Política

Nos anos 1980, ditadura monitorou seguidores de Osho no Brasil

Arvind/Osho Pankaj
Ele é tema da série documental Wild Wild Country sobre a comunidade de Rajneeshpuram (EUA)   |   Bnews - Divulgação Arvind/Osho Pankaj

Publicado em 30/07/2018, às 06h38   Folhapress


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"Em meio aos apelos da vida moderna, ao corre-corre, à falta de mais amor entre as pessoas e opções de tempo para o lazer, tem surgido, aqui, ali e acolá, pessoas que se propõem a oferecer um outro 'caminho', um outro estilo de vida para os povos."

Assim começa um relatório confidencial produzido pelo SNI (Serviço Nacional de Informações), o braço de inteligência da ditadura militar, sobre comunidades brasileiras ligadas ao guru indiano Baghwan Shree Rajneesh (1931-90), hoje conhecido como Osho.

O guru é tema da série documental Wild Wild Country, da Netflix, que narra o período em que Osho criou a comunidade de Rajneeshpuram, nos EUA, na década de 1980.

Cerca de 6.000 pessoas moraram no local, que se tornou famoso por uma série de situações controversas. Entre elas, a prática de sexo livre, o uso de armas, a participação em um ataque biológico (em que mais de 700 pessoas foram infectadas com salmonela) e até tentativas de assassinato de opositores.

Seguidores dizem que a série é tendenciosa e foca em casos excepcionais.

Na época, grupos semelhantes começaram a pipocar em outros países. No Brasil, seguidores (conhecidos como sannyasins) se organizaram na zona rural de vários estados. 

Os números são incertos, mas estima-se que cerca de 2.000 pessoas passaram a seguir o guru no país. Nem todos viviam em comunas. As que existiam eram compostas por poucas pessoas.

O terapeuta cearense Guilherme Ashara criou a "OrangeHouse" (em alusão às roupas em tons avermelhados que os seguidores tinham que usar) em 1985 próximo a Fortaleza. O local tinha 17 residentes e durou pouco mais de um ano.

"Uma vez a polícia foi até lá porque moradores da região se assustaram com as meditações que fazíamos", diz.

Osho é conhecido pelas meditações dinâmicas, em que os participantes gritam, pulam e dançam.
O carioca Prem Abodha começou um grupo parecido com outras seis pessoas no Rio. Ele escreveu à Rajneeshpuram pedindo autorização para iniciar uma comunidade, mas recebeu o aval para um centro de meditação, que funciona até hoje em Copacabana. "Nosso trabalho é de acolher pessoas interessadas na filosofia", afirma.

Chegou-se a cogitar a criação de uma comunidade grande, como Rajneeshpuram, em solo brasileiro.
Documentos produzidos por militares indicam a intenção de construir uma cidade perto de Brasília, chamada de "Ecopoli". O projeto acabou não indo adiante, por motivos não detalhados.

Com o retorno de Osho à Índia e o fim de Rajeeshpuram, em 1987, boa parte dos grupos no Brasil também se dissolveu.

Hoje, há apenas três que continuam funcionando exclusivamente nestes moldes, no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul e no Ceará.

Hoje, a maioria dos grupos adotou práticas "híbridas", aliadas a outras filosofias e técnicas além das pregadas por Osho.

Por causa da repercussão da série, os grupos ainda 100% fiéis ao guru indiano passaram a funcionar de forma ainda mais reservada e costumam se fechar a curiosos.

Documentos secretos até recentemente revelam que os militares viam com preocupação a entrada de grupos de filosofia oriental no país, como de Osho. 

Líderes dos movimentos eram fichados e acompanhados de perto pelos grupos de inteligência.
Para os agentes da ditadura, a intenção era "aliciar menores e induzi-los ao uso e ao tráfico de tóxicos" e realizar retiros espirituais "em regime de promiscuidade e libertinagem", conforme um documento de 1984.
A busca por uma vida de paz e amor seria, "de fato, em busca da droga".

Com o objetivo de conquistar mais adeptos, continua o mesmo relatório, os integrantes das "seitas" ligadas a Osho no país eram "agradáveis e muito educados".

Na época, o serviço de inteligência localizou comunidades no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e no Distrito Federal.

Em um documento de 1973, é citado que o embaixador brasileiro em Nova Délhi alertou o governo brasileiro sobre "a ação internacional de gurus, exportados pela Índia, os quais cada dia conquistam mais adeptos para uma filosofia que contrasta frontalmente com a do mundo ocidental".

Classificação Indicativa: Livre

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