Salvador

Decreto proíbe voz e violão nos bares e restaurantes e aumenta dificuldade dos músicos em Salvador

Ilustrativa
As medidas frustram as programações desses estabelecimentos para o Dia dos Namorados, uma das datas de grande movimentação noturna   |   Bnews - Divulgação Ilustrativa

Publicado em 11/06/2021, às 13h41   Tiago Di Araujo e Samuel Barbosa


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Se tem uma curtição que grande parte dos soteropolitanos gosta é aproveitar um barzinho com música ao vivo, o que precisou ser retirado totalmente das opções de lazer em tempos de pandemia. Com o início da vacinação, ficou ainda maior a esperança de retomada da atividade, que beneficia não só quem curte, mas também quem trabalha, como é o caso dos artistas e dos donos e funcionários de bares e restaurantes. No entanto, a instabilidade no número de casos da covid-19 no estado e na capital baiana, literalmente "colocou água no chope" de todo mundo.

As proibições e limitações estabelecidas por decretos estaduais e municipais, fizeram a retomada das atividades caminharem a "passos de tartaruga". Além do impedimento da realização de shows e grandes eventos, em Salvador por exemplo, uma medida da prefeitura impossibilita qualquer prática de atividade sonora na cidade, o que atinge diretamente aquele famoso "voz e violão" em bares e restaurantes.

Conforme decreto municipal, entre as medidas de prevenção e controle para enfrentamento do covid-19, está "a proibição de realização de qualquer ação que implique em emissão sonora, através de quaisquer equipamentos, em logradouros públicos ou quaisquer estabelecimentos particulares".

A medida da prefeitura de Salvador complementa o decreto estadual, do último dia 7, que limita o horário de funcionamento de tais estabelecimentos, com o chamado "toque de recolher". No documento oficial fica estabelecida a restrição de locomoção noturna das 20h às 5h, entre a próxima sexta (11) e segunda-feira (14), além da proibição de venda de bebida alcoólica em quaisquer estabelecimentos, inclusive por delivery, no mesmo período.

O decreto ainda proíbe os eventos e atividades que envolvam aglomeração de pessoas, até o dia 15 de junho, assim como "a realização de shows, festas, públicas ou privadas, e afins, independentemente do número de participantes, além de atividades esportivas amadoras em todos os municípios baianos".

Acontece que com o passar do tempo e a prorrogação de tais proibições, datas importantes, de grande movimentação econômica, têm prejudicado ainda mais quem depende da curtição noturna. Um exemplo é o Dia dos Namorados, que será comemorado neste sábado (12), mas que com os decretos em vigor, praticamente todas as programações tiveram que ser canceladas.

Em outros anos, na véspera da data, bares e restaurantes estavam na preparação final para receber os casais, e praticamente em todo canto de Salvador era possível curtir um som ao vivo. Mas, desta vez não. O decreto silenciou artistas que tinham esperança de voltar a se apresentar com o dia de comemoração para muitos amados, o que deixa os profissionais com ainda mais dificuldades.

Artistas silenciados

A cantora Lila Brasileiro, da banda Samba Maria, tem o Dia dos Namorados como uma das datas de calendário para suas apresentações, e se mostra totalmente contra a proibição de atividades sonoras. "Sou extremamente consciente sobre os riscos do vírus, mas não vejo sentido em os bares estarem abertos e não poder ter música ao vivo. Dia dos namorados, uma voz e violão não mudaria a situação da pandemia. Não dá para penalizar apenas uma classe. Está tudo muito difícil para gente, precisamos que haja flexibilidade, para que possamos voltar a viver da nossa arte", desabafa.  "Infelizmente, o benefício do auxílio não chegou para todos. Eu mesma, não recebi, e estava na expectativa para as apresentações do dia dos namorados para pagar as contas. Elas chegam para todos, né?", ironiza.

O discurso é reforçado pelo cantor Adelmo Casé, que cita situações mais urgentes de serem reavaliadas. "Nós artistas temos consciência de que os números de internações, contaminação e mortes são muito preocupantes em nossa cidade . Mas também achamos que os shows de pequeno porte em bares , respeitando os protocolos de segurança , com número reduzido de mesas , espaçamento entre elas, obrigatoriedade das máscaras etc , podem acontecer sem oferecer risco à saúde das pessoas. Existem situações muito mais insalubres que precisam ser avaliadas pelos poderes públicos, como o transporte público, em sua imensa maioria sempre lotado, inviabilizando o distanciamento e se tornando o maior vetor de transmissão do vírus . Temos ,infelizmente também, as festas clandestinas e a falta de bom senso e respeito a vida . Enfim. Daria pra ter música ao vivo com responsabilidade sim", destaca.

Empresários de mãos atadas

Empresário do segmento e diretor de marketing do Boteco do Caranguejo, que conta com diversas unidades em Salvador, Wagner Miau acredita não se justifica a proibição de música nos bares e restaurantes, já que os estabelecimentos cumprem o determinado pelos protocolos de saúde. "Acredito que a música não é o transmissor do vírus, a aglomeração sim! Então não se justifica os bares e restaurantes serem proibidos de contratar os músicos para abrilhantar um dia especial. A classe clama por socorro!". Ele ainda destaca que até mesmo o horário estabelecido, compromete os rendimentos dos estabelecimentos. "Acredito que o horário deveria ser reajustado, já que os bares em sua grande maioria estão alinhados com os protocolos de segurança. Não tem como marcar pra jantar às 18hs e sair às 20hs", declara.

Procurado pelo BNews, a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes - seccional Bahia (Abrasel-BA), informou que o órgão tentou flexibilizar as medidas para a data, mas não obteve sucesso.  A Abrasel informou, ainda, que o segmento ficou bastante prejudicado com a proibição. 

O outro lado

Diante dos questionamentos e manifestações, a reportagem do BNews procurou a Secretaria Municipal de Desenvolvimento, Emprego e Renda (Semdec), responsável por analisar as estratégias de flexibilização para retomada das atividades. No entanto, o órgão garante que não haverá nenhum tipo de mudança em relação ao decreto que está em vigor nos próximos dias, incluindo o Dia dos Namorados.

Já a Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Urbanismo (Sedur), que fiscaliza o cumprimento das medidas estabelecidas em decreto, a exemplo de horário de funcionamento dos estabelecimentos, garantiu que a fiscalização será realizada normalmente no próximo sábado (12), como é feita diariamente. Questionado sobre a possibilidade de eventos em locais fechados, o órgão ressalta que o "decreto proíbe atividade sonora em Salvador".

No entanto, mesmo com o decreto, informações que chegaram ao BNews é que hotéis e restaurantes de grande porte, terão programação especial, e que inclusive, estão fechando pacotes incluindo som ao vivo. As informações, porém, não são divulgadas abertamente em rede social.

Músicos pedem socorro
Com mais de um ano de pandemia, se engana quem pensa que as dificuldades dos artistas são de uma data ou outra comemorativa. Sem ter como se apresentar, muitos enfrentam um verdadeiro caos financeiros e recorrem a diferentes tipos de ajuda para sobreviver.

Cantor, compositor e instrumentista, Toinho Britto se apresenta na noite há 36 anos, e vive uma situação bastante complicada. "Já vendi dois violões, uma caixa de som, estou me desfazendo das coisas pra me manter", conta.  "Hoje pelo que a gente tá vivendo, ninguém está olhando pra gente. Eu me considero um privilegiado, tenho um público que me segue, mas tem pessoas que até já fizeram rifas. Tem gente com medo. De vez em quando faço algumas coisas no Instagram, coloco o pix. Esta semana liguei pra um conhecido e perguntei se tinha uma cesta básica", desabafa.

O artista revela que tem vivido com a ajuda de amigos e familiares. "Tenho quatro filhos, um é casado, dois estão trabalhando e são os que estão segurando as coisas em casa, ganham pouco e tudo é pra dentro de casa. E as pessoas que não tem esse? Tenho uma casa própria, não pago aluguel, minha sorte é essa", afirma. Porém, segue acreditando em melhorias. "Quando acabar tudo isso vai voltar diferente. Tomara que mude pra melhor, a coisa não está boa não. Não vejo uma coisa muito boa, vai demorar um pouco. Nós fomos a primeira classe a parar e seremos a última a voltar".

Essa retomada, inclusive, tem sido uma luta diária do Sindicato dos Músicos Profissionais do Estado da Bahia (Sindimusicos), como explica Sidney Zapata. "Nós já pedimos isso por ofício, já pedimos para sermos ouvidos na elaboração desses decreto, mas infelizmente não é nem feita uma discussão mais aprofundada com a parte trabalhadora. Nós ficamos sem o Réveillon, ficamos sem o Carnaval e desde lá estamos discutindo um caminho nesse momento, o novo normal na música", afirma.

"Nossa posição é que temos que retornar o mais rápido possível, principalmente nessas datas. Tem que voltar com cuidado, com os protocolos, mas tem que voltar. Nós entendemos que mais importante do que auxílio ou qualquer situação de políticas emergenciais, nós precisamos discutir e avançar também pelo olhar do trabalhador a questão do retorno, do trabalho em si", conclui.

Classificação Indicativa: Livre

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