um país desigual e pobre.

Silas da Silva - Pesquisador do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Faculdade de Economia-UFBA. Graduando em Economia pela UFBA.

Júlia Brito -  Pesquisadora do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Faculdade de Economia-UFBA. Graduanda em Economia pela UFBA. 

Uallace Moreira - Pesquisador do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Faculdade de Economia da UFBA. é Doutor em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE/UNICAMP).  Professor de Economia da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (FE/UFBA).

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