Eleições

Para que servem os debates eleitorais?

Publicado em 18/10/2010, às 10h08   Jaime Barreiros Neto


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* Jaime Barreiros Neto

“Está dada a largada para o segundo turno das eleições presidenciais 2010”! A partir da enfática frase citada, proferida pelo jornalista Ricardo Boechat (mediador do primeiro debate entre os presidenciáveis José Serra e Dilma Rousseff nesta segunda etapa do processo eleitoral, realizado no último dia 10 de outubro, na TV Bandeirantes), oficialmente, na visão de alguns dos mais destacados analistas políticos do país, a batalha decisiva da guerra pela conquista do Palácio do Planalto foi deflagrada, curiosamente dois dias depois do início da propaganda eleitoral gratuita no rádio e TV.

Mas, afinal de contas, qual será, efetivamente, o motivo que tem levado tantos estudiosos da democracia brasileira a desconsiderar o reinício do horário eleitoral gratuito como o pontapé inicial do segundo turno, concedendo esta primazia simbólica ao citado encontro ao vivo promovido na emissora paulista, no último domingo? Corretos estão os analistas que entendem que os debates entre candidatos se constituem nos momentos mais importantes de um processo eleitoral?

Desde o século XVII que o termo “propaganda”, derivado do latim, popularizou-se e difundiu-se no continente europeu, a partir do momento em que o papa Gregório XV criou a “Congregação da Propaganda da Fé”, no que foi seguido pelo papa Urbano VIII, fundador do “Colégio de Propaganda”, que tinha por objetivo preparar sacerdotes para a doutrinação em todo o mundo. No mesmo século XVII, na França, já é possível vislumbrar-se o surgimento do marketing político com o rei Luís XIV, mais conhecido como “O Rei Sol”, que buscava, meticulosamente, associar sua imagem à de um herói, comparando-se a deuses da mitologia grega, como Zeus, o maior de todos os deuses, em esculturas e pinturas, de forma a manipular a opinião pública, construindo a imagem de um monarca divino e invencível.

Nos séculos seguintes, o uso da propaganda como instrumento de poder se consolidou. Napoleão Bonaparte, na França do século XIX, e, principalmente, Adolf Hitler, no comando da Alemanha Nazista, no século XX, se notabilizaram pela habilidade com que se utilizavam da publicidade para angariar legitimidade política. Foi nos Estados Unidos da década de 1950, no entanto, que ganhou impulso a idéia de que a publicidade poderia influenciar, decisivamente, eleitores indecisos ou indiferentes ao processo eleitoral.

A eleição do general Eisenhower, herói da Segunda Guerra Mundial, para a presidência da república, em 1952, pode ser considerada um grande marco na história da publicidade política, uma vez que o mesmo, em atitude oposta ao seu adversário, o democrata Adlai Stevenson, construiu uma campanha eminentemente midiática, enquanto seu rival, menosprezando a mídia eletrônica, pautou sua campanha em longos e monótonos discursos, inapropriados aos novos tempos. O resultado foi uma vitória arrasadora do general republicano nas urnas.

No Brasil, o horário eleitoral gratuito no rádio e na TV foi instituído no ano de 1962, adquirindo vários formatos deste então. No período do Regime Militar, por exemplo, ficou famosa a chamada “Lei Falcão”, bastante restritiva, que impunha uma campanha adstrita, tão somente, à divulgação no número e do currículo de cada candidato, sem que fosse possível o embate de idéias e a apresentação de propostas. Com a redemocratização, a partir de 1985, por sua vez, ficaram famosos diversos jingles, slogans e bordões, utilizados por candidatos das mais diversas tendências políticas e ideológicas, bem como foram consagrados nas urnas alguns fenômenos midiáticos, a exemplo do falecido deputado federal Enéas Carneiro ou mesmo do recém eleito palhaço Tiririca.

Infelizmente, no entanto, se, por um lado, o formato menos rígido do horário eleitoral gratuito, instituído na Nova República, popularizou a propaganda política, despertando um maior, embora ainda restrito, interesse do eleitorado, por outro, nos tempos atuais, verifica-se uma supervalorização dos chamados “marqueteiros’, personagens hoje tão ou mais importantes que os próprios candidatos, visualizados, cada vez mais, como produtos vendidos muito mais em decorrência da imagem que oferecem aos seus eleitores do que, efetivamente, pelo conteúdo apresentado aos mesmos. Perdem, assim, a democracia cada vez mais restringida em detrimento da imposição de padrões midiáticos de comportamento ditados pelos “magos” da propaganda e fundamentados em uma artificialidade própria da lógica comercial que envolve a publicidade de produtos e serviços.

Neste contexto, reveste-se de grande relevância a realização de debates ao vivo entre candidatos a cargos eletivos. Ao contrário do que ocorre no horário eleitoral gratuito, em um debate ao vivo sempre existe a possibilidade de ocorrência de uma pergunta surpreendente, formulada por um candidato ou jornalista, e mal respondida por seu interlocutor, ou de um deslize comportamental, não passível de censura prévia por quem quer que seja. Ao longo da história, não faltam exemplos de debates televisivos que se mostraram decisivos na definição de processos eleitorais, a exemplo do ocorrido nos Estados Unidos durante as eleições presidenciais de 1960, quando John Kennedy, sóbrio e impecável quanto ao seu traje, pulverizou seu oponente, Richard Nixon, ou do célebre debate do segundo turno das eleições presidenciais brasileiras de 1989, promovido pela Rede Globo, até hoje apontado como fundamental para a vitória de Fernando Collor sobre Luís Inácio Lula da Silva.

 Vale ressaltar, no entanto, que muitas também têm sido as críticas dirigidas aos debates televisivos no Brasil. Um teórico “engessamento legislativo”, de forma recorrente, é apontado como o fato gerador da monotonia nos debates eleitorais, não mais tão festejados como os grandes momentos da democracia, como outrora. Tal argumento, há de destacar entretanto, não encontra respaldo jurídico: a Lei das Eleições, em seu artigo 46, estabelece que os partidos políticos e os candidatos têm liberdade para estabelecer as regras do debate. Obriga-se apenas que, nos debates de eleições majoritárias (presidente da república, governadores, prefeitos e senadores), sejam convidados os candidatos de todos os partidos políticos com representação na Câmara dos Deputados. Assim, como se percebe, não é a lei eleitoral que, efetivamente, provoca um “engessamento” causador de monotonia nos debates políticos. O medo da exposição e o excessivo poder dos publicitários, ditadores dos padrões de comportamento dos seus clientes-produtos, podem ser apontados como os verdadeiros motivos para tal fenômeno.

Acreditamos, assim, serem os debates, a despeito da opinião dos seus críticos, capítulos fundamentais de um processo eleitoral. Entendemos que urgem mudanças nos regramentos da propaganda eleitoral no rádio e na TV, a partir da substituição do falido modelo do horário eleitoral gratuito pela realização periódica de debates temáticos entre candidatos, realizados ao vivo, sem os filtros impostos pelos profissionais da publicidade. Corretos, assim, no nosso entendimento, estão os analistas que defendem que os debates entre candidatos se constituem nos momentos mais importantes de um processo eleitoral. Que venham as próximas batalhas televisivas, na longa e árdua guerra instaurada pela titularidade do posto maior da nossa república, nos próximos quatro anos!

* Jaime Barreiros Neto é professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, da Universidade Católica do Salvador e da Faculdade Baiana de Direito. Mestre em Direito pela UFBA.

Classificação Indicativa: Livre

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