Economia & Mercado

Neoliberalismo, reforma trabalhista e desafios para a classe trabalhadora

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Bnews - Divulgação

Publicado em 12/02/2019, às 17h53   Adalberto Oliveira da Silva*


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Sob a lógica do neoliberalismo, as reformas trabalhistas, introduzidas pelos Estados, representam mudanças na regulação pública do trabalho, com impactos na gestão da força de trabalho e na estrutura deste mercado. Assim, para entender este processo e seus reflexos sobre os trabalhadores, a discussão deve pautar-se pela compreensão do pensamento neoliberal e de como ele reordena o papel do Estado, especialmente na relação entre capital e trabalho. 

A economia mundial caracteriza-se, desde os anos 1970, por um vigoroso processo de liberalização e desregulamentação dos mercados empreendido pelo modelo neoliberal, mas cujo foco real de sua proposta não está no mercado em si, mas no redesenho de Estados, leis e instituições para proteger o próprio mercado através de um novo quadro jurídico-institucional. Esse “novo” papel do Estado, perante a relação capital/trabalho, almeja a mercantilização tanto das ações de promoção de políticas para geração de emprego, como da própria regulação pública do trabalho, mirando a modificação da estrutura dos mercados de trabalho e do universo de direitos trabalhistas, sendo a profundidade das mudanças ditadas pelas particularidades de cada país.

Em síntese, uma reforma trabalhista, que pode compreender desde medidas pontuais até mudanças profundas nas legislações trabalhistas, busca transformar substancialmente as relações de trabalho de forma estrutural, em sua maioria, conjugando pautas para a diminuição dos níveis existentes de regulação deste mercado, caracterizando a necessária “flexibilização” das relações laborais almejadas por seus defensores. 

Mas o emprego do termo flexibilização imputa um falso aspecto positivo na adoção destas reformas. A flexibilização defendida só atende ao rebaixamento ou eliminação das condições do trabalhador em várias esferas sociais: condições de trabalho, jornada, remuneração, contratação, aposentadoria, qualificação profissional, enfraquecimento das negociações coletivas (sindicatos), dentre outros. Portanto, numa perspectiva crítica este processo representa uma precarização do trabalho nos seus diferentes aspectos.

Este movimento que visa flexibilizar a proteção do emprego e desregulamentar as leis trabalhistas, fundamenta-se, principalmente, em dois argumentos político-econômicos. O primeiro versa sobre a necessidade de reformas para garantir a diminuição das taxas de desemprego que assolam um número significativo de países; enquanto para o segundo, o custo do trabalho representa um fator importante nos ganhos de competitividade da produção no mercado internacional. Por parte dos grupos empresariais e governos, a narrativa sustenta que as legislações trabalhistas impedem o funcionamento adequado do mercado de trabalho, bloqueiam a criação de empregos e interferem negativamente no processo de compra e venda da força de trabalho.

Porém, o exame das experiências de reformas trabalhistas evidencia o caminho para a subsunção permanente do trabalho na lógica da acumulação flexível, vigente no capitalismo contemporâneo. Estas são as bases objetivas para a apologia da necessidade de mudanças nas legislações trabalhistas, condizente com uma “nova” regulação pública do trabalho, em vista da emergência de um mercado global de trabalho que, de forma imperativa, condiciona os países a inserir-se no comércio e circuito de investimentos internacionais ditado pelo grande capital. 

Diante disso, a classe trabalhadora necessita debruçar-se sobre dois aspectos: primeiro, a noção de pertencimento de classe que acaba por diluir-se, devido às novas formas de gestão da força de trabalho, orientadas pelos princípios do individualismo e da liberdade dos mercados; e, segundo, a pertinência da luta política em defesa da regulamentação do trabalho via legislação trabalhista.  

O primeiro desafio congrega o esforço de reconectar a classe trabalhadora sobre novas bases, traçando os aspectos que caracterizam a forma de ser dos trabalhadores diante do aparecimento de novas contradições em sua relação com o capital. A nova gestão da força de trabalho busca diferenciar os trabalhadores, enquanto indivíduos, o que possibilita a emergência de situação sentida coletivamente pela propagação de formas de trabalho cada vez mais precarizadas, em razão do desmonte das garantias e dos direitos trabalhistas que tende a abarcar toda a classe trabalhadora.

Já o segundo desafio se torna evidente se pensarmos na exploração desenfreada do trabalho pelo capital pretendida por este processo. Tais reformas potencializam um efeito devastador, pois permitem com a desconstrução das regras e normas vigentes uma situação de fragilização total dos trabalhadores nos processos de negociação junto aos capitalistas. Aqui há a necessidade de luta política para deslegitimar a narrativa de incompatibilidade entre as novas mudanças do mercado de trabalho e as formas de regulamentação via leis trabalhistas regulares. 

Portanto, uma teoria da precarização do trabalho se faz necessária. A partir disso, teremos condições de desvelar o discurso da modernização das legislações trabalhistas, ao qual subjaz a precarização e intensificação do trabalho, a diminuição dos direitos trabalhistas pela reorientação do papel do Estado. Este é um dos caminhos para subsidiar a luta da classe trabalhadora diante dos desafios de um mercado global de trabalho e de um quadro regulacional sob a lógica do neoliberalismo.

*Adalberto Oliveira da Silva - Colaborador do Núcleo de Estudos Conjunturais (NEC) da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), doutorando em Economia pela UFBA, ex-assessor técnico do DIEESE e ex-professor de Ciências Econômicas da UNIP.

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