Meio Ambiente

Alguns pecados, anacronismos, melancias e muita esperança

Publicado em 26/06/2012, às 09h54   André Fraga*



Depois de muita expectativa a RIO+20 encerra-se com um sentimento de frustração. A ação política não conseguiu a eficácia de consolidar compromissos, metas e prazos para a agenda verde planetária. Críticas de um lado, elogios de outro e resignação em alguns foram a conta final da conferência.

Participei da RIO+20 oficial como membro da delegação da Associação Nacional dos Engenheiros Ambientais e circulei pela Cúpula dos Povos e a outra infinidade de eventos paralelos. O Rio se transformou em um grande território de discussão de novos paradigmas, mas não posso deixar de registrar alguns anacronismos.

Com a popularização da agenda ambiental, grupos políticos começaram a enxergar uma oportunidade de reciclagem, mesmo que essa reciclagem não seja assim tão sincera e sirva na verdade pra disputar mais um holofote. Essa tática é muito próxima a de algumas empresas que se vestem de verde mas não mudam a mentalidade corporativa, a roupa é só para os que veem de fora. Quando participava da Marcha dos Povos, a última marcha da cúpula, algumas presenças me deixaram intrigados e, diríamos até preocupados. Um jovem de um partido desses bem sectários carregava um estandarte com imagens de figuras soviéticas entre elas se destacava a de Stálin, o mesmo que além de atrocidades cometidas contra os direitos humanos, implantou uma politica desenvolvimentista que assassinava e dilapidava recursos naturais. Em outro ponto, o PCdoB, o mesmo que construiu uma tese em cima das alterações do código florestal brasileiro se rendendo aos apelos ruralistas, também estava lá, “gritando” pelo meio ambiente.

Mas o que mais me impressionou foi como o discurso ambiental não consegue soar honesto na voz de muita gente. Em alguns a palavra sustentabilidade sempre embolava. Seria cômico se não fosse trágico. Esses, pararam no século passado com teses ultrapassadas. Já participei de muitas edições do Fórum Social Mundial e percebi parte da Cúpula dos Povos como uma reprodução do FSM. São muito parecidos com melancias que por fora são verdes mas por dentro se mostram vermelhos, daqueles bem conservadores. Direita e esquerda, capitalismo e comunismo, são posições maniqueístas que precisam ser abandonadas de uma vez ou o planeta não suportará. Definitivamente não é disso que precisamos.

Mas a Cúpula dos Povos foi um espaço incrível de mobilização e debates para os verdadeiros movimentos verdes. Um espaço enorme com centenas de tendas, que abertas à todos, transformou o Aterro do Flamengo em um território livre, onde o principal problema era conseguir participar de tudo que acontecia.

Já a Cúpula organizada pela ONU reuniu especialistas e representantes de mais de 100 países em uma programação ampla e interessante além de stands de países e empresas com exemplos e tecnologias verdes. Exemplos a parte, o que aconteceu na Rio+20 não deixa de ser o reflexo da sociedade em que vivemos, onde a agenda ambiental é quase que onipresente, mas as ações práticas se fazem a conta gotas. Alguns pecados foram pouco praticados a exemplo da ambição na hora de construir o documento final enquanto outros foram poupados como a ganância, a preguiça e a avareza.

Quando se percebeu que o consenso seria difícil o governo brasileiro preferiu retirar temas polêmicos e fechar a declaração final três dias antes da chegada dos chefes de Estado, o que deu tempo para que todos pudessem declarar suas insatisfações. Mais de 1000 organizações não-governamentais pediram a retirada de seus nomes do documento de encerramento, alegando retrocesso de proporções épicas. O Brasil cedeu inclusive à pressões do Vaticano que pediu a retirada da expressão direitos reprodutivos, irritando o coletivo feminino na cúpula, que criticou duramente a Presidente Dilma Rousseff.

Não foi possível emplacar uma Agência Ambiental, não se definiu metas e prazos para o uso de tecnologias limpas, nada fechado acerca do financiamento para a mudança para a economia verde, áreas de proteção para os oceanos ficaram a ver navios e o fim do subsidio para combustíveis fósseis ficou só na história. Mas o momento foi único. A cúpula dos Povos reuniu milhares de organizações e indivíduos discutindo novas formas e ideias, prefeitos das maiores cidades do planeta se comprometeram em reduzir emissões e adotar medidas verdes, pessoas enfrentaram quilômetros de filas para acompanhar uma mega exposição, mais de quinhentos cientistas se reuniram em eventos paralelos, empresários debateram novas tecnologias.

É preciso sim assumir posturas mais agressivas na mudança de paradigmas mas não podemos achar que essa mudança se fará de forma simples e rápida. Alterar toda uma estrutura fundada em séculos de desenvolvimento não é das tarefas mais simples, considerando ainda uma crise econômica que atinge países europeus e os Estados Unidos e uma euforia que acomete países em desenvolvimento, ambas sendo argumentos para o retardo de um caminho sem volta. Se torna ainda mais difícil quando os governos são reféns de grandes corporações enquanto a agenda ambiental não consegue transformar ideias em votos. Falar hoje que a Rio+20 foi um retumbante fracasso sem dúvidas é fácil, mas nas democracias representativas a mudança é feita pelos eleitos, e é aí que precisamos mirar nossas energias para fundar um novo contrato social, que foi discutido em um evento paralelo na Rio+20, aquele que já nos falava o filósofo francês Michel Serres na década de 90, um Contrato Natural.

Enquanto isso, o Brasil zera a Cide da gasolina, aumentando o subsidio ao combustível, esse mesmo que deveria ser investido em transporte público. Já aqui na Bahia o grande feito ambiental divulgado aos quatro ventos pelo governo é a energia solar no estádio de Pituaçu enquanto que o sistema estadual de meio ambiente foi mutilado e remodelado ao bel prazer de setores desenvolvimentistas. Como dizia Gregório: triste Bahia.

*André Fraga é Engenheiro Ambiental e Presidente do Diretório Municipal do PV Salvador esteve presente nos eventos oficiais e paralelos da Rio+20

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