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Adolescência e criminalidade: jovens perdidos e projetos sociais que salvam

Imagem Adolescência e criminalidade: jovens perdidos e projetos sociais que salvam
Mães reféns contam histórias de filhos no crime e entidades mostram números de crianças e adolescentes assistidos  |   Bnews - Divulgação

Publicado em 14/09/2017, às 19h28   Tony Silva, Shizue Miyazono, Rafael Albuquerque, Yasmim Barreto



Quando adolescentes entram no crime as famílias viram reféns. De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e da Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP-BA), o tráfico de drogas, roubos e lesões corporais estão entre as infrações cometidas por menores de 18 anos. Na Região Metropolitana de Salvador (RMS) duas mães compartilham a mesma dor de perder os filhos adolescentes para o mundo do crime.

O BNews conversou com as mães dos jovens que cometem atos infracionais análogos ao tráfico de drogas, roubos e até homicídios em uma área de risco da RMS. Por questão de segurança das entrevistadas, não foram divulgados os nomes verdadeiros, endereços e outros dados que possam identificá-las. 

Com nomes fictícios, Joana e Lúcia são mães solteiras e contam a luta para tirar os filhos da criminalidade e trazer de volta ao convívio familiar. Joana tem cinco filhos e Lúcia tem dois e ambas passam, geralmente, o dia fora trabalhando. Como em muitos casos pelo Brasil, com as mães ausentes, os filhos mais velhos tomam conta dos mais novos.

O filho de Joana, que atualmente tem 19 anos, entrou no mundo do crime com 14 e, segundo a mãe, já cometeu homicídio, foi preso duas vezes por porte de arma e tráfico de entorpecente, em 2015 e 2016. Já o filho de Lúcia, que está com 17, entrou no mundo do crime com 15 anos, também conforme a mãe, atualmente é um dos líderes de uma quadrilha de tráfico de drogas. Ambos moram na mesma rua. 

As mães relataram que os jovens eram meninos amáveis, caseiros, que ajudavam em casa e estudavam como qualquer outro adolescente. Ambas não perceberam a transição dos filhos para o mundo do crime. Mesmo não lembrando o tempo exato, Lúcia disse que o filho iniciou no crime forçado por um bandido, que liderava o tráfico na região. “Ele obrigou meu filho a enterrar drogas e armas no quintal de casa”. 

Joana e Lúcia perceberam que perderam os filhos para o mundo do crime, quando o comportamento dos meninos mudou. “Ele passou a sair muito, dormia fora de casa, fazia grosserias e os vizinhos começaram a comentar que ele estava traficando. Foi ai que me dei conta de que havia perdido ele para o crime”, relata Joana.

Já Lúcia, constatou a perda do filho para o mundo do crime de uma forma mais dolorosa que Joana. A polícia invadiu a casa dela com a foto do adolescente no celular, e a agrediu física e psicologicamente. “Sem saber de nada, fui agredida e xingada. Eles estavam com a foto do meu filho no celular”.

As mães relatam que tentaram salvar os filhos da forma que puderam, através do diálogo, porém até hoje, não obtiveram nenhum resultado positivo. O filho de Joana não aceitava falar sobre o assunto, sempre negava que estava no mundo do crime. Já o filho de Lúcia, se irritava quando a mãe o questionava, mesmo depois de a polícia invadir a casa. “Ele diz que é mentira do povo, que não se envolve com nada”, relata Lúcia. Ela disse que o filho saiu de casa após ser cobrado por ela. 

Joana ainda relatou que percebeu que não tinha mais controle sobre o filho, quando ele foi preso pela primeira vez e voltou a praticar crimes dois dias depois de ser solto. “Ele chorou muito e prometeu que iria mudar. Depois que eu vendi um imóvel para pagar advogado, ele foi solto e dois dias depois estava na ‘boca’. Eu fui morar de aluguel, ele foi preso mais uma vez, eu peguei dinheiro com agiota para soltar ele e atualmente estou endividada”, lamenta.

Lúcia sentiu a dor da perda do filho para a criminalidade, quando ele saiu de casa para morar com os “parceiros”. “Ele aparece de vez em quando para me ver, mas eu choro o tempo todo porque sei que meu filho pode morrer a qualquer momento”, desabafa.

Joana confessou ao BNews que espera um milagre. “Espero que Deus toque no coração do meu filho antes que o pior aconteça”. Já Lúcia, ainda tem esperança e diz que sua expectativa é que o filho volte para casa. “Quero que ele volte a ser meu filho de antes, quero voltar a ser mãe dele, quero cuidar dele”.

Projetos sociais e a esperança

A educação ainda é o melhor caminho para resgatar jovens de situações de vulnerabilidade social e tentar impedir que sejam seduzidos pelo crime. Diante dos números de atos infracionais envolvendo pessoas menores de 18 anos e de jovens assassinados no Brasil, algumas instituições desenvolvem atividades de proteção desse público na Bahia. 

Apesar de alguns afirmarem não se tratar de prevenção, os cursos e oficinas profissionalizantes dão uma nova perspectiva para o futuro desses jovens que vivem em um contexto de vulnerabilidade social. Os cuidados contra o desvio de adolescentes para a criminalidade acontecem através da educação, arte, cultura, profissionalização e agregação à família. 

Com foco na prevenção ao uso de drogas e a violência na infância e na adolescência, o Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd) é desenvolvido pela Polícia Militar da Bahia, desde 2003. 

O programa é uma versão brasileira do D.A.R.E. (Drug Abuse Resitence Education), implantado inicialmente nos Estados Unidos e, atualmente, desenvolvido em mais de 56 países conveniados. A iniciativa é considerada pela ONU como um dos maiores programas de prevenção as drogas e a violência do mundo.

Com caráter social preventivo, o Proerd trabalha em conjunto com os alunos que se encontram na faixa etária de 9 a 12 anos. O programa acontece através de um esforço cooperativo entre a PM, escola e família com atividades educacionais em sala de aula, que inserem crianças proporcionando a possibilidade de que este público possa desenvolver as suas potencialidades.
Em dez anos, o Proerd atendeu cerca de 242 mil estudantes de mais de três mil escolas. Em 2016 foram assistidos 72.179. Já no 1º semestre deste ano, 41.833 crianças foram contempladas.

Natã Calmon é vice-diretor do Colégio Estadual Professor Edson de Souza Carneiro, no bairro de São Caetano, em Salvador, que atende crianças do 6º ano do ensino fundamental até o 3º ano do ensino médio, com faixa etária média entre 10 e 19 anos. 
Calmon explica que quatro turmas participam do Proerd desde o início de 2017, com cerca de 140 alunos contemplados. As crianças são de bairros populares adjacentes. “Os alunos têm perfis diversificados, mas a maioria com família de baixa renda e crianças que vivem em áreas de risco”, explica. 

Segundo o vice-diretor, o trabalho do Proerd já apresenta efeitos positivos, a exemplo da integração com as famílias. “É perceptível nos mais de seis meses do programa, a participação dos alunos. Eles participam mais das atividades e são multiplicadores. Eles vão levando para casa o que aprendem nas aulas do programa”, afirma Natã.

Calmon conclui comentando que “o Proerd está ajudando a manter as crianças ainda mais afastadas das drogas. A comunidade participa e as famílias também”.

Outra entidade que atua no cuidado com crianças e adolescentes em situações vulneráveis é o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Yves de Roussan (Cedeca). Fundado em 1991, o Cedeca é uma organização sem fins lucrativos e de caráter público, formada integralmente por entidades sociais e administrado por um conselho de nove ONGs, atua no Estado. 

Segundo o Cedeca-Ba, a Bahia está entre os estados brasileiros com os maiores índices de assassinatos de menores de 18 anos, por isso uma das principais atribuições da entidade é o enfrentamento dos homicídios contra crianças e adolescentes. Além disso, a instituição presta suporte às famílias vitimizadas.

Já o Projeto Axé, uma das entidades sociais mais importantes do Estado, que acolhe crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social há quase 30 anos, atualmente atende mais de 400 jovens de idades entre 8 a 25 anos nas unidades em Salvador.

Com ações por meio da dança, música, artes visuais e cênicas, tendo a parceria de entidades como com blocos afros a exemplo do Ilê Aiyê, Muzenza, Olodum e Apaches, e a Bandaxé, com apoio à família, juventude e comunidades, o projeto visa à profissionalização dos assistidos por meio de parcerias institucionais, e a inserção dos jovens em seu grupo familiar.

Entre os programas do projeto, alguns são ligados diretamente a crianças e adolescentes em situação de rua, com ações que estimulam a migração do ambiente de risco para as unidades educativas.

O BNews dá seguimento a série "Audiência e Criminalidade" na próxima publicação, com uma matéria sobre as medidas socioeducativas e a discussão sobre redução da maior idade penal. 

Acompanhe a série:

Adolescência e Criminalidade: o papel da família e da sociedade na construção da identidade

Adolescência e criminalidade: 1818 menores de 18 anos foram apreendidos na Bahia neste ano

Classificação Indicativa: Livre

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