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Bahia Invisível: a realidade de quem mora nas ruas de Salvador; assista

Vagner Souza
Bnews - Divulgação Vagner Souza

Publicado em 04/04/2019, às 20h26   Brenda Ferreira e Yasmim Barreto


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O cenário de pessoas que moram pelas ruas de Salvador é alarmante. Passar noites dormindo sob viadutos, praças e pontes é comum para pessoas consideradas em situação de rua. Além disso, esses espaços têm pouca ou nenhuma higiene e essa parcela da população ainda tem que sustentar suas famílias. Para mostrar este lado de pouca visibilidade da cidade, o BNews dá início a Bahia Invisível, uma série de matérias que começa a partir desta quinta-feira (4). 

“Viver na rua, ficar na rua, não presta, não. Eu não sou adaptada com a rua, porque eu já trabalhei na Caixa Econômica, fui uma mulher de bem, trabalhei seis anos e hoje me vejo nessa, fico nervosa, não aguento”.

Esta é a atual realidade de Joana*, que perdeu a mãe há três anos e o direito à moradia, depois de seus irmãos venderam a casa onde elas moravam e não repassaram a sua parte. Ela, que hoje está desempregada, vive com o marido nas ruas da capital baiana. 

Além de Joana, Claudia* e seu companheiro moravam em Catu e precisaram se adequar à realidade de estarem em situação de rua, quando perderam a empresa que tinham. “A gente tinha uma [empresa] MEI (microempreendedor individual), trabalhávamos com empresas terceirizadas da Petrobras e, com a crise, as empresas faliram e a gente afundou junto”.

O casal tentou reverter a situação em Salvador. "O dinheiro que a gente tinha pagava aluguel e o que comer. Só que de onde tira e não repõe, acaba. Acabou e fomos para a rua", contou.

Assista ao vídeo: 

Iniciativa - Para trazer um panorama do que é conviver com algumas pessoas em situação de rua, o BNews convidou Tatiana Dara. Ela é técnica em informática e tem 24 anos, mas, desde os 21, faz ações para estes moradores, a frente do coletivo “Sopão da Alegria”. 

O projeto, que reúne cerca de sete voluntárias, leva alimentos e roupas para pessoas em situação de rua em quase toda a capital baiana. “A gente tenta fazer mensalmente, mas em dezembro, que é uma época que todo mundo faz, eu fico só arrecadando para janeiro e fevereiro que são épocas que ninguém faz, para atender essas pessoas que, infelizmente, não têm visibilidade”, contou Tatiana. 

“Nós vamos em vários bairros. A gente já foi na Praça da Sé, vai muito na Ribeira. Nos lugares mais críticos de Salvador, a gente tenta atender essas pessoas”, destacou.

Tatiana relatou ainda à reportagem como são organizadas as ações. Segundo ela, o grupo vai de carro até o bairro estabelecido, e esses veículos são separados por categoria. “O primeiro é a alimentação, o outro, as roupas, e o final, o biscoito e o café”.  

"Chegando no local, a gente monta uma roda normalmente entre eles. Tem o líder (morador de rua) que ajuda para organizar tudo direitinho e a gente sempre atende mais as pessoas deficientes, que tem problema de obesidade, locomoção, aí depois as crianças, as mulheres e por último os homens”. 

Como começou o Sopão da Alegria - “Eu comecei desde a base que foi minha mãe. Ela me levava bem pequena para a Praça da Sé. Lá eu entregava pão, então eu sempre conto que a semente quem plantou foi minha mãe. Não tinha nome, nem nada, ela fazia por vontade própria. Levava pão, sopa, café, várias coisas”, lembrou Tatiana. 

Dara ainda definiu o projeto como cultura e semente do amor. “Essa semente foi plantada e, passou um tempo, e eu tive um relacionamento abusivo em 2016. No final desse relacionamento eu entrei em depressão e para sair da depressão, minha cabeça disse que eu voltasse a praticar as coisas que minha mãe fazia e que era a única forma de sair daquela situação. Eu me relacionei com outra pessoa e ela me deu um bom ‘volte, faça’, aí eu idealizei [o Sopão] e fui seguindo.

Questionada sobre o nome do projeto, Tatiana revelou: é alegria porque eu sou muito sorridente. Eu pensei: então vai ser Sopão da Alegria. Só que, antes, não tinha um nome coletivo, porque eu fazia coisas específicas na rua. O tempo foi passando e eu pensei no coletivo O Sopão da Alegria para dar uma visão geral de tudo. 

Durante a entrevista, Tatiana explicou que é criticada por não divulgar e tirar fotos das ações. “Eu dou muito amor e eu falo com as meninas sempre: isso é uma ação de amor, tanto que eu nem tiro foto, é muito raro, porque eu falo: aqui não é para a gente se promover, a intenção não é essa, é pra gente ajudar e para isso não precisa de visibilidade. Já fui muito criticada por isso, mas eu venho da ideologia do amor mesmo, que aquelas pessoas precisam da gente. Precisamos fazer um movimento e, se cada um fizer um movimento, como o meu e como de outras pessoas fazem, não tem uma desigualdade tão exorbitante como vemos em Salvador hoje”. 

“Eu digo para todo mundo que sou amante da rua. Eu acho que aquelas pessoas, de fato, são pessoas como a gente que precisam de ajuda e é uma obrigação de todos, não só minha, ajudar essas pessoas que estão em uma condição menos favorecida do que a nossa”, apelou Tatiana Dara.  

Relação governo e pessoa em situação de rua – “acho que não existe relação porque se existisse eles não estavam lá [na rua]. No período de carnaval, não achamos eles. A gente se questiona: pra onde foram essas pessoas? Foram alocadas? Sumiram? Fazemos o movimento independente mesmo. 

O que dizem os órgãos públicos - A secretaria estadual responsável por moradores em situação de rua é a de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SJDHDS). O BNews enviou alguns questionamentos sobre o assunto e a pasta respondeu, em nota, quais são as ações desenvolvidas para esta parte da população de Salvador e da Bahia. 

A secretaria informou que realiza, por meio da Superintendência de Assistência Social, o cofinanciamento de três serviços para a população de rua: acolhimento de adultos e famílias em situação de rua; especializado de abordagem social (equipes de rua) e oferta de Centros de Referência Especializados para Pessoas em Situação de Rua (Centro POP). Por meio desses três serviços, o Governo do Estado afirmou que repassou aos municípios, em 2018, um total de R$ 4.252.620 milhões. 

O serviço de acolhimento cofinanciado pelo Governo do Estado é responsável por 22 unidades de acolhimento, 16 abrigos institucionais e seis casas de passagem, totalizando uma oferta de 725 vagas. 

Já os serviços de Abordagem Social, ainda conforme a pasta, são realizados por equipes de educadores sociais que identificam famílias e indivíduos em situação de risco pessoal e social em espaços públicos, entre eles a população em situação de rua. 

Ainda segundo a Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SJDHDS), os serviços dos Centro POP contam atualmente com 16 unidades implantadas, em 13 municípios baianos, com atendimento das 8h às 17h.

O Centro Pop é uma unidade pública voltada para o atendimento especializado à população em situação de rua. A iniciativa também funciona como ponto de apoio para pessoas que moram e/ou sobrevivem nas ruas. Deve promover o acesso a espaços de guarda de pertences, de higiene pessoal, de alimentação e provisão de documentação. O endereço do Centro Pop pode ser usado como referência do usuário.

A pasta informou que conta ainda com o programa Corra Pro Abraço. É realizado por meio da Superintendência de Políticas sobre Drogas e Acolhimento a Grupos Vulneráveis. O programa tem como objetivo promover a cidadania e garantir direitos para a população em situação de rua e usuários de substâncias psicoativas em vulnerabilidade social. 

Além disso, atua por meio de estratégias como redução de danos, arte-educação, profissionalização, atividades desportivas, cultura, formação político-cidadã, acompanhamento psicológico e social. Está presente em 17 micro áreas de Salvador, além de desenvolver ações sistemáticas em Feira de Santana e Lauro de Freitas.

Na capital baiana, os bairros Comércio e Brotas possuem ainda as Unidades de Apoio na Rua (UAR), que oferecem às pessoas em situação de rua local para higiene pessoal, oficinas e orientações sobre cuidado. 

A Secretaria Municipal de Promoção Social e Combate à Pobreza (Semps) informou ao BNews, em nota, que a última pesquisa realizada pelo Ministério do Desenvolvimento Social, em 2008, apontou a existência de cerca de 3.200 pessoas em situação de rua na capital baiana.

Embora não haja levantamento atualizado sobre o tamanho da população em situação de rua de Salvador, a Semps justificou que possui registros dos atendimentos em unidades voltadas para este público. Por exemplo, os Centros POP.  Até o ano de 2017 pouco mais de 5.900 pessoas em situação de rua foram cadastradas. 

A Semps garantiu que cumpre os serviços voltados para pessoas em situação de rua, a exemplo dos Centros POP, Serviço Especializado em Abordagem Social (SEAS) e Serviço de Acolhimento Institucional.

“Cumpre salientar que o fenômeno da população em situação de rua agrega uma complexidade que extrapola a atuação da assistência social, sendo que no processo de reinserção social destas pessoas envolve além do fortalecimento dos vínculos familiares, a lógica da inserção ao mercado de trabalho formal e informal, da moradia, da saúde e das tantas outras esferas, as quais demandam estas pessoas”, diz um trecho da nota enviada ao site.

Salvador instituiu ainda, através da secretaria municipal, o Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Municipal para a População em Situação de Rua (CIAMP), órgão colegiado de acompanhamento e monitoramento da Política Municipal para população em situação de rua, composto paritariamente por representantes do governo municipal, da sociedade civil e órgãos de garantia de direitos, com participação das áreas como saúde, educação, habitação e organizações não governamentais que atuam diretamente com o público.

Serviços ofertados pela prefeitura são: Serviço Especializado em Abordagem Social (Seas), Centro de Referência Especializado para Pessoas em Situação de Rua (Centros POP) e Serviço de Acolhimento Institucional para indivíduos e famílias (UAI's).

* Serviço Especializado em Abordagem Social:

A Semps garantiu que as equipes realizam ações de abordagem social todos os dias da semana, principalmente em locais onde há concentração de pessoas em situação de rua.  

Segundo a pasta, os profissionais desenvolvem ações planejadas de aproximação, escuta qualificada e construção de vínculo de confiança com pessoas e famílias em situação de risco pessoal e social nos espaços públicos, mediando o acesso à rede de proteção social, em especial os Centros Pop, onde são recepcionados por equipe técnica composto por assistentes sociais e psicólogos e educadores sociais. 

* Centros POP:

O Serviço deste centro engloba atendimento psicossocial, orientação e atendimento em grupo, orientação Jurídica Individual, orientação e suporte para acesso à documentação pessoal, encaminhamentos para a rede de serviços locais (assistência social, saúde, educação, habitação,  sistema de garantia de direitos, etc), oficinas e atividades coletivas de convívio e socialização, lanche (manhã e tarde), higiene pessoal (banheiro individualizado com chuveiros), guarda de pertences, espaço de convivência, referência de endereço. O horário de funcionamento é das 08h às 17h, de segunda à sexta-feira.

O acesso dos usuários ao Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua poderá ser feito por meio de demanda espontânea, tendo em vista que o Serviço deve ser ofertado em unidade de referência de fácil localização pelas pessoas em situação de rua, encaminhamentos realizados pelo Serviço Especializado em Abordagem Social, programas ou Projetos da Rede Socioassistencial, demais Políticas Públicas setoriais ou órgãos de defesa e garantia de direitos.

Atualmente, a capital baiana conta com quatro unidades de Centros POP. Confira a lista: 

Centro POP Itapuã: Avenida Dorival Caymmi, Nº 635, Itapuã - Referência: Em frente a Madeireira de Itapuã/ próximo a Prefeitura Bairro. Telefone: (71) 3266-8427

Centro Pop Pau Da Lima: Avenida Aliomar Baleeiro S/N, Estrada Velha do Aeroporto, Pau da Lima – Ponto de referência: Centro Espírita Mansão do Caminho. Telefone: (71) 3409-8830

Centro POP Vasco da Gama: Avenida Vasco da Gama, 2257, Vasco da Gama. Ponto de Referência: Última Passarela Sentido Dique. Telefone: (71) 3266-8426

Centro POP Dois de Julho: Rua Augusto França, 125 – Dois de Julho - Telefone: (71) 3266-8433

*Serviço de Acolhimento Institucional para indivíduos e famílias

É voltado para pessoas em situação de vulnerabilidade e risco. A especificidade desses Serviços está na oferta de atendimento integral que garanta condições de estadia, convívio, endereço de referência, para acolher com privacidade pessoas em situação de rua e desabrigo por abandono, migração, ausência de residência ou pessoas em trânsito e sem condições de auto sustento.

O Público Alvo são pessoas adultas ou grupo familiar com ou sem crianças, que utilizam as ruas como espaço de moradia e/ou sobrevivência e se encontram em situação de desabrigo por abandono, com vínculos familiares fragilizados ou rompidos, migração e ausência de residência ou ainda pessoas em trânsito e sem condições de auto sustento. Crianças e adolescentes só poderão ser acolhidas acompanhadas dos pais ou responsáveis.

A Semps conta com 10 Unidades de Acolhimento Institucional sendo que cada unidade pode acolher até 50 pessoas, totalizando 500 vagas. Veja lista divulgada pela secretaria: 

*Os nomes são fictícios para preservar a identidade das personagens. 

Classificação Indicativa: Livre

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