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O reconhecimento da legalidade da terceirização na atividade-fim

Imagem O reconhecimento da legalidade da terceirização na atividade-fim
Bnews - Divulgação

Publicado em 11/09/2018, às 21h54   Ariane Pereira e Loyana Araujo*


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A terceirização se apresenta, a partir dos anos 1990 no Brasil, enquanto prática característica da chamada acumulação flexível do capital. Como enuncia a professora Graça Druck, essa nova forma de gestão do trabalho, que promove a fragilização e precarização dos vínculos empregatícios, está relacionada ao processo de reestruturação produtiva do sistema capitalista globalizado e das políticas neoliberais. Desde sua implementação, a contratação de mão-de-obra através de figuras interpostas tornou-se corriqueira, tanto nos setores industrial e comercial, quanto na prestação dos serviços públicos e privados. 

A edição do Enunciado 331 do Tribunal Superior do Trabalho, em 1993, firmou entendimento sobre o tema, regulando os contratos de terceirização. De acordo com esse dispositivo, é ilícito o trabalho terceirizado nos casos em que se configure a pessoalidade e a subordinação direta, e que envolvam o exercício das atividades-fim da empresa tomadora de serviços. 

A terceirização, desde sua origem, está associada às condições precárias de trabalho, marcadas pela sobrecarga da jornada, pela diminuição da remuneração, menor proteção legal e maior exposição aos riscos de acidentes. Esse quadro não é diferente quando se observa a categoria de terceirizados no teleatendimento, setor composto em sua maioria por mulheres e jovens.

A precarização da função de teleoperador(a) terceirizado(a) pode ser constatada ao se analisar os processos no âmbito da Justiça do Trabalho, como revela a pesquisa realizada por estudantes do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Faculdade de Economia da UFBA. Os dados coletados são referentes aos acórdãos divulgados nos meses de Agosto, Setembro e Outubro de 2017, ajuizados por trabalhadores de empresas de call center no Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região. O estudo descobriu que, das 285 decisões preferidas no período, em 242 (85%) há pedidos de reconhecimento de fraude no contrato de terceirização, alegando que o teleatendimento se insere nas atividades fim das empresas tomadoras de serviços. Desses processos, em 218 (90%) houve a declaração da ilicitude da terceirização na 2ª instância, expondo o entendimento majoritário da jurisprudência no sentido de considerar a terceirização da atividade-fim como ilegal.

A chamada Reforma Trabalhista (Lei 13.467) aprovada em 2017 e a recente decisão com repercussão geral do Supremo Tribunal Federal ao Recurso Extraordinário (RE) nº 958.252, proferida no dia 30 de agosto, declararam a licitude da terceirização independente do objeto social das empresas envolvidas, isto é, legalizaram a terceirização referente à atividade-fim. Essa modificação legal foi fundamentada em argumentos como o da necessidade de não interferência do Estado na gestão do trabalho e o da suposta dificuldade de identificação por partes dos juízes das diferenças entre as atividades meio e fim realizadas pelas empresas contratantes. As justificativas que sustentam tais alterações ignoram a realidade, visto que é possível observar uma uniformidade no entendimento dos tribunais quanto à ilegalidade da terceirização da atividade fim, como já apresentado nos dados acima. Além disso, é importante relembrar que o próprio conceito de terceirização defendido pelas empresas interessadas na contratação de mão-de-obra terceirizada se baseia na distinção entre a atividade fim e a atividade meio, como foi sustentado durante a formulação da súmula 331 do TST. Portanto, a defesa pela livre iniciativa nas formas de contratação busca a redução dos direitos, através da não condenação das empresas que praticam a terceirização irrestrita.

Na pesquisa realizada pelo NEC, as empresas tomadoras de serviços que configuram o polo passivo das ações examinadas são, em sua maioria, instituições bancárias ou financeiras, a exemplo de um mesmo banco que foi réu em 146 processos das 285 decisões coletadas. O reconhecimento judicial da fraude na terceirização dos vínculos estabelecidos no setor teleatendimento resulta na condenação do pagamento dos valores referentes à equiparação salarial e a aplicação dos mesmos benefícios que possuem os(as) funcionários(as) contratados(as) diretamente por estas empresas. Considerando tais consequências, é possível identificar a dinâmica da exploração ocasionada pela transferência da gestão do trabalho para terceiros, a fim de isentar as empresas contratantes da responsabilidade de garantir as condições e remunerações adequadas aos trabalhadores. 

As alterações na esfera jurídica influem no cenário de desregulamentação do direito do trabalho e tornam as relações trabalhistas ainda mais inseguras para os(as) trabalhadores(as), especialmente para aqueles submetidos às condições precárias como os(as) terceirizados(as). Portanto, o desafio vigente está na construção de formas de resistência contra o desmonte da Justiça do Trabalho para garantir a eficácia dos direitos sociais dos trabalhadores, como assevera a Constituição Federal de 1988.

* Ariane Pereira - Pesquisadora do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Bolsista do grupo de pesquisa "Caminhos do Trabalho", participante da extensão universitária do Núcleo de Assessoria Jurídica Popular do SAJU (Serviço de Apoio Jurídico da UFBA), e graduanda do curso de direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

* Loyana Araujo – Pesquisadora do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Bolsista do grupo de pesquisa "Caminhos do Trabalho", integrante do Coletivo Madás e graduanda do curso de direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Classificação Indicativa: Livre

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