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Cineastas baianos criticam possível extinção da Ancine: “perseguição e paralisação do setor áudio visual”

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Diretores relataram ainda desafio em produzir fora do eixo Sul/Sudeste   |   Bnews - Divulgação Reprodução

Publicado em 28/07/2019, às 18h31   Tamirys Machado


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Cineastas, diretores e produtores culturais baianos ouvidos pelo Bnews criticaram a possível extinção da Ancine (Agência Nacional de Cinema). Nesta semana, durante live no Facebook, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que pretende extinguir a Agência. Ele afirmou que a Ancine, fomenta, com dinheiro público, obras cinematográficas que atentam contra a família. Para João Guerra, diretor e produtor executivo da Griot Filmes, há uma  “perseguição” e “processo de minar o mercado áudio visual”. “Desde o governo Temer algumas mudanças na Ancine vêm impactando o nosso mercado.  Já estamos fora do eixo Rio / São Paulo que é o principal de produção visual, lutamos por políticas públicas que olhem para o Brasil da forma  que nós somos, continental, diverso, com olhares diversificados também para produção cultural. Nossa luta é pela nacionalização do áudio visual. O mercado depende das políticas públicas”, disse, ao Bnews.

Conforme o cineasta, a classe tem que se mobilizar neste processo de censura. “Entender que indústria é essa que nós somos. É responsável por um percentual relevante do PIB nacional. Geramos um número expressivo de empregos diretos e indiretos. Se ele [Bolsonaro] olhar para o lado da economia, ele vai entender que não faz sentido a extinção”, pontuou.

A diretora e produtora da Plano 3 Filmes, Paula Gomes, reiterou que o setor áudio visual injeta bilhões na economia brasileira, além de ser fonte que gera emprego e renda. “O setor audiovisual gera cerca de 300 mil empregos e injeta mais de 25 bilhões por ano na economia. (É mais do que o setor farmacêutico). Além disso, a maior fonte de recurso para a produção audiovisual vem de um imposto pago pelo próprio setor”, afirmou. 

Segundo Gomes, “a cadeia do cinema se fortaleceu em todos os elos”. “Cada vez mais, nossos filmes tem se destacado em festivais internacionais, chamando atenção lá fora pra o altíssimo nível artístico da nossa produção atual. A gente ainda torce para que esse governo tenha um olhar especial sobre esse cenário e possa somar forças para que o cinema brasileiro seja ainda mais visto pelo público daqui e também de outros países”, disse em conversa com o site. Na avaliação de Gomes, caso ocorra a extinção da Ancine, tanto Salvador e o Nordeste serão fortemente impactados. “Produzir fora do eixo sempre foi um desafio muito maior. As políticas para o audiovisual são o que vem permitindo que os realizadores daqui possam, não só empreender, mas também contar suas próprias histórias. O público baiano quer ter sua própria voz. Se essa produção é interrompida, a gente perde isso também; deixamos de nos ver retratados nas telas do país”.

Para Solange Lima, produtora de cinema e proprietária da Araça Azul Cinema e Vídeo, a medida de extinguir a Ancine é “uma estratégia do governo para paralisação do setor, especialmente das empresas fora do eixo [Rio/São Paulo]. “Um governo que não entende que o audiovisual é uma arma poderosa. Quando nos anos 30 o presidente dos EUA, Franklim Roosevelt, percebe isso e não só investe no cinema como eterniza o poder dessa indústria com a celebre frase: “Onde vão os nossos filmes, vão os nossos produtos, vai a nossa maneira de viver”. Não é um Governo, é um desgoverno”. Em pleno século XXI, esse presidente tenta causar um retrocesso sem precedente ao nosso país”, avaliou a cineasta. 

Ela também faz coro à luta por incentivo à produção no Nordeste e ressalta a injeção na economia com produções próprias. “A extinção da ANCINE impacta em todo país, mais precisamente nos estados fora do eixo RJ/SP. A ANICNE, através da criação do FSA - Fundo Setorial do Audiovisual, impulsionou o audiovisual em todos os sentidos”. 

O FSA determina que 30% da verba anual de investimento da ANCINE, via FSA, seja destinado ao Norte, Nordeste e Centro-Oeste e 15% aos estados do Sul (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) e 10* os dois estados do sudeste, Minas Gerais e Espirito Santo.
Ainda conforme Lima, a Bahia , especificamente, tinha 36 empresas produtoras de audiovisual, depois do FSA, passou a mais de 300 produtoras, gerando emprego e renda em vários setores. “Teatro, a música, literatura, mas também fazendo girar  rede de hotelaria, alimentação, carpintaria, pintor, moda (roupas, calçados e acessórios), fazendo girar a economia além de registrar e revelar a nossa cultura, pois as histórias contadas, mesmo não sendo documentário, apreende no tempo espaço a identidade social de uma nação”, afirmou. Atualmente, Lima está finalizando dois longas com verbas do PRODECINE 5 financiado pelo FSA: “Longe do Paraíso de Orlando Senna” e a “Pele Morta”.  Ainda esse ano rodará o Longa NINA com Direção de Paulo Alcântara, também com verba do FSA através do PRODAV 6.

Polêmica com o filme Bruna Surfistinha

Recentemente o presidente criticou a produção do filme Bruna Surfistinha  (2011) e disse que dinheiro público não vai ser usado em filme pornográfico, que atacam a honra da família brasileira. Em replica, o diretor e um dos produtores do filme, o cineasta Marcus Baldini, afirmou que o longa é “um projeto importante tanto pela questão artística, quanto pela econômica”. Baldini reiterou que o filme Bruna  Surfistinha foi assistido por milhões de pessoas, gerou 500 empregos diretos e pagou milhões em impostos ao Brasil. Ele lembrou ainda do prêmio na Academia Brasileira de Cinema.

Na época, o filme recebeu cerca de R$ 4,3 milhões em renúncia fiscal, segundo a Ancine, mas obteve bilheteria de R$ 20 milhões e foi visto por mais de 2 milhões de espectadores no cinema. Para o diretor baiano João Guerra, o presidente tem uma visão “conservadora” e “preconceituosa”. “O governo se diz liberal na economia, o que poderia justificar essa ideia de o Estado não interferirtanto na produção cultural, por outro lado, tem esse posicionamento conservador nos costumes, que chega a ser cheio de preconceito. Não considera a diversidade, não tem sensibilidade. Bruna surfistinha pode ser olhado por diversos ângulos, foi um sucesso econômico. Não é um filme pornográfico, é biográfico, ele está misturando duas informações”, opinou.  

Guerra comentou também sobre a “ideia de controle de conteúdo que não cabe”. “O Brasil é diverso, o áudio visual é diverso, o público é diverso. Não cabe censura hoje na expressão artística e cultural no Brasil”, afirmou.

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