Eleições

Fundos públicos deram R$ 1,7 milhão a candidatos que precisavam de só 1 voto para se eleger

Agência Brasil
Postulantes a prefeito que sequer tinham adversário aplicaram verba em santinhos, adesivos, jingles e lives  |   Bnews - Divulgação Agência Brasil

Publicado em 18/01/2021, às 06h08   Folhapress


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Fontes públicas de financiamento de campanhas, os fundos eleitoral e partidário distribuíram, juntos, cerca de R$ 1,7 milhão para candidatos a prefeito que concorriam sozinhos em 2020 e que, portanto, só precisavam de um voto válido cada para se eleger.

A eleição municipal contou com 106 chapas do tipo, das quais 68 foram agraciadas com recursos públicos, segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral). A essas foram cedidos R$ 1.735.898, a maior parte proveniente do fundo eleitoral (92,23%), que colocou ao todo R$ 2,035 bilhões no pleito de 2020.

Tabulados pela Folha, os números aparecem nas contas declaradas pelos candidatos à Justiça Eleitoral. A prestação dos eleitos em primeiro turno foi encerrada no dia 15 de dezembro; no entanto, os dados não têm consolidação automática e podem sofrer variações, segundo o TSE.

Mesmo com a vitória garantida, os candidatos únicos, de municípios que têm, segundo projeções do IBGE, entre 982 e 36.881 habitantes, não economizaram verba pública em santinhos, adesivos, jingles e lives. Gastaram ainda no apoio às candidaturas a vereador de aliados e com assessorias jurídica e contábil.

Entre as candidaturas isoladas, a que recebeu maior repasse público foi a da prefeita Larissa Rocha (PSD), reeleita em Tenente Ananias (RN), de 10.855 habitantes, com R$ 100 mil cedidos pelo fundo eleitoral e integralmente gastos pela então candidata.

Ela destinou a maior parte (R$ 76,6 mil) às redes sociais, com vídeos e lives superproduzidas em que costumava minimizar o fato de ser candidata única e pedia comparecimento às urnas, o que deu resultado: recebeu 4.510 votos e terá cinco correligionários entre os sete vereadores na Câmara Municipal.

O prefeito reeleito de Jupi (PE), Marcos Patriota (DEM), aparece em segundo entre os candidatos isolados que tiveram aporte público, com R$ 90.040,10 recebidos do fundo partidário. Em meio à pandemia da Covid-19, ele também se concentrou na campanha digital, à qual destinou R$ 50 mil.

Em terceiro, aparece Moises Aparecido de Souza (PSD), conhecido como Professor Moises, reeleito para mais quatro anos à frente da Prefeitura de Catanduvas (PR). Ele recebeu R$ 75 mil do fundo eleitoral e tem declarado como sobras R$ 5.648,23.

O prefeito dividiu os gastos entre materiais gráficos e repasse aos candidatos a vereador de sua coligação, que incluiu também PSC, PL e PT, além de ter credenciado 28 fiscais, que receberam R$ 100 cada, para acompanhar a votação no município de 10.167 habitantes.

Na sequência do ranking das candidaturas isoladas com maior aporte público, aparecem Matheus Martins (PSB), reeleito em Terezinha (PE), e a prefeita eleita de Jurema (PI), Kaylanne Oliveira (MDB), que receberam R$ 70 mil e R$ 65 mil, respectivamente.

Ambos concentraram gastos em santinhos e adesivos. No caso de Martins, há declarada uma sobra do fundo eleitoral, de R$ 472,12, o que não há nas contas de Kaylanne, que, entre suas despesas, tem R$ 10,3 mil destinados para a compra de fogos de artifício.

Candidatos únicos que não tiveram apoio dos fundos também tiveram gastos, mas em menor medida. Entre eles, a média de despesas contratadas foi de R$ 19.705,37, menos da metade do que de quem recebeu dinheiro público, que contratou R$ 41.457,71.

Os candidatos agraciados com o aporte não precisavam necessariamente usar todo o montante recebido. No caso da verba do fundo eleitoral, o que não fosse gasto deveria ser devolvido à União. Até então, do valor cedido às candidaturas únicas, apenas R$ 31.992,46 constam como sobras de campanha.

O repasse do dinheiro público a elas atendeu às regras dos próprios partidos, que tiveram, a depender de sua representatividade no Congresso, maior fatia do fundo eleitoral, criado em 2017 para suprir a proibição de doações privadas e de pessoas jurídicas. A única exigência do TSE é que houvesse aplicação proporcional para mulheres e negros.

Os maiores repasses dos fundos públicos às candidaturas únicas
1. Larissa Rocha (PSD), Tenente Ananias (RN) - R$ 100.000

2. Marcos Patriota (DEM), Jupi (PE) - R$ 90.040

3. Professor Moises (PSD), Catanduvas (PR) - R$ 75.000

4. Matheus Martins (PSB), Terezinha (PE) - R$ 70.000

5. Kaylanne Olivera (MDB), Jurema (PI) - R$ 65.000

6. Domingos de João Nobre (DEM), Diogo de Vasconcelos (MG) - R$ 64.000

7. Toninho de Caridade (PSD), Caridade do Piauí (PI) - R$ 60.000

8. Ze Willian (PL), Panamá (GO) - R$ 60.000

9. Ailton Guimarães (Avante), Nova União (MG) - R$ 56.124

10. Edson Vilela (PSB), Carmo do Cajuru (MG) - R$ 50.000

10. Glairton Cunha (PP), Jaguaretama (CE) - R$ 50.000

10. Professor Volmar (PSL), Salgado Filho (PR) - R$ 50.000

Candidatos falam em legitimidade e apoio a vereadores
A Folha tentou contato com cada um dos prefeitos citados através do email e redes sociais informados por eles próprios à Justiça Eleitoral. Também procurou por email e telefone os diretórios partidários estaduais de cada um, além de telefonar, no caso dos reeleitos, às prefeituras envolvidas.

No caso da prefeita Larissa Rocha (PSD), a Folha obteve apenas posicionamento da direção nacional de seu partido, que se limitou a pontuar que o repasse dos recursos dos fundos públicos foi definido pelas instâncias partidárias locais.

Professor Moises (PSD) reforçou a legalidade da verba recebida e afirmou ter visto necessidade em usá-la para estimular as candidaturas a vereador de sua coligação, tal como Ailton Guimarães (Avante), que disse ainda ter recusado repasse maior oferecido por deputados.

Glairton Cunha (PP) e Professor Volmar (PSL) pontuaram, ambos em nota, justificativas parecidas. Volmar ainda negou ver desperdício nos gastos e disse só ter tido certeza certeza de que seria candidato único na semana da eleição, quando a Justiça Eleitoral indeferiu, em terceira instância, pedido de registro de coligação adversária, por descumprimento de prazos eleitorais.

Ze Willian (PL), que também justificou a aplicação do aporte público no apoio a aliados que concorriam à Câmara Municipal, disse ser um desperdício precisar concorrer na condição de candidato único: "Deveria mudar a lei, para quando for assim, já ser aclamado vencedor".

​Domingos de João Nobre (DEM) afirmou ter usado todo o recurso na tentativa de obter um resultado robusto, o que, na avaliação dele, daria maior legitimidade ao governo. "Por ser uma cidade muito pequena, o que conta é peso de urna. Já pensou se eu fosse eleito só com o meu voto? Eu queria ter todos os votos", disse o prefeito do município com 3.790 habitantes.

Edson Vilela (PSB) apontou argumento semelhante. "Sem votação expressiva, a representatividade da autoridade municipal seria modesta e frágil", disse, em nota.

Também em nota, Toninho de Caridade (PSD) disse que, independentemente de não ter tido concorrentes, as contas atendem ao limite e aplicações previstas na norma eleitoral.

A Folha não obteve, até a publicação deste texto, retorno dos eleitos Marcos Patriota (DEM), Matheus Martins (PSB) e Kaylanne Oliveira (MDB).

Classificação Indicativa: Livre

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