Polícia

Recorrente entrada de ilícitos nos presídios oferece riscos até fora dos muros

Publicado em 31/07/2017, às 18h29   Shizue Miyazono e Tony Silva


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A vida dentro do sistema prisional deve obedecer a limitações coordenadas para que seja mantida a ordem e a boa convivência entre os apenados. Entre esses critérios está o controle dos materiais que entram nos complexos. Desde 2015, a Bahia tem na sua rede de unidades penais o registro de diversos materiais ilícitos apreendidos. Mais do que promover o descontrole e risco dentro dos presídios, celulares, armas e drogas podem significar danos à segurança pública dentro e fora dos muros dos presídios.

A reportagem do BNews conversou com o Sindicato dos Servidores Penitenciários do Estado da Bahia (Sinspeb) e o Observatório de Segurança Pública da Bahia (OSPBa) para entender como os ilícitos entram no sistema prisional e como essa prática pode ser danosa à sociedade.


Segundo o Sinspeb, as formas mais comuns dos materiais entrarem nos complexos penitenciários são os arremessos sobre os alambrados dos presídios e as “mulas” contratadas para entrar nos locais com os produtos dentro do corpo.

Além dos ilícitos encontrados durante fiscalizações nas celas, vários são os materiais encontrados pelos agentes penitenciários antes de chegar aos presos. Só no mês de julho, foram sete casos denunciados pelo Sinspeb.

No dia 8, por exemplo, foram encontrados celulares, carregadores, serras e drogas arremessados sobre o alambrado da Cadeia Pública de Salvador. No dia seguinte, o caos foi registrado no Conjunto Penal Feminino e os agentes recolheram 21 smartphones, dezenas de carregadores e, ainda, duas facas. O caso mais recente foi registrado na madrugada desta segunda-feira (31), quando os agentes conseguiram apreender o material antes que chegassem nas mãos dos detentos após mais uma sessão de arremessos sobre o alambrado da cadeia pública de Salvador.

Segundo Fernando Fernandes, o delegado de base do Sinspeb, de 2015 até meados de 2017 já foram mais de 220 casos, do que os sindicalistas denominam de "Enxugando Gelo", já que por mais que os materiais ilícitos sejam apreendidos nas vistorias, continuam entrando nas cadeias públicas. Fernandes explicou que a situação é diária e a qualquer hora.

"Por mais que nos esforcemos para prender os materiais, armas e celulares - a comunicação é que causa mais danos a sociedade porque os criminosos continuam agindo aqui fora - continuam ocorrendo. Mesmo assim, a administração não toma providência para resolver os problemas", contou.

O delegado de base ressalta que o número de celulares, drogas e armas encontrados nos presídios são bem maiores do que os divulgado, já que os dados do sindicato são decorrentes de denúncias dos agentes e muitos acabam não avisando ao Sinspeb. "Existe a proibição da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) de que os casos sejam divulgados, então são poucos os agentes que denunciam, apenas um ou outro que não acata a determinação", explicou.

Fernandes contou que os arremessos poderiam ser combatidos com um maior policiamento no perímetro dos alambrados, mas o Sinspeb afirmou que a Polícia Militar alega que não tem efetivo suficiente nem estrutura para fazer esse trabalho. Em contato com a PM, a assessoria de imprensa afirmou ao BNews que, na área externa do presídio, a 48ª CIPM faz rondas 24 horas em toda localidade, com abordagens preventivas e apoio da Rondesp Central.

O sindicalista explicou que dificilmente os agentes penitenciários conseguiriam evitar que o material ilícito entrasse nos presídios, pois não há scanner para detectar o material. O sindicalista afirmou que, geralmente, os parentes dos presos não carregam esses produtos nos corpos, pois os detentos não pedem para a mãe ou irmã se arriscarem, quem faz esse papel são as “mulas”. "Como você vai revistar uma pessoa com material dentro do corpo? A revista que fazemos é padrão, não fazemos a revista vexatória e nós não concordamos com essas revistas", explicou. Fernandes disse que nos locais em que o detector de metal funciona, quando é detectado algum ilícito, a visita não entra, mas em muitos presídios o equipamento não funciona ou está quebrado.

Quanto a conivência dos agentes para que esses materiais entrem nos complexos, o sindicalista refutou a ideia. "Muito pelo contrário, os agentes penitenciários enfrentam diariamente as organizações criminosas que dominam as unidades prisionais do Estado, retirando de seu poder armas, drogas e telefones celulares. Prova disso é o que apreendemos e publicizamos através do "enxugando gelo". Outro dado importante que atesta a isenção dos Agentes Penitenciários e que pode ser comprovado consultando a SEAP, é a inexistência de qualquer punição administrativa e/ou criminal por essa prática", concluiu.

Risco a sociedade

Já o coordenador do Observatório de Segurança Pública da Bahia (OSPBa), João Apolinário da Silva, que participou de um estudo sobre o sistema prisional baiano que durou quatro anos, destaca que a entrada de equipamentos e objetos ilícitos no sistema deve ser inegociável e os danos dessa prática ultrapassam os muros dos presídios.

Segundo Silva, uma das questões mais importantes relativa ao controle da criminalidade é a vigilância constante dos presos (provisórios e condenados) que se encontram nas prisões de todo país e, em particular, na Bahia. O controle de acesso de pessoas e materiais dentro dos estabelecimentos penais é um dos fatores que asseguram a boa manutenção do cumprimento da pena.

“O aspecto que não se deve negociar nem deixar de realizar é a entrada de equipamentos que podem comprometer a segurança dos internos, dos servidores do sistema e da população. Tal prevenção e proibição diz respeito à entrada de armas, drogas e telefones celulares no interior das prisões. As armas têm servido para que presos mantenham a exploração dos outros presos e dos funcionários do sistema prisional, as drogas servem como mercadorias para manutenção do vício e comércio no interior dos presídios e os telefones celulares são usados para manutenção das práticas delituosas fora do cárcere”, explicou.



O coordenador do OSPBa afirmou que os celulares têm uma função danosa muito grande quando entra no sistema. Silva explicou que o aparelho serve para extorsão e para administrar toda atividade criminosa nos territórios dominados pelas gangues formadas dentro e fora das prisões.

“Infelizmente o Estado não tem tido o cuidado em realizar a vistoria adequada e impedir a entrada de tais equipamentos, principalmente com emprego de tecnologias que impeça as revistas que violem direitos e desrespeite a dignidade da pessoa humana. Os gestores do Estado devem compreender que a condição de preso não retira a condição humana do indivíduo, mesmo que o prisioneiro tenha praticado crimes de forma cruel e desumana. Na mesma direção, os familiares dos presos não podem ser alcançados pela condenação do criminoso. Assim, as revistas vexatórias não podem ser realizadas em justificativa da ineficiência da gestão do sistema prisional”, afirmou.

A reportagem entrou em contato com a Seap, mas o órgão apenas respondeu que está fazendo um levantamento de operações, do aparato e estratégias para coibir a entrada de ilícitos no sistema prisional e assim que concluir divulgará os resultados.

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