Esporte

Após puxão de orelha, Rafaela Silva mira novo ouro no Mundial

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Ouro na Rio-2016 diz que perdeu competitividade ao trocar treinos por palestras  |   Bnews - Divulgação Alberto Rocha/Folhapress

Publicado em 20/09/2018, às 07h08   Folhapress


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No começo de julho, a seleção brasileira de judô se reuniu na cidade espanhola de Castelldefels, para a primeira etapa da preparação para o Mundial de Baku (AZE), que começa nesta quinta-feira (20) e vai até a próxima quinta (27).

No intervalo de um dos treinos, Ney Wilson, gestor de alto rendimento da CBJ (Confederação Brasileira de Judô) chamou num canto Rafaela Silva, campeã olímpica na Rio-2016, para uma conversa séria.

“A gente sabe que você está em um patamar diferenciado e os efeitos de uma medalha olímpica para um atleta. Mas precisamos da Rafaela que a gente tinha antes, pois foi essa a Rafaela que se tornou campeã olímpica”, afirmou.

Mais do que uma bronca, o recado foi praticamente uma última tentativa da CBJ para “resgatar” Rafaela, como o próprio Wilson diz, após um ano em que a judoca esteve com sua atenção dividida entre treinos, competições e inúmeras palestras motivacionais para empresas.

O resultado dessa agenda atribulada, que também incluiu presença em vários programas de televisão, foi que Rafaela Silva ficou sem vencer nenhum torneio internacional desde a final olímpica na categoria 57 kg, em 2016.

Por isso, a conquista do título do Grand Prix de Budapeste, em agosto, na última competição antes do Mundial, foi vista com alívio e esperança dentro da comissão técnica do Brasil. A própria judoca, mesmo sem ser cabeça de chave, acredita que poderá conquistar no Azerbaijão uma nova medalha de ouro.

“O excesso de compromissos fora do esporte com certeza atrapalhou meu desempenho em 2017”, diz a judoca à Folha.

“Quando a gente consegue ser campeã mundial ou olímpica, passa a ter certo conforto e isso tira um pouco da nossa competitividade. Acho que consegui recuperar um pouco disso [competitividade] em Budapeste. O objetivo é manter a agressividade. Sempre fui muito competitiva, até no treino não gosto de perder”, completa. Sua categoria compete no sábado (22).

EXPECTATIVA PARA O MUNDIAL
Eu só fiz três competições este ano, pois estava voltando de uma cirurgia no cotovelo. Na China (Hohhot), em maio, não fui bem, já em Zagreb (CRO), cheguei a disputar uma medalha, mas não ganhei [ficou em quinto lugar]. Por isso que em Budapeste foi muito importante vencer. Pude enfrentar diversas adversárias que irei encontrar no Mundial. Será uma disputa muito forte em Baku, ainda mais porque minha categoria tem 52 judocas e eu não sou cabeça de chave.

RECUPERAÇÃO DO CIRURGIA
Operei em janeiro e voltei a treinar em maio. Fiz uma limpeza no cotovelo esquerdo, pois apareceram alguns calos ósseos e tive que fazer essa limpeza para ganhar uma amplitude de movimento. Já estava sentindo dores antes mesmo da Olimpíada do Rio, mas evitei passar por cirurgia na época. Competi com lesão mesmo. Preferi operar enquanto não havia começado a contagem de pontos para o ranking olímpico de 2020.

VIDA APÓS OURO EM 2016
Mudou tudo. Hoje, sou mais reconhecida nas ruas e encarada de outra forma nas competições por minhas adversárias. Nas mensagens que recebo pelas redes sociais, vejo que muitas crianças se espelham em mim. Dentro do judô, sinto que tenho que procurar coisas novas no meu estilo de luta. Tenho treinado novos golpes para tentar chegar a Tóquio e surpreender minhas adversárias.

FALTA DE CONCENTRAÇÃO
O excesso de compromissos fora do esporte com certeza atrapalhou meu desempenho em 2017. Muitas vezes, em uma semana inteira eu só conseguia fazer dois treinos, é muito pouco. Isso a gente costuma fazer apenas em um dia. Estava ficando bem complicado, e o professor Ney [Wilson] me chamou a atenção muitas vezes. Sempre lutei pensando na minha família, em ajudá-los. Mas quando a gente consegue ser campeã mundial ou olímpica, passa a ter um certo conforto e isso tira um pouco da nossa competitividade.

ROTINA DE PALESTRAS
Perdi a conta de quantas palestras fiz no ano passado. Ficava praticamente na ponte aérea Rio-São Paulo todos os dias. Quase não ficava na minha própria casa. Fazia [palestras] para empresas, escolas, alguns projetos com jovens de comunidades, que era para contar um pouco da minha história de vida, a minha volta por cima, para poder motivar essas pessoas. Foi uma responsabilidade muito grande, mas sempre fui bem recebida. As pessoas elogiavam, ficavam emocionadas com a minha história de vida. Foi muito bacana essa troca.

VIOLÊNCIA NO RIO DE JANEIRO
É muito triste. Agora virão as eleições e a esperança é que a situação comece a melhorar. Cresci dentro de uma comunidade, então muitas coisas que assustam algumas pessoas, a mim não assustam tanto. Quando vejo na internet notícias falando que tem tiroteio aqui ou ali, apenas evito passar por determinados lugares, mas sou muito caseira.

EVOLUÇÃO NO RANKING
Estou em nono lugar, mas essa situação vai mudar. Algumas meninas que foram medalhistas no Rio estão fora da zona de pontuação. A [japonesa] Kaori Matsumoto, bronze em 2016, teve um bebê e não pontuou. A francesa que perdeu na disputa do bronze [Automne Pavia] também teve filho. Algumas pararam para tratar de lesões e não conseguiram voltar, então tem muita atleta que não está 100%.

TÓQUIO-2020
Chegar à final olímpica é o objetivo de qualquer atleta, ainda mais no Japão, que é o berço do judô. Ganhar uma medalha na casa da nossa modalidade seria incrível. É o que qualquer judoca sonha.

Rafaela Silva, 26
​Nascida no Rio de Janeiro, foi criada na favela Cidade de Deus e descoberta para o judô no Instituto Reação. Em 2013, tornou-se campeã mundial na categoria 57 kg. Em 2016, foi medalhista de ouro nos Jogos do Rio.

Classificação Indicativa: Livre

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