Justiça

Audiência de Custódia: procurador de Justiça defende liberdade provisória

Publicado em 29/07/2017, às 22h17   Tony Silva


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Apesar de ser criticada por especialistas e autoridades da segurança pública e da Justiça, a audiência de custódia é um procedimento também defendido por juristas que iniciam tal defesa pela base legal do projeto, ao passo que eclode de pactos e tratados internacionais, assinados pelo Brasil, como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de São Jose da Costa Rica) de setembro de 1992.

Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), entre os estados brasileiros, a Bahia foi o que mais concedeu liberdade provisória a presos em flagrante, levados as audiências de custódia, desde implantação dos julgamentos, em agosto de 2015, até abril deste ano. O BNews dá seguimento a série de reportagens, trazendo nesta terceira matéria, uma análise positiva realizada pelo procurador de Justiça do Ministério Público da Bahia (MP-BA) e professor de Direito Processual Penal, Rômulo de Andrade Moreira, que avaliou as audiências de custódia e principalmente o quantitativo de resultados das audiências baianas.

Ao ser indagado pela reportagem sobre as 3.462 liberdades provisórias, resultantes de audiências de custódia na Bahia, que significam 61,89% do total realizado desde o início em agosto de 2015, o procurador afirmou. "Excelente, significa que os juízes estão cumprindo a lei”. O procurador de Justiça defende a legalidade e obrigação da realização dos procedimentos e de seus resultados, a exemplo da liberdade provisória.

E detalha: “a audiência de custódia é obrigatória porque nós assinamos a Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de São Jose da Costa Rica), que tem lá no artigo 8º, que diz que todo preso, independentemente de ser preso em flagrante, preso preventivo, preso temporário ele deve ser apresentado imediatamente a um juiz. Ai o que que a gente fez, o Brasil assinou esse tratado e desde 1992 que isso já faz parte de nossa legislação, que deveria ser cumprindo, mas nunca foi cumprido. Depois o CNJ editou uma resolução obrigando a que todos os tribunais passassem a fazer audiência de custódia”.

Foto: Canal Ciências Criminais / JusBrasil

O procurador de Justiça destaca a importância deste tipo de audiência descrevendo o trâmite a partir da prisão de um indivíduo a ser acusado de um crime. “Quando um preso é imediatamente levado a presença de um juiz, ele tem a garantia de que a sua integridade física foi preservada. O que é diferente dele, por exemplo, ficar em uma viatura policial, ficar dentro de uma delegacia de polícia. Então se ele vai para essa audiência de custódia, quem é que vai estar lá? Um juiz, um promotor e um defensor público ou o próprio advogado dele, se ele tiver constituído advogado. Isso facilita, porque o juiz vai ouvir imediatamente, vai fazer algumas perguntas a ele, inclusive se ele foi maltratado pela polícia, e etc”, justifica.

Ainda explicando o trâmite legal da audiência de custódia, o procurador de Justiça reforça a relevância do procedimento. “O juiz tem três decisões que podem ser tomadas: relaxa a prisão, se essa prisão for ilegal e não houve flagrante delito; ou ele concede liberdade provisória; ou converte a prisão em prisão preventiva; ou ainda outra medida cautelar, que pode ser por exemplo, uma prisão domiciliar, uma tornozeleira, um recolhimento noturno, ou se o caso for mais grave, decretar a prisão preventiva. Por isso que a audiência de custódia é importante”, argumenta Moreira.

3.462 liberdades provisórias. No contraponto da crítica

Sobre o número de liberdades provisórias concedidas na Bahia resultantes de audiências de custódia, Rômulo Moreira avalia por um viés contrário ao dos críticos. “Eu vejo esses dados com muita satisfação, para mim, inclusive é uma surpresa isso e não é ruim. Isso mostra que aqui na Bahia os juízes estão percebendo, que as pessoas que estão sendo levadas a uma audiência de custódia, não necessariamente precisam ficar presas. Elas podem ficar em liberdade provisória”, comenta o procurador.

A justificativa das liberdades provisórias e os fundamentos das prisões preventivas

O procurador Rômulo Moreira estabelece linhas opostas, que se completam entre as duas decisões, defendendo que um caso cabe quando não há fundamento para o outro. Segundo o procurador e professor de Direito Processual Penal, se concede liberdade provisória, quando não é caso de prisão preventiva. Ele vai além e afirma. “Conceder a liberdade provisória não é nenhuma ilegalidade”.

Moreira ainda complementa observando a instância decisória para caber prisão preventiva e defende que liberdade provisória não tem a ver com impunidade. “Prisão preventiva é a última das alternativas que o juiz deve tomar. Isso não é um dado negativo, isso não é impunidade. Quem diz que isso é impunidade, é um sujeito que não conhece a lei”, afirma o procurador.

Rômulo Moreira também descreveu alguns requisitos legais para se decretar uma prisão preventiva e frisou liberdade provisória para a lacuna de desnecessidade de preventiva. “É preciso que o sujeito represente um perigo para a ordem pública, para a aplicação da lei penal, para a conveniência da instrução criminal. Então, se não há necessidade para esta prisão preventiva, a obrigação é conceder a liberdade provisória. A liberdade provisória é sempre possível, quando não é cabível a prisão preventiva”, destaca.

Onde cabe liberdade provisória?

Ao contrário do que muitos pensam, a liberdade provisória não é atrelada especificamente a crimes leves. Rômulo Moreira explica que tal decisão pode caber independente do crime. “Liberdade pode ser concedida em qualquer crime, por mais grave que seja. O que juiz pode fazer, é conceder a liberdade provisória e condicionar o sujeito a ficar, por exemplo, preso em casa ou comparecendo mensalmente no fórum, ou aquelas medidas protetivas que tem na Lei Maria da Penha, não se aproximar da mulher”, afirma.

O procurador de Justiça encerra defendendo as audiências de custódia com a prerrogativa da “descarcerização”. “Além de ser obrigatória ajuda a desafogar o sistema penitenciário. Ajuda na descarcerização. Deixando no sistema penitenciário, apenas quem tem necessidade de ser afastado da sociedade. Isso impede também a corrupção do próprio infrator em razão do ambiente encontrado no sistema”, analisa.

Em julho de 2016 o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski informou que o Brasil possuía à época, cerca de 600 mil presos, sendo que 40% deles são presos provisórios. O procurador Rômulo Moreira rebateu:

“Evidentemente que este número indicado pelo ministro não é o real, pois não leva em consideração, por exemplo, os inúmeros presos provisórios encarcerados nas várias Delegacias de Polícia do Brasil. Certamente, o número de presos ainda não definitivamente julgados é muito maior do que aquele que o Estado brasileiro indica oficialmente”.

Apesar de antigas, as estimativas do ministro Lewandowski e a correção de tal mensuração feita pelo procurador Rômulo Moreira, apontando para um número maior que 600 mil presos provisórios, podem ser possível remeter a necessidade de aceleração da atuação dos tribunais nas unidades prisionais e não somente nas audiências de custódia.

O BNews continua esta série com outras análises dos resultados das audiências de custódia na Bahia e seus reflexos na sociedade.

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Publicado originalmente às 5h

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