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Vigilância Sanitária notifica e 148 idosos podem ficar sem abrigo em Salvador

Publicado em 28/09/2015, às 18h44   Leo Barsan (Twitter @leobarsan)


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O anjo emoldurado guarda os portões fechados para garantir a segurança de 148 idosos. Mas, o tempo não perdoa. Na 1ª Travessa Bela Vista, em Tubarão, Subúrbio Ferroviário de Salvador, as entradas da Casa de Repouso Bom Jesus correm risco de serem bloqueadas definitivamente, após 11 anos de funcionamento.
O endereço, que vive de doações, recebeu uma notificação da Vigilância Sanitária (Visa) em que constam 25 itens carentes de reparos tão emergenciais quanto a situação de quem vive no abrigo (veja abaixo). A contagem regressiva termina em 10 de outubro, prazo estipulado pelo órgão fiscalizador.
Desde 11 de setembro, os 20 degraus da escada que separa o térreo do primeiro pavimento, e o necrotério transformado em enfermaria, estão entre os problemas que tornaram-se menores do que a sentença de fechamento da casa de repouso, expedida em um documento de quatro páginas.
Com uma palavra, o administrador do lar para idosos, Luís Santana, define o momento em que ele, funcionários e velhinhos – ainda que alheios ao impasse – estão submetidos. “Desespero”, diz Santana, entre lágrimas.

Luís Santana, administrador da casa de repouso

Na lista de adequações, estão a acessibilidade plena para pessoas com dificuldades de locomoção, quartos com ocupação máxima por quatro pessoas e espaçamento mínimo entre camas, além de banheiros separados por gênero, e organização geral da enfermaria.
“Sou o primeiro a ter vontade de fazer todas as adaptações, mas temos muitas limitações. A casa é mantida por meio de doações e não temos patrocinadores, nem apoio de órgãos públicos”, lamenta o administrador do abrigo.
Para agravar a situação, Santana lembra que não pode firmar convênios com secretárias municipais e estaduais, em razão da burocracia. “Não tenho uma certidão trabalhista, que é obrigatória”, ressalta ele, que está impedido de conseguir a emissão do documento.
“Uma ex-funcionária entrou com ação trabalhista contra a Casa de Repouso e pede indenização de R$ 75 mil. Por causa da falta de acordo e do não pagamento do que ela exige, não temos como conseguir a certidão”, expõe Santana.
O prazo para resolução dos problemas apontados pela Visa será questionado pela advogada da instituição, Theodora Sampaio. “Vou pedir a extensão do prazo e pedir apoio do Ministério Público estadual, além de ver o que é possível atender de imediato”, ressalta.

Notificação da Vigilância Sanitária enumera 25 itens para readequação na casa de repouso

A subcoordenadora municipal da Visa, Karina Queiroz, reforça que segue as diretrizes da política nacional para idosos. “Nosso trabalho é em cima das normas sanitárias para abrigo de idosos. É preciso oferecer uma estrutura física compatível, além de atender a outros protocolos. Essa é a primeira fase de avaliação da Casa de Repouso Bom Jesus”, disse.
De acordo com ela, o abrigo tem dado retorno sobre as recomendações feitas pela vigilância sanitária. “A gente tem recebido informações que serão compatibilizadas até o retorno de técnicos ao local. Em última instância, serão tomadas medidas mais duras. A intenção é caminhar com projeto educativo para que altere a realidade que já existe”, relata Karina.
Em Salvador, há 42 abrigos para idosos. Apenas um é público. “Todos esses locais estão sendo submetidos à apresentação das normas de cuidados de idosos. Em algumas questões de risco maior vamos ter que fazer intervenções”, alerta a subcoordenadora.

Casa em números
A reportagem percorreu as estruturas do imóvel com nove quartos, cujo aluguel é de R$ 6,3 mil por mês. Além da sede, outras duas casas anexas custam R$ 750 e R$ 540 mensais. “Uma das casas é só para idosos vítimas de abuso sexual”, evidencia Santana. O lar, diz o administrador, está com ocupação acima da capacidade. “Tenho estrutura para atender até 110, mas cuido de 148 e não posso colocar ninguém para fora”, conta, em meio ao choro.
Santana relata que administra 60% dos benefícios pagos pelo INSS aos idosos. “A outra parte não recebe por falta de documentos. Os benefícios são negados porque não sou representante legal. Chega a levar três anos para conseguir interditar um idoso”.

Ao meio dia, a fila começa a se formar para a distribuição do almoço. Cada idoso faz seis refeições por dia, um total de 888, sem contar a alimentação dos funcionários. São 18 quilos de arroz e 600 pães por dia, além de 17 botijões de gás, em média, por mês.

No quadro de colaboradores estão 2 enfermeiros, 15 técnicos de enfermagem, 32 cuidadores, 1 assistente social, 6 auxiliares de serviços gerais, 3 lavadeiras, 2 cozinheiras, 3 auxiliares administrativos. “Não tenho condições. Se recebesse todos os benefícios, daria um alívio”, define Santana, que paga, em média, R$ 1,3 mil de energia e R$ 900 de água.
O início das dificuldades
Até 2009, a Casa de Repouso Bom Jesus funcionava de forma regular. No entanto, dois episódios contribuíram para a superlotação do lar de idosos e os problemas começaram a surgir.
“Há seis anos, recebi de uma só vez 87 idosos que eram mantidos em cárcere privado por um policial civil, em Coutos”, recorda Santana. O agente Paulo César Fonseca, conhecido como Tio Paulinho, foi preso na Operação Bom Pastor. “A Polícia Civil e o Ministério Público trouxeram os idosos para cá”.
Em janeiro deste ano, outros 34 idosos foram deixados na porta da casa de repouso durante a madrugada, após o abrigo Grupo Assistencial Vida e Saúde ser fechado pela polícia. A dona da instituição, Neuza Rodrigues, é investigada por maus tratos. “Eu ia fazer o quê? Deixar essas pessoas na rua, no frio, com fome?”, desespera-se Santana. “Até hoje estou identificando essas pessoas”, acrescenta.
Procura-se a família
Não bastassem as dificuldades, há quase um mês, um idoso de 84 anos foi deixado pelo filho no abrigo, que prometeu voltar para entregar os documentos do pai. “Ele (o filho) disse que só iria buscar documentos e retornava. Deixou o endereço com a gente, mas quando fomos atrás, até a casa do idoso, em Castelo Branco, já havia sido vendida”, disse Santana.

Numa cadeira de rodas, à espera de familiares, está Manoel Ito Oliveira Conceição, que dá o nome do filho que o deixou no abrigo. “Quem me trouxe foi meu filho Miguel Jeremias Borges Conceição”, disse ele ao Bocão News. “Quem conhecer parentes deste senhor, por favor, entre em contato com a gente”, suplica Santana.
Amor, mágica, sorrisos e lágrimas
Enquanto o relógio marca o prazo dado pela Vigilância Sanitária para adequação das instalações da casa de repouso, o tempo é rendido por momentos de alegria, sorrisos e lágrimas entre funcionários e idosos.
Valdira, por exemplo, tem 60 anos e se alimenta normalmente. “Mas o hobby dela é pegar a comida dos outros. Não pode vacilar com ela. No geral, eles são muito engraçados”, diverte-se a técnica de enfermagem Elenildes de Jesus, que trabalha há três anos no abrigo.
Ela enxerga o tamanho do problemas, mas evidencia um ainda maior. “A carência emocional deles é o pior de tudo. A gente faz o que pode, mas eles precisam do carinho da família”, diz, emocionada. “Eles fazem planos. Aqui tinham dois idosos deficientes visuais, que namoravam. Ele dizia sempre para ela que iriam sair do abrigo e teriam uma casa própria”, emenda Elenildes.
A alegria de dona Maria Helena, 66, contagia o quarto em que ela vive há três anos. Com um sorriso constrangido, ela confidencia que quer ir embora do abrigo. “Não gosto. Sinto falta da minha família, da minha filha. Ela não vem muito aqui porque mora longe, mas prometeu que vem me buscar. Quero ajudar a cuidar dos meus netos. Não vejo a hora de ir embora”, planeja.

A primeira coisa que ela quer fazer é uma lasanha para a família. “É o que eu mais gosto de cozinhar”, alegra-se a senhora, que vive sobre uma cama por causa de uma das pernas amputadas.
Antes de terminar o bate-papo, a reportagem recomenda:
 - Se cuide, dona Maria!
- Tá!
- Promete?
- Prometo!
- Senão, a gente vem puxar sua orelha. A senhora quer isso?
Sem esconder a felicidade de receber uma visita, enfática, ela diz:
- Quero!
Como ajudar
Interessados em doar de roupas, alimentos, medicamentos, dinheiro, material de construção e mão de obra têm os seguintes meios para ajudar:
Casa de Repouso Bom Jesus
1ª Travessa Bela Vista, 15 – Tubarão (Perto do final de linha)
Contatos: 71 8517 -0803 | 8325 -9383 (Luís Santana)
Voluntariado Esab Eutectic
Contatos: 71 4102-1213 | 9106-5604 | 9977-1723 (Ricardo Ling)
Kikante
www.kinante.com.br
Link: http://migre.me/rzGnD
Título da campanha: “Mãos à Obra – Ajude a Casa de Repouso Bom Jesus a ficar de portas abertas”

Classificação Indicativa: Livre

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