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O falso anagrama do STF

Publicado em 11/10/2010, às 08h34   Moacy Neves





* Moacy Neves

A justificativa do Supremo Tribunal Federal para derrubar a exigência de diploma de Jornalismo para o exercício da profissão de jornalista foi que o diploma feria a liberdade de expressão. Ou seja, para os oito ministros do STF que decidiram a questão, o fim do diploma é igual a mais liberdade de expressão.

A decisão da máxima Corte foi tomada em 17 de junho de 2009. Passados um ano e quatro meses, ouso perguntar aos leitores: por acaso você identificou nesses 16 meses alguma alteração no estatuto da liberdade de expressão?

O falso anagrama do STF encobre duas questões. Primeiro o preconceito com a imprensa, mesmo que, convenhamos, algumas vezes esta exagere na dose.  E, um segundo, que é antagônico ao primeiro, que a enorme dose de pressão que os magistrados sofrem dos veículos de comunicação, que acham que podem tudo, sem qualquer regulamentação.

E aí, para resolver as duas questões citadas, o STF atirou um míssel nos peixinhos e poupou os tubarões até de um festim. A prova disso é que um mês e meio antes de atingir os 80 mil jornalistas com a derrubada do diploma, o Supremo acabou com a Lei de Imprensa, tornando o Brasil o único país democrático do mundo que não possui uma legislação específica para o setor.

O Supremo instalou assim a “Torre de Babel”. Sem apontar qualquer caminho, a Corte impôs a completa ausência de regras. Há 16 meses não sabemos se para trabalhar em um jornal ou em um site de notícias como esse o interessado precise pelo menos ser alfabetizado. Nas superintendências do Ministério do Trabalho nos estados ninguém sabe direito o que fazer. O STF acabou com o diploma e pronto. E os pais, que pagaram a faculdade privada de seus filhos achando que estavam fazendo um investimento, jogaram dinheiro no lixo. Não quero aqui nem falar na destruição de sonhos, porque esse lado dos sentimentos é algo inodoro à decisão de magistrados tão distantes da sociedade real.

Mais que isso, o STF deu legitimidade para que aventureiros se apresentem (e sejam considerados até por veículos de imprensa) como jornalistas. É impossível, também, não citar o festival circense que assistimos após 17/06/2009. Uma prefeitura do interior da Paraíba divulgou edital para contratar jornalista com exigência de nível médio e salário de R$ 510,00 e uma instituição de ensino lançou seu “curso rápido” de jornalismo.

Os donos de veículos também gostaram. Em todo país, se negaram a colocar nas convenções coletivas a exigência do diploma como critério para contratação. Em Santa Catarina, um jornal legitimou a presença de 90 não diplomados em sua redação, chamando o sindicato local para representá-los, enquanto que a famosa Folha de São Paulo encontrou na ausência de lei a cadeira para assentar os 65 não jornalistas que mantém em sua redação.

Um jornalista com diploma tem algo que um não diplomado jamais terá: o compromisso com seu diploma. Há deformações, sabemos, dos que tratam essa formação apenas como um papel amarrado com uma fita. Mas a maioria da categoria, que batalha diariamente para cumprir o seu dever, sabe que aquele canudo carrega o compromisso ético, a experiência absorvida de mestres das mais variadas áreas da comunicação e a sistematização do conhecimento que só o curso universitário é capaz de dar.

O legislativo, instado pela Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) e pelos sindicatos nos estados, discute no Senado e na Câmara duas PECs (Proposta de Emenda Constitucional) para restabelecer a segurança jurídica e a exigência da qualidade técnica na prática jornalística, solapados com a decisão do STF. A expectativa é que até o final desse ano, pelo menos a PEC do Senado, cuja tramitação está mais adiantada, seja aprovada.

Aos jornalistas diplomados que estão impacientes, uma boa forma de reação seria acionar a própria justiça para cobrar do estado brasileiro a indenização pelo dano moral e material sofrido. Talvez, pressionados por uma enxurrada de 80 mil ações no já abarrotado e lento Judiciário, os ministros do Supremo resolvam solucionar eles próprios o seu falso anagrama.

* Moacy Neves é ex-diretor do Sindicato dos Jornalistas da Bahia (Sinjorba) e sócio da empresa M2 Mídia Comunicação.

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