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Maternidade dentro da vulnerabilidade socioeconômica: doação informal e suas consequências

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Ao BNews, uma jovem falou sobre as dificuldades enfrentadas com a gravidez   |   Bnews - Divulgação Reprodução

Publicado em 26/01/2018, às 06h50   Yasmim Barreto e Shizue Miyazono


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A maternidade que para algumas mulheres pode ser a realização de um sonho, para outras carregar uma vida e ter responsabilidade sobre ela pode desencadear uma série de problemas e atitudes desesperadas por não ter as condições necessárias para a criação de um filho, além do estigma da mãe que abandona. 

Uma jovem de 20 anos, que preferiu não ser identificada, vive uma situação semelhante à de outras brasileiras. Grávida de oito meses da terceira filha, o parceiro negando a paternidade e a única alternativa: doar o bebê. Em entrevista ao BNews, a moça contou sua história e as dificuldades que vem enfrentando. 

Atualmente, Joana* trabalha como ajudante de uma baiana de acarajé e tem um relacionamento há quatro anos com um pescador, de 51 anos, do qual ela engravidou. Segundo a moça, ela tinha desejo de engravidar, mas não avisou nada ao parceiro, que negou ser pai da criança e exigiu um exame de DNA quando descobriu que Joana estava grávida. ‘’Ele disse que o filho não era dele, e não queria responsabilidade. Mas é. Ele pediu DNA, e disse que não ia querer o bebê’’.  

Inserida em uma realidade desfavorável para que pudesse criar a filha, a única alternativa que sugeriram a ela foi a doação. A jovem declarou que a primeira pessoa a conversar com ela para que doasse a criança foi a mãe, que afirmou já ter um casal para adotar, mas Joana negou. 

Entretanto, a baiana para qual a moça trabalha conversou com ela e sugeriu outra pessoa para a adoção, Laura*, uma enfermeira, que não pode engravidar por causa de um problema de saúde. Após isso, a sobrinha da baiana conversou com Joana e intermediou a conversa com Laura. ‘’Ela chegou falando que tinha uma prima com um cisto no útero e que não podia ter filho, e que queria uma criança pra adotar. Aí perguntou se eu queria dar, como eu estava desorientada já, eu falei para trazer a mulher para a gente conversar’’.

A partir disso, algumas pessoas chegaram até ela para tentar convencê-la a tomar tal atitude. ‘’O povo disse que eu não ia conseguir criar sozinha, que eu vivo da praia, não ganho bem. A única opção que eu achei foi essa. Aí eu peguei e dei’’, desabafou a jovem que confirmou estar decidida. 

No entanto, Joana declarou não ter uma boa relação com Laura, pois, segundo ela, já foi ameaçada de ser colocada na cadeia caso desista de dar o bebê ‘’Se você voltar atrás e não quiser mais dar, a gente já está com advogada e você vai presa’’.

Além de ter sido imposto que ela não deve amamentar a filha para que não se apegasse ‘’Ela não quer nem que eu amamente pra eu não pegar amor, pra você ver [sic]’’. 

Contudo, a situação difícil que a jovem se encontra, sem apoio de familiares, amigos e do próprio pai da criança, não permite que ela conteste ou se oponha a decisão. ‘’Aí eu penso assim, oh meu Deus vai que eu faço DNA e mesmo assim ele me larga atoa, com filho e tudo nas minhas costas. E aí? Como é que vou ficar? Eu não ganho bem, eu trabalho na praia, meu dia é R$ 50’’, relatou. 

Adolescência e maternidade precoce – A primeira filha, atualmente com quatro anos, de Joana chegou quando ela tinha 15 anos, fruto de um relacionamento, que a mesma admite ter sido sem responsabilidades, com um rapaz de 22 anos. ‘’Ela [a filha mais velha] mesmo veio quando eu estava drogada mesmo. O pai dela usava drogas, era todo mundo louco’’. 

Já o segundo filho, atualmente com três anos, a história se tornou mais problemática. A moça estava fazendo uso de anticoncepcional injetável, porém, acabou tendo uma hemorragia e parou de tomar as injeções.

Joana acabou engravidando, porém, ela tinha terminado o relacionamento com pai do bebê, que teria sumido, antes de saber sobre a gravidez. 

Segundo ela, o juizado teria ido até a casa onde mora através de denúncias que vizinhos teriam feito, porque Joana estava deixando o filho com a avó. Por causa disso, a mãe da jovem assumiu a guarda do bebê, que hoje permanece sendo criado por ela.  

A moça ainda declarou a vontade de realizar o procedimento de esterilização, a ligadura de trompas, na qual, a mulher não engravidaria mais. No entanto, de acordo com Joana, ela não conseguiu, por causa da idade.  

Após quatro anos, a jovem que engravidou novamente e vive o dilema da adoção, reflete sobre o que a levou viver isso ‘’Eu não achei apoio de ninguém, desde de nova minha mãe não sentava comigo. Eu não tive amor de mãe. Aprendi tudo sozinha, os outros falando as coisas. Mas agora eu quero fazer diferente, vou voltar a estudar’’. 

Acolhimento e acompanhamento – Ao BNews, o juiz titular da 1ª da Vara da Infância e Juventude de Salvador, Walter Ribeiro Costa Júnior, ressaltou os impasses e possíveis complicações da adoção informal.

Quando a adoção é tratada através de contratos de ‘’boca’’, como o de Joana* e Laura*, o juiz afirmou que a devolução é uma das possibilidades que pode ocorrer. ‘’Pode trazer diversos problemas, como a devolução, a pessoa ou a família não estar preparada ou a mulher quer, mas o marido não’’.

Ainda segundo Walter Ribeiro, esses problemas são evitados quando a adoção passa pelos meios legais, através do Cadastro Nacional da Adoção (CNA). ‘’Tudo isso é tratado na 1ª Vara com o cadastramento nacional. Porque quando as pessoas vêm fazer o cadastro elas são preparadas para receber essa criança’’. O juiz contou que são feitos acompanhamentos com psicólogas e entrevistas com as famílias, para realizar uma avalição rigorosa. 

De acordo com dados do Cadastro Nacional da Adoção, na Bahia há 170 crianças para serem adotadas, sendo 8411 no Brasil. Em Salvador, têm 411 famílias habilitadas para adotar. 

Nomes fictícios para preservar as identidades dos personagens 
Atualizada às 16h46 

Classificação Indicativa: Livre

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