Eleições

Pandemia, eleição 'fria' e descrença geraram alta de abstenções, dizem especialistas

Agência Brasil
País atingiu maior absenteísmo dos últimos 20 anos, com aumento do índice em todos os estados e capitais  |   Bnews - Divulgação Agência Brasil

Publicado em 17/11/2020, às 06h36   Folhapress


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Especialistas já esperavam aumento de eleitores que não comparecem às urnas nas eleições municipais de 2020, mas consideram alto os 23,14% de abstenções, maior já registrado em pleitos municipais dos últimos 20 anos. Os estudiosos ligam a elevada ausência à pandemia de Covid-19, a uma eleição mais "fria" (em comparação à anterior) e à descrença da população na política.

Nas eleições anteriores, ocorreram sucessivos aumentos nas taxas de ausências. No pleito municipal de 2016, a abstenção foi de 17,6% no primeiro turno e no anterior, em 2012, a taxa foi de 16,9%.

"A taxa de abstenção cresceu tanto no Brasil nessa eleição que acho que o país pode ter adotado, informalmente, o voto facultativo", afirma o cientista político Antonio Lavareda. "O eleitor que não foi votar nessa eleição muito provavelmente não vai votar na próxima se não se vir motivado."

Érica Anitta Baptista, doutora em ciência política pela Universidade Federal de Minas Gerais, diz que era esperado que os números de abstenções deste ano fossem maiores em razão da pandemia e que a porcentagem é elevada para um país com voto obrigatório.

"Na eleição de 2016, a gente já teve um número consideravel de abstenções em um cenário que não tinha pandemia. Não tinha nenhum impedimento para as pessoas irem votar e muito dessa alta abstenção de 2016 foi a descrença mesmo", afirma a especialista.

Ao mesmo tempo, Baptista questiona quão decisiva foi a pandemia no aumento visto das abstenções e diz acreditar que a descrença no sistema político e em candidatos ainda pesa nas taxas de ausência de eleitores.

Todas as capitais do país registraram aumento nas abstenções em comparação ao primeiro turno das eleições de 2016 e algumas atingiram quase o dobro do índice anterior.

Florianópolis, por exemplo, teve 28,65% de abstenções, mais que o dobro do registrado em 2016 (12,2%). Manaus também registrou acentuado aumento e passou de 8,6% no primeiro turno de 2016 para 18,23% neste ano. Já Vitória, que teve 10,8% de abstenções nas eleições municipais anteriores, registrou 25,45% em 2020.

As capitais que tiveram as maiores abstenções neste ano foram Porto Alegre, com 33,1%, e Rio de Janeiro, com 32,8%.

Cláudio Couto, coordenador do mestrado em gestão e políticas públicas da FGV, relaciona o absenteísmo também à perda de força da onda antipolítica, que marcou as eleições de 2018.

"Esse cenário de mais normalidade, de mais tranquilidade em relação à própria política, talvez seja um cenário menos entusiasmante. As pessoas votam, mas não há aquela empolgação e entusiasmo que vêm de um voto, mais afetivo, emocional, como acredito que foram nas últimas eleições", diz.

Para ele, a eleição mais "fria" junto à pandemia levam a menos comparecimento.

Baptista avalia ainda que parte da população está insatisfeita com voto obrigatório há muito tempo. Ela defende, no entanto, a permanência da obrigatoriedade, pelo menos por enquanto.

"Se você coloca o voto como facultativo, você limita o acesso de uma parcela considerável da população. As pessoas têm esse domingo de eleição garantido. Por mais que ela não goste, não concorde, é um dia que ela tem garantido", afirma, referindo-se a obrigatoriedade de que, mesmo quem trabalha no dia da eleição, não pode ser impedido por seu empregador de votar.

Couto afirma que a discussão sobre o voto ser obrigatório sempre existiu e que a tendência nas democracias mais antigas foi o voto deixar de ser obrigatório. "Mas há uma outra leitura, de que o voto não é só um direito, mas um dever com a coletividade", diz.

Os especialistas avaliam que a adoção do sistema de justificativa pelo aplicativo e-título, do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), adotado neste ano para evitar que as pessoas fossem até o local de votação, não deve estimular significativamente um aumento das justificativas.

"Não é um estímulo amplo porque a gente já teve provas no início do pagamento do auxilio emergencial de como é difícil para uma parcela importante da população acessar e usar aplicativos", diz Baptista. "Essa facilidade de justificar pelo app estando fora do domicilio eleitoral deixa a pessoa mais tranquila para justificar, mas não é um tipo de ferramenta de facilidade que atinge todos."

O cientista político Lavareda explica que ações de recadastramento costumam ter como reflexo a diminuição da abstenção em eleições subsequentes, já que há eliminação de contabilização de eleitores que deixaram de votar no município ou que morreram. A biometria foi a forma mais recente delas.

Lavareda lembra, no entanto, que locais que já passaram pelo processo apresentaram alta no índice de ausência de eleitores. Ele exemplifica que Recife, capital que foi de 11,3% em 2016 para 19,9% de abstenções neste ano, por exemplo, já passou pelo recadastramento. O estado do Paraná, cuja capital teve aumento expressivo de ausência nas urnas, também já passou pelo recadastramento biométrico.

Segundo dados do TSE, estão com a biometria concluída o Pará, Rondônia, Roraima, Amapá, Tocantins, Goiás, Paraná, Piauí, Bahia, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas e Sergipe —os demais estão com o processo em andamento.

Todos os estados apresentaram aumento de abstenções neste ano, e, assim como em capitais, alguns registraram mais que o dobro do índice do pleito anterior.

É o caso de Goiás, que foi de 11,3% em 2016 para 23,4% neste ano, do Rio Grande do Sul, que foi de 8,7% para 23,7%, e de Santa Catarina, que passou de 20,4% para 22,5%.

Os votos nulos para prefeito foram de 7,4% em 2016 para 6,2%. Já os brancos registraram índice parecido nos últimos três pleitos municipais: 3,4% neste ano, 3,5% em 2016 e 3,3% em 2012.

Classificação Indicativa: Livre

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