Polícia

'Zonas de risco': Usuários de aplicativo de transporte relatam preconceito e corridas negadas em alguns bairros de Salvador

Reprodução/Pixabay
"Outro dia desisti de tanto ter a corrida negada e dormi na casa de um amigo”, revela cliente   |   Bnews - Divulgação Reprodução/Pixabay

Publicado em 20/01/2020, às 17h07   Aline Damazio


FacebookTwitterWhatsApp

Nos últimos meses, o corriqueiro ato de solicitar um motorista através do aparelho celular para facilitar a mobilidade urbana se tornou uma batalha para os usuários de alguns bairros de Salvador. Os motoristas por aplicativo, considerados empreendedores para muitos, deixam de faturar ao se negarem a entrar em bairros populosos como Mata Escura, em que vivem mais de 30 mil pessoas, Nordeste de Amaralina, com 21 mil moradores, e Bairro da Paz, onde vivem cerca de 20 mil pessoas. Isso acontece, segundo moradores, pelos bairros serem considerados locais perigosos pelos motoristas.

A auxiliar de farmácia, Thamires Silva, 20 anos, moradora de Mata Escura, relatou a dificuldade de solicitar um motorista de aplicativo no bairro e, após a chacina de quatro motoristas, a situação se agravou. “Eu já fiquei mais de uma hora tentando chamar um Uber. Foram mais de quatro corridas cancelas, pois eles diziam através de mensagem pelo aplicativo que era ‘zona de risco’. Já era difícil os motoristas nos pegarem dentro do bairro, depois do assassinato dos trabalhadores por aplicativo, a situação piorou 100%”, revelou.

Com isso, os passageiros estão procurando alternativas que variam entre esperar o dia amanhecer na balada até dormir na casa de amigos, já que uma das opções mais em conta de mobilidade durante a madrugada os excluem da solicitação do serviço. “As pessoas começaram a criar um preconceito com a área da Mata Escura. Eu notei que a partir das 23h se tornava muito difícil chamar um Uber quando estava dentro do bairro. Após a chacina, as pessoas desenvolveram um medo. Os motoristas de aplicativo, quando nos levam, já falam que não vão além da rua principal. E os moradores têm que dar um jeito de chegar na residência. Já esperei amanhecer para vir de metrô, pois nenhum Uber estava aceitando a viagem para Mata Escura durante a noite. Outro dia, desisti de tanto ter a corrida negada e dormi na casa de um amigo”, revela, o publicitário Levi Vieira.

O problema de precisar do serviço de transporte por aplicativo e não ser atendido não é exclusividade da localidade da Mata Escura. Os moradores reclamam do preconceito que os motoristas têm com a população de alguns bairros de Salvador como Nordeste de Amaralina, Bairro da Paz, Águas Claras e Pau Miúdo. Este último é apontado pelo presidente do Sindicato dos Motoristas por Aplicativo e Condutores de Cooperativas do Estado da Bahia (Simactter-BA), Átila Santana, como um dos locais com maior índice de assaltos a motoristas. “A localidade do Pau Miúdo é um bairro que pouco motoristas se arriscam ir, devido a muitos relatos de roubo a trabalhadores de aplicativo”, diz.

Um morador do Nordeste de Amaralina, que preferiu não se identificar, relatou que ele e os vizinhos passam pela mesma situação, chama o motorista através de aplicativo e aguarda um bom tempo e tem a corrida cancelada pelo  prestador do serviço. Isso acontece de maneira repetitiva, o que dificulta entrar ou sair do bairro.“É ruim ter dinheiro e não poder usar o que queremos por preconceito relacionado ao local em que moramos. Eu estava em uma festa no Parque de Exposição, e quando saí para casa de madrugada, os motoristas sabendo que era para o Nordeste de Amaralina cancelaram diversas vezes. Sabe o que é ver todos indo embora e eu cansado, querendo ir, podendo pagar e sendo recusado? Depois de muito tempo, eu solicitei um táxi, muito mais caro. Resolvi também me programar com motoristas de dentro do bairro para pegar o número deles e ligar ao sair da festa, pois o pessoal da área já conhece o bairro e não tem receio”, diz o morador do Nordeste.

Da dificuldade a alternativa rentável

Mas se tem a demanda em alguns bairros populares e o serviço não é oferecido conforme a necessidade dos clientes, empreendedores com visão aproveitarão essa ‘fatia’ de mercado. Percebendo essa deficiência na mobilidade em alguns bairros, Alexandre Araújo, 38 anos, fundou uma cooperativa de carros, a Cooppaz, que transportam os moradores de um dos bairros considerados pelos motoristas de aplicativo ‘zonas de risco’, o Bairro da Paz. 

“Pensei em uma alternativa para atender às necessidades dos moradores que eram excluídos por motoristas de aplicativo, justamente por relatos de corridas negadas. E eu não culpo os motoristas, pois quem não conhece o bairro pode ficar com receio devido a fama de violência.  Eu deixei de ser motorista de Uber para montar uma cooperativa de motoristas que atendem moradores do Bairro da Paz e adjacências. O negócio está cada vez melhor, revela o fundador da Cooppaz, Alexandre Araújo.

O micro empresário não revela o valor que ganha, contudo diz que já são 30 veículos, e que cada um realiza em média 15 corridas por dia com preço fixo de R$ 4. O serviço funciona da seguinte maneira: os moradores do Bairro da Paz chamam através de um aplicativo de conversa os motoristas e eles vão buscar onde o usuário está e o leva até o destino solicitado, na hora desejada pelo cliente.

“Cada um tem seu público, a cooperativa é um alternativa. Nós atendemos 24 horas por dia, temos clientes praticamente fixos, que na maioria seguem para o trabalho, mercado e praia”, revela.

O que chama atenção é que o índice de assaltos é zero, e a maioria do público é feminino. “A grande parte é formada de mulheres, praticamente 95%, pessoas que já conhecemos e o índice de roubo é zero”, afirma o empreendor.

Lenda urbana espalhada por boatos ou risco real

Assaltos, pontos dominados por integrantes de facções, tentativa de latrocínio e principalmente muitos boatos travam a relação de usuários de aplicativos de transporte e os prestadores de serviço.

“Eu como motorista de Uber recebi uma corrida para o Nordeste de Amaralina, na madrugada, e recebi uma arma na minha cara em uma das ruas do bairro. Pode até terem aumentado as conversas sobre bairros perigosos, mas quando o motorista rejeita uma corrida é porque ele sabe o que passou. É a vida dele que está em risco. E quem não conhece o bairro realmente é complicado transitar, às vezes precisa de permissão, diminuir luz dos faróis, ligar luz interna. Cada bairro tem suas regras, nem todos sabem disso”, revela um motorista de aplicativo que optou pelo anonimato.

Presidente do Sindicato dos Motoristas por Aplicativo e Condutores de Cooperativas do Estado da Bahia (Simactter-BA), Átila Santana nega as chamadas “áreas de risco”, relatada por motoristas e passageiros, mas confirma que luta para que os motoristas de aplicativos deixem de pagar a taxa de cancelamento de chamadas quando considerarem que estão em risco.

"É sabido que há o tráfico em determinados bairro de Salvador. O bairro do Pau Miúdo mesmo bate recordes de relatos de violência contra motoristas de aplicativos. Desconheço a ‘zona de risco’, mas se um trabalhador da plataforma se nega a ir para essa localidade, colocar a vida em risco, não vamos, nem podemos obrigar”.

No último dia 9, motoristas de aplicativos estiveram reunidos com o secretário de Segurança Pública da Bahia, Maurício Barbosa para construírem uma série de alternativas de segurança para os motoristas. A exemplo do botão de pânico, sistema de algorítmicos para identificação do usuário, uma palavra que identifique para a polícia que o motorista está em risco iminente, reconhecimento facial do usuário, fim do pagamento da taxa de cancelamento para os motoristas. Até o momento, nenhuma das ações sugeridas foram aplicadas. Uma nova reunião entre os motoristas e o secretário está marcada até o próximo dia 29.

Até lá, a maioria dos clientes em potenciais do aplicativo continuam sem contar com o serviço, que é solicitado e negado pelos motoristas. Acompanhem uma simulação que a reportagem solicitou a um usuário do aplicativo em um dos bairros citados como ‘zonas de risco”. Resultado? ‘Nenhum motorista disponível’.

Veja vídeo:

A Polícia Militar afirmou que os comandantes da 15ª CIPM e da 48ª CIPM informaram que desconhecem denúncias de cancelamento de corridas por motoristas de aplicativos.

Leia a nota na íntegra:

O bairro da Paz é policiado pela 15ª CIPM, unidade que mantém na comunidade uma Base Comunitária de Segurança (BCS) no emprego de viaturas diuturnamente e motociclistas em reforço às abordagens a transeuntes e a veículos. A unidade conta com o reforço da Companhia Independente de Policiamento Tático (CIPT) Rondesp Atlântico.

Já o policiamento na Mata Escura é realizado 24 horas por equipes da 48ª CIPM, através de rondas com viaturas, motopatrulhamento, abordagens preventivas e operações com equipes do Pelotão de Emprego Tático Operacional (Peto) da unidade, que mantém o policiamento reforçado. A unidade conta com o reforço da Companhia Independente de Policiamento Tático (CIPT) Rondesp Central.

É importante salientar ainda que o cidadão deve registrar as ocorrências na delegacia, pois a PM trabalha a partir dos dados estatísticos de cada área. Além de ligar para o Disque Denúncia, 3235-0000, para informar sobre qualquer crime que aconteça nos bairros.

A PM orienta que caso alguém seja vítima de assalto, faça o registro na delegacia, pois o policiamento é remanejado conforme a mancha criminal. 

Classificação Indicativa: Livre

FacebookTwitterWhatsApp