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Masculinidade tóxica faz homens e mulheres vítimas do machismo; conheça o jovem que sofre por ser negro e gay afeminado

Arquivo Pessoal
Bnews - Divulgação Arquivo Pessoal

Publicado em 31/05/2019, às 16h13   Yasmim Barreto


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‘’Me marca muito a infância. Um dia que eu estava chegando das férias escolares, no povoado da minha família, estava muito feliz, tinha acabado de descer do carro e estava acontecendo uma reunião de adultos na frente da porta da casa de minha avó, estavam meus tios, primos, aí eu fui em direção a essas pessoas e  antes de qualquer oportunidade de dar um abraço, a primeira coisa que eu recebi foi uma repreensão por estar andando ‘rebolando’, como uma ’mulherzinha’, como um ’viado’, como eles disseram’’. 

Esse é o relato do estudante de produção cultural, Roberlan Araújo, 24 anos, sobre a violência sofrida por ele quando tinha apenas oito anos, por causa da masculinidade tóxica: tema da nova campanha do governo do estado da Bahia, que compõe uma das ações do Respeita as Mina no enfrentamento à violência contra as mulheres. 

A masculinidade tóxica é um termo, reconhecido pela Associação Americana de Psicologia (American Psychological Association ou APA, em inglês), que explica a cultura do que é ser homem e que, muitas vezes, promove a violência, tornando homens e mulheres vítimas do sociedade patriarcal, segundo a psicóloga e pesquisadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher (NEIM), Darlane Andrade. 

‘’A construção da masculinidade está respaldada na afirmativa e na negativa, numa afirmação de dizer ‘você é homem, seja homem’ e em uma negação de ‘não seja mulher’. Então, desde pequeno o homem aprende a não ser mulher ‘oh não seja mariquinha não’, ‘não seja igual a sua irmã’ e a misoginia ela vai estar na base, que é o horror ao feminino. Isso reflete a cultura patriarcal, que a gente ainda não conseguiu vencer totalmente’’, explicou Darlane.  

Vagner Souza/ BNews

Sendo negro e gay afeminado, como o mesmo se descreve, Roberlan contou a reportagem como o estereótipo do que é ser homem trouxe diversas consequências em sua vida, seja no âmbito familiar ou nas relações homoafetivas, em papel de vítima ou no lugar da pessoa que está reproduzindo algo que o ensinaram. 

‘’Se você nega todo esse ‘privilégio’ de ser homem, da ‘benção’ do masculino, do intocável, do dominador e você passa a ser uma pessoa afeminada, por exemplo, você pode sofrer violência física, moral, psicológica, porque você vai ser atacado pelas pessoas que não concordam que você tenha esse desvio de comportamento’’, disse o jovem.  

Para a psicóloga Darlane, os resquícios do que socialmente se espera dos padrões de comportamento masculino atingem de forma mais vigorosa homens com as características do estudante de produção cultural. ''As masculinidades subalternas, aquelas que ficaram à margem, que aí entra o fator racial, a sexualidade, a identidade de gênero, são as mais atingidas pela masculinidade hegemônica. Então os homens considerados menos homens são os negros, os homossexuais, os mais afeminados, que estão muito mais vulneráveis a sofrer uma série de violência e a serem mortos, porque homens matam e oprimem homens também''.  Ainda conforme a especialista, os quase inatingíveis por esse termo são os homens brancos e heteronormativos.  

Ao BNews, Roberlan ressaltou que a masculinidade tóxica também está presente em suas experiências dentro do meio LGBTQIA+. ‘’A masculinidade tóxica está muito próxima, inclusive, nas minhas relações homossexuais, que é quando a gente vê um homem gay reproduzindo estereótipo do homem rude, que não demonstra afeto, os chamados ‘sigilosos’, os que não curtem afeminados. Essa masculinidade que tem que estar com ar de superioridade, de não acessível, então a gente ainda tem que lidar com isso nas relações homoafetivas, porque a partir do momento que a gente recusa seguir o padrão, a gente é automaticamente ignorado pelas pessoas que reproduzem, você é mal visto, marginalizado dentro do movimento. O lugar que era pra ser de conforto, aceitação, diversidade, acaba sendo um lugar opressor também’’.

Além disso, ressalta-se que a discriminação e a exclusão das pessoas, que sofrem com as imposições do modelo de masculinidade, tornam-se um ciclo de violência, pois as vítimas, muitas vezes, reproduzem o que aprendem e podem desenvolver hábitos nocivos a sua saúde, seja mental ou física, de acordo com a especialista em gênero. 

‘’A masculinidade é aprendida no processo de socialização, exacerbar alguns aspectos da personalidade em função do que a cultura espera. Então, ela vai trazer como consequência o adoecimento no sentido de que as queixas dos homens que mostram sofrimento psíquico estão muito vinculadas ainda em não assumir esse papel de provedor e de viril, por exemplo.  Existem muitos homens que tem problemas cardíacos, estresses, os que cometem suicídio, ou se envolvem mais em comportamentos arriscados como em acidentes de trânsito, alcoolismo e outros comportamentos que acabam matando, quando não fisicamente, emocionalmente, como consequência de não assumir o papel que espera a sociedade’’, afirmou.  

A masculinidade tóxica como raiz do feminicídio - Engana-se quem acredita que a masculinidade tóxica atinge apenas os homens. Conforme a psicóloga Darlane Andrade, essa construção social, que valida atitudes ditas ‘’masculinas’’, é a base para o feminicídio.

'’A gente vai ver que os homens são vítimas desse sistema opressor, que a medida que valoriza o que é masculino, o poder, o trabalho no âmbito privado, comportamentos mais objetivos no mercado de trabalho, adoece homens e acaba matando as mulheres, que  nas relações afetivas, baseadas na desigualdade, quem vai sofrer muito mais são as mulheres’’. 

No entanto, Darlane destacou que esse ciclo pode ser combatido. ‘’Porque se o comportamento de expressão da agressividade, da raiva, é aprendido, e se ele é aprendido, pode ser modificado, essa é a máxima da Psicologia’’.  

Ainda sobre o enfrentamento à masculinidade tóxica atrelado a violência contra a mulher, a psicóloga acredita que ações voltadas para os homens podem contribuir de forma significativa. ‘’Pensando nas ações de combate à violência contra a mulher é imprescindível que a gente converse com os homens. A própria lei Maria da Penha prevê essas ações’’. 


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